Siza Vieira contra-ataca presidente da CMVM
O ministro da Economia destacou hoje a importância da reforma do mercado de capitais para o desenvolvimento da economia portuguesa, avançando que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê benefícios fiscais à capitalização das empresas no mercado.
No fim de semana, Gabriela Figueiredo Dias, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), atacou o Governo, numa entrevista ao Expresso, onde admitiu “que o mercado de capitais não era uma prioridade” para o Executivo e deu como exemplo as omissões do PRR no que toca ao investimento neste mercado.
“No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR], cuja proposta apresentámos à União Europeia muito recentemente, está previsto como uma das reformas com que o Estado português se compromete realizar, a reforma do mercado de capitais”, afirmou Pedro Siza Vieira, na abertura do seminário ‘online’ sobre os “30 anos da CMVM: O futuro do mercado de capitais e a sua regulação”.
“E no PRR comprometemo-nos realmente com essa reforma: na revisão do Código do Mercado de Valores Mobiliários, na revisão do regime das sociedades de investimento mobiliário de fomento empresarial, na capacidade de aumentarmos os benefícios fiscais à capitalização das empresas, o que não deixará de constituir um poderoso incentivo para que mais empresas portuguesas possam financiar-se no mercado”, acrescentou.
De acordo com o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, muito recentemente, o Ministério da Economia e a Secretaria de Estado das Finanças constituíram uma ‘task force’ com outros agentes relevantes no mercado “para atuar em cima” das recomendações constantes do trabalho de diagnóstico feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) para desenvolvimento do mercado de capitais.
A este propósito, o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, que também participou no seminário, avançou que o relatório com as conclusões desta ‘task force’ deverá ser apresentado “em finais de maio ou início de junho”.
Na sua intervenção, o ministro da Economia admitiu que, atualmente, “o mercado passa por momentos difíceis”, havendo “menos empresas a emitir valores e a cotarem valores no mercado português” e “menos apetência dos investidores e dos aforradores portugueses pelos produtos financeiros”.
“É compreensível que assim seja”, reconheceu, recordando que há uma década houve “um processo muito grande de destruição de valor e poupanças, a propósito de muitos problemas que os portugueses ainda continuam a associar ao mercado de capitais”.
“Por outro lado – acrescentou – perante um número cada vez mais reduzido de emitentes, temos uma complexidade no peso regulatório que importa simplificar e que afasta muitas pequenas e médias empresas (que constituem o grosso do mercado português e do nosso tecido nosso tecido empresarial) da possibilidade de acederem a fontes alternativas de financiamento”.
Sustentando que “o mercado de capitais é importante – é mesmo crítico – para o desenvolvimento da economia portuguesa”, Siza Vieira considerou que “encontrar formas de as poupanças dos portugueses serem aplicadas na economia e no tecido produtivo nacional” seria “prestar um excelente favor à economia”.
“Um dos fatores críticos para o crescimento da nossa produtividade consiste precisamente na diversificação das fontes de financiamento das nossas empresas e, sobretudo, na possibilidade de encontrarem financiamento para os seus capitais próprios em mercado”, afirmou, destacando ser por isso “muito importante adaptar as regras do mercado e capacitar as empresas”.
Conforme salientou, “anualmente os aforradores portugueses colocam umas centenas de milhões de euros em fundos de pensões, em fundos de investimento e em produtos de seguros de vida”, sendo “muito importante encontrar produtos financeiros que permitam que estas poupanças dos portugueses sejam aplicadas no tecido produtivo nacional”.
“Ter um mercado que constitua uma ferramenta para o financiamento da nossa economia recorrendo às poupanças dos cidadãos e das empresas portuguesas é uma questão crítica para o nosso futuro. A reforma com que nos comprometemos permitirá dar passos no sentido da diversificação deste problema tão importante para o financiamento da nossa economia e para a capitalização das nossas empresas”, sustentou o ministro.
No fim de semana e a menos de dois meses de abandonar a liderança da CMVM, Gabriela Figueiredo Dias foi confrontada pelo Expresso com o relatório da OCDE, emitido pela organização internacional a pedido da CMVM, e que conclui que o mercado português está num estado demolidor, “resultado de anos de desinvestimento”. E mesmo “não querendo apontar o dedo” foi clara: “não há uma estratégia para o mercado de capitais, nem este é uma prioridade das políticas públicas”.
Para Gabriela Figueiredo Dias é preocupante que “o Plano de Recuperação e Resiliência não preveja qualquer medida de apoio ao mercado de capitais. Surpreende-me (até) alguma indiferença e ceticismo a que se assiste relativamente ao contributo do mercado para a evolução da economia portuguesa.”