“Somos um exemplo perfeito de economia circular”, afirma presidente da AEVO
A Associação de Empresas de Valorização de Orgânicos reúne como associados Operadores de Gestão de Resíduos (OGR) responsáveis pela recolha de cerca de 70% das lamas de ETAR que são sujeitas a tratamento com vista à sua reutilização em Portugal.
Em entrevista à Executive Digest, o presidente da associação, Ricardo Silva, explica que mais-valias encerra a transformação de um resíduo num recurso, e acrescenta os benefícios ambientais e económicos que se estendem a todos os ‘players’ deste processo, e de todo o setor.
O que é a AEVO?
A Associação de Empresas de Valorização de Orgânicos reúne como associados Operadores de Gestão de Resíduos (OGR) responsáveis pela recolha de cerca de 70% das lamas de ETAR que são sujeitas a tratamento com vista à sua reutilização em Portugal. Atualmente, os nossos associados fazem a recolha destas lamas em mais de 120 concelhos portugueses, de Norte a Sul, sendo que estas são utilizadas em valorização agrícola em mais de 40 concelhos. Os nossos associados dedicam-se, entre outros serviços, à gestão de resíduos orgânicos dos mais variados tipos e origens. As lamas de ETAR, correspondendo a uma parcela significativa da atividade, não é o único resíduo orgânico a ser tratado nas instalações dos associados da AEVO, existindo já resíduos orgânicos recolhidos seletivamente a serem alvo de tratamento.
Quais são os principais objectivos da AEVO?
A AEVO foi criada em 2019 com o objectivo de defender e de elevar os padrões de qualidade do sector. Por exemplo, estamos a trabalhar para tentar que os prazos legais dos processos de licenciamento sejam cumpridos, de forma a que os operadores possam manter a sua actividade. Além disso, e sendo a nossa actividade desconhecida da maioria dos cidadãos, a AEVO acredita que o esclarecimento social sobre o que é e sobre o que este sector faz, algo que tem sido completamente esquecido, é fundamental. E esta tarefa é uma responsabilidade de todos. Certamente que é uma responsabilidade dos operadores, mas também da tutela, dos produtores e até dos utilizadores. Só assim se conseguirá garantir e promover o que é provavelmente o paradigma maior da economia circular: transformar um resíduo num recurso, dando-lhe o destino mais adequado e seguro. E sendo a gestão de resíduos orgânicos uma atividade muito complexa, e uma associação é tão mais eficiente quanto maior for a sua representatividade, queremos também deixar claro que a AEVO está disponível para receber como novos associados operadores que se dediquem total ou parcialmente ao tratamento de resíduos orgânicos.
A vossa atividade é um exemplo concreto de economia circular?
O que fazemos é o exemplo perfeito de economia circular, já que transformamos um resíduo num recurso. De uma forma simples, a nossa actividade consiste em fazer a recolha das chamadas lamas de ETAR, que resultam do processo de tratamento das águas residuais e precisam de ser retiradas, quase diariamente, destas infraestruturas, uma vez que a maioria das ETAR não têm, ou tendo, têm um espaço muito reduzido de armazenamento. Após a recolha, e antes de serem reutilizadas para fins agrícolas, entramos na fase de valorização, que pode ser realizada de duas formas distintas. Diretamente para as parcelas agrícolas ou após um processo de higienização (em que estas lamas são misturadas com cal – calagem -, de forma a eliminar os microrganismos patogénicos). A outra alternativa é a compostagem, um processo biológico natural, em que as lamas, misturadas com outros resíduos orgânicos, atingem altas temperaturas que levam à eliminação microbiológica, dando origem a um produto higienizado e estabilizado, para fertilização agrícola. No entanto, esta alternativa tem a desvantagem de ser mais morosa do que a valorização agrícola direta após higienização, e requer uma capacidade de processamento muito elevada, algo que não existe em Portugal, apesar de algumas das empresas do sector estarem fortemente a investir no aumento dessa capacidade. A valorização agrícola direta apresenta-se de facto como a opção com menor “pegada” associada à sua gestão, mesmo que necessite de passar pelo processo de higienização. Este acaba por ser um processo que demora menos de uma semana, e após diversos procedimentos legais de licenciamento, o material resultante pode ser valorizado diretamente na fertilização dos solos agrícolas. Já o composto, material que resulta da compostagem, processo nunca inferior a três meses, é considerado um corretivo agrícola orgânico que se assemelha a terra, e pode ser utilizado diretamente nos terrenos agrícolas, ou noutros fins semelhantes, sem que tenha de obedecer aos critérios de licenciamento das lamas, uma vez que deixa de ser considerado um resíduo.
Quem beneficia com a vossa atividade?
Esta atividade proporciona benefícios ambientais e económicos a todos os intervenientes neste processo. A utilização das lamas na valorização da agricultura, algo que vai de encontro às políticas europeias, é a solução que melhor protege o ambiente e a saúde pública ao mesmo tempo que contribui para uma economia circular, onde resíduos são utilizados como um recurso que valoriza os solos portugueses. Os agricultores, parceiros fundamentais desta atividade, veem os seus terrenos beneficiados com a aplicação de lamas, retirando um benefício económico e agronómico. Económico dado que estas lamas lhes são cedidas gratuitamente, o que lhes permite reduzir substancialmente o custo com adubos e fertilizantes químicos, fertilizando os terrenos agrícolas de forma natural. E agronómico pelos claros benefícios que a aplicação de lamas de depuração traz para as culturas e para o ambiente. Todos os terrenos agrícolas e florestais, com especial incidência nos mais pobres e, por isso, mais suscetíveis à erosão e degradação, beneficiam com a utilização deste material para valorização agrícola. De salientar também o importantíssimo e pouco referido papel que as lamas têm na prevenção contra os incêndios florestais. Isto porque uma grande parte das lamas são aplicadas em floresta (pastagem sob coberto de montado) e esta aplicação é sucedida, sempre, da mobilização dos terrenos florestais, deixando-os limpos de mato e de massa combustível lenhosa.
No campo ambiental, é de salientar que o trabalho deste sector permite que estas lamas recebam o tratamento recomendado, não sendo encaminhadas para destinos menos corretos, como são as soluções de aterro ou incineração. Desta forma, e devido à intervenção das OGR, as lamas são encaminhadas para onde são mais necessárias e onde a sua aplicação faz mais sentido. Ou seja, o enriquecimento dos solos portugueses, sejam agrícolas ou florestais. Por fim, salientamos ainda, os clientes do sector, as ETAR, que são outro dos beneficiários desta atividade. Ao retiraram as lamas, um produto secundário decorrente do tratamento das águas residuais, das infraestruturas das ETAR, que normalmente têm pouco espaço para as armazenar, os OGR permitem que estas continuem a funcionar dentro da normalidade.
Esses benefícios podem trazer vantagens económicas? A quem e como?
Esta actividade oferece vantagens económicas a todos os intervenientes. Por um lado, para o contribuinte, dado que a utilização destas lamas, após tratamento, na valorização agrícola direta ou através de compostagem é a solução que apresenta menores encargos para os produtores das lamas, o que é um claro benefício económico para os mesmos. Os agricultores, como já mencionado, além de terem acesso a este material gratuitamente, ao contrário dos adubos e fertilizantes químicos, têm ainda um outro ganho, o do aumento de produção devido à fertilização do solo com um produto muito rico em material orgânico. Por exemplo, numa plantação de milho, a poupança dos agricultores com adubos e fertilizantes químicos pode atingir os 350 euros hectare/ano. Contudo, se a este valor acrescentarmos os ganhos com o aumento de produção pela fertilização através da VAD, as mais valias do agricultor chegam aos 500 euros por hectare/ano. Numa plantação de 100 hectares, estamos a valor de um ganho anual de 50 mil euros. Finalmente o ambiente, assentando no pressuposto de reutilização de um factor de produção, matéria orgânica, fundamental para vitalidade dos solos e no qual o nosso pais é altamente deficitário.