Telescópio europeu Euclid vai fazer 50 mil observações durante 6 anos: Portugal em destaque na missão espacial da ESA

O telescópio espacial europeu Euclid vai fazer durante seis anos de missão cerca de 50 mil observações de galáxias, um trabalho que teve no seu planeamento o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

O IA lidera a participação portuguesa na missão da Agência Espacial Europeia (ESA) que lançará no sábado, dos Estados Unidos, se tudo correr conforme o previsto, o telescópio que irá explorar o lado escuro e desconhecido do Universo.

A descolagem do foguetão Falcon 9, da empresa SpaceX, que transportará o telescópio espacial está prevista para as 16:11 (hora de Lisboa) da base da agência espacial norte-americana (NASA) em Cabo Canaveral. Caso falhe esta primeira tentativa de lançamento há uma segunda oportunidade no domingo.

Pela primeira vez, Portugal ocupa um lugar de destaque numa missão espacial da ESA, agência da qual é Estado-membro desde 2000. No centro de controlo da missão, na Alemanha, vai estar um português a codirigir as operações de voo: Tiago Loureiro, engenheiro aeroespacial que há 19 anos trabalha na ESA.

A colaboração de Portugal no Euclid começou em 2012 quando o país assinou um acordo multilateral com a ESA e restantes representantes de um consórcio formado para desenvolver, construir e explorar o telescópio espacial.

Desde então mais de 40 investigadores e alunos de mestrado e doutoramento portugueses têm estado a trabalhar na missão.

António da Silva, investigador do IA e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), é o representante de Portugal na direção do consórcio do Euclid.

À Lusa, o cosmólogo justificou a importância da missão espacial com a explicação de que “foi concebida para procurar respostas a perguntas científicas simples, mas verdadeiramente enigmáticas e de implicações profundas ao nível da Física fundamental, Cosmologia e Astrofísica”.

“Até hoje não conhecemos verdadeiramente como se distribuem as galáxias no Universo nem porque nos indicam que o Universo se está a expandir aceleradamente”, afirmou.

Segundo António da Silva, várias questões se levantam.

“Que mecanismos físicos provocam esta aceleração? Qual o papel da energia escura e da gravidade nessa expansão? Estará a Teoria da Relatividade Geral de Einstein correta? E a matéria escura, o que é? Como se relaciona com os modelos de física de altas energias e partículas que procuram descrever o Universo logo após o Big Bang [teoria cosmológica sobre o desenvolvimento inicial do Universo]?”, enumerou.

Os cientistas estimam que a quase totalidade (95%) do Universo seja constituída por energia e matéria escuras, “componentes desconhecidas à luz da Física atual”, de acordo com o investigador.

Para “fazer luz” sobre o Universo escuro, o telescópio Euclid vai observar em detalhe, a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, milhares de milhões de galáxias, sobre as quais a matéria e a energia escuras geram efeitos na sua estrutura, forma, distribuição, movimento e evolução.

O telescópio irá captar a luz visível, mas também invisível ao olho humano, de galáxias e enxames de galáxias, incluindo as mais distantes, formadas nalguns casos há 10 mil milhões de anos, quando o Universo dava “os primeiros passos” (o Universo terá 13,8 mil milhões de anos).

O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço fez parte do grupo responsável pela elaboração do calendário do rastreamento do céu com as cerca de 50 mil observações do telescópio, determinando qual a região do céu que o Euclid irá observar a cada momento da missão.

Juntos, o IA e a FCUL produziram o ‘software’ que gera o cronograma das orientações do telescópio no espaço e os tempos de observação para o calendário da missão, que se estenderá até perto de 2030.

Após o lançamento do Euclid, o plano de observações será atualizado por uma equipa de apoio às operações de rastreio do céu, liderada por ambas as instituições portuguesas.

Todas as atualizações serão entregues regularmente à ESA para que o centro de operações de voo possa apontar o telescópio na direção certa do que se pretende observar no espaço profundo.

O IA coordena ainda os grupos científicos que vão usar os dados obtidos para outros objetivos sem ser propriamente os da missão espacial e participa na coordenação de estudos de física teórica, lentes gravitacionais e enxames de galáxias.

“O grande número de galáxias e espetros obtidos vai constituir um legado, incluindo populações estelares de galáxias próximas, morfologias, massas, taxas de formação estelar, entre muitos outros parâmetros que são também muito valiosos em vários domínios da Astrofísica. Tudo isso torna o Euclid uma missão única e estruturante da ciência europeia, capaz de congregar os interesses das comunidades de Cosmologia, Astrofísica e Física fundamental”, sustentou António da Silva.

Ao fazer o mapeamento tridimensional do Universo, o mais amplo e exato alguma vez feito ao longo do tempo e espaço, ao cobrir mais de um terço do céu e recuar até 10 mil milhões de anos, o telescópio “vai permitir caracterizar as propriedades dinâmicas das componentes escuras” do Universo e, com isso, abrir caminho ao desenvolvimento de “novos modelos de física de partículas e altas energias que entram nos modelos de evolução do Universo logo após o Big Bang e até ao presente”, segundo o especialista português.

Para António da Silva, tais descobertas “poderão não só vir a permitir revolucionar o entendimento” sobre a “fase crítica do Universo”, a do Big Bang, “como poderão ter implicações ao nível da Física fundamental” que é utilizada “nas mais variadas áreas do conhecimento”.

A missão da ESA custou cerca de 1,4 mil milhões de euros e contou com a colaboração da NASA num dos instrumentos, no local da descolagem, no financiamento do trabalho de equipas científicas e na criação de um centro de processamento de dados nos Estados Unidos.

O lançamento do telescópio chegou a estar previsto para 2020 e posteriormente para 2022, da base da ESA, na Guiana Francesa, num foguetão russo Soyuz.

Contudo, em 2022, a ESA cortou relações com a Rússia quando o país invadiu a Ucrânia, em fevereiro.

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