Ana Jorge acusa atual Governo de “profundo desconhecimento” e assegura que situação financeira “não compromete missão” da Santa Casa

A provedora exonerada da santa Casa da misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, responde esta quarta-feira às perguntas dos deputados no parlamento, após requerimentos da Iniciativa Liberal e do Chega, sobre a situação financeira da instituição e sobre o negócio da internacionalização dos jogos sociais. Nas declarações feitas esta manhã, Ana Jorge negou as acusações que foram lhe foram dirigidas, e também à Mesa da Santa Casa, lamentado “profundo desconhecimento” do Governo de Montenegro sobre a instituição.

recordando as várias funções públicas desempenhadas, incluindo como ministra da Saúde, Ana Jorge sublinhou que sempre procurou “defender uma sociedade mais justa”. “Pelo que não podia deixar de ficar indignada com as acusações de que a Mesa e eu própria somos alvos, por parte da Sr.ª ministra do Trabalho”, indicou.

“Rejeito de forma absoluta”, continuou, referindo-se às alegações de que ela e a Mesa teriam decidido aumentos de vencimentos, e explicou que o “vencimento dos membros da Santa Casa é fixado em portaria por um membro do Governo, tendo por referência os montantes definidos para os gestores públicos”.

Nesse sentido, a responsável recorreu a um despacho de 17 de janeiro de 2023, em que se manteve a Santa Casa “como empresa do grupo A, nível de complexidade 1, para efeitos do gestor púbico”, pelo que, “foram aplicadas as remunerações em vigor” na lei.

A atual provedora, Ana Jorge, descreve as medidas tomadas desde que assumiu o cargo em maio do ano passado, destacando o levantamento da situação económica e financeira da Santa Casa. Em junho, apresentou à ministra da tutela um relatório que revelava a gravidade da situação: uma rutura de tesouraria de 25 milhões de euros e a necessidade de um reforço de mais de 50 milhões de euros para cumprir compromissos, como as despesas com pessoal. Ana Jorge alertou mesmo para o risco de não se conseguirem pagar os salários de setembro.

A provedora reconhece que herdou previsões excessivas de receita com a venda de imóveis do anterior provedor, destinadas a cobrir custos não previstos, assim como um saldo de tesouraria que diminuiu em 90 milhões entre 2021 e 2022. Além disso, identificou a existência de 30,4 milhões de euros em garantias bancárias em nome da Cruz Vermelha e da Santa Casa Global, uma empresa de internacionalização.

Ana Jorge destaca a grande dependência dos jogos sociais, mas salienta que a Santa Casa apenas recebe 26,5% das receitas provenientes desses jogos. Dos 644 milhões de euros de receitas anuais, a Santa Casa recebe apenas 170 milhões de euros, enquanto o restante é distribuído por vários ministérios e pelas regiões autónomas dos Açores e Madeira.

“A mesa trabalhou arduamente para que em setembro de 2023 fossem pagos todos os salários, cumpridos os compromissos com fornecedores, para que não houvesse qualquer situação de incumprimento”, continuou Ana Jorge, sublinhando que, atualmente “a Santa Casa não tem praticamente nenhuma dívida”.

“Tem um problema financeiro estrutural, sim, mas sempre cumpriu pontualmente os seus compromissos financeiros. Vamos a tempo de Salvar a Santa Casa, mas há muito a fazer no processo de reestruturação”, escreveu, afastando as acusações de que não tinha feito “nada” para travar o declínio da SCML.

“A atual situação económica e financeira não compromete a missão primordial da Santa Casa de apoio aos mais desfavorecido”, garantiu Ana Jorge.

No entanto, a responsável relatou o que encontrou ao chegar à instituição, com uma “estrutura de grande dimensão”, com muitos níveis hierárquicos, com o negócio da internacionalização em “grande complexidade” e com “gestão e controlo inexistentes”. Da mesma forma, e recorrendo a todos os documentos que entregou à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relatou participações no setor da saúde “não sustentadas” em decisões sólidas, assegurando que tomou um conjunto de medidas para a sustentabilidade financeira da SCML.

Audições decorrem hoje
Decorrem hoje, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão da Assembleia da República as audições da provedora exonerada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, e da ex-ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

Segundo o relatório e contas da instituição, a que o Observador teve acesso, internacionalização dos jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entre 2020 e 2023, terá originado perdas superiores a 52 milhões de euros.

O documento foi fechado no dia após Ana Jorge ter sido exonerada do cargo de provedora. Apesar dos prejuízos com os investimentos, a Santa Casa de Lisboa fechou 2023 com lucros acima de 2 milhões de euros, após ter registado prejuízos de mais de 12 milhões no ano anterior.

Recorde-se que Ana Jorge viu-se no centro de um remoinho de acusações da atual ministra do Trabalho e da Segurança Social, Maria do Rosário Ramalho, que disse que a provedora afastada não fez “nada” na instituição e acusou a de ter tirado benefício próprio da instituição durante o mandato.

Ana Jorge tem negado todas as acusações e prometeu resposta para hoje, no Parlamento.

“Nego profundamente essa declaração e é preciso justificar qual é o benefício próprio”, afirmou Ana Jorge, citada pela Renascença.

“Conseguimos manter toda a atividade, fizemos grandes reorganizações internas. Portanto, terei oportunidade, de hoje a oito dias [hoje], de explicar e de levar dados e informação detalhada sobre tudo aquilo que a Mesa da Santa Casa fez”, indicou na semana passada, sendo que após a divulgação da entrevista recusou comentar mais o caso.

Segundo a provedora exonerada, a administração tentou manter todas as atividades, conseguiu ter uma execução orçamental positiva, e “tentou encontrar soluções para os trabalhadores, melhorando principalmente aqueles que têm ordenados mais baixos”.

Ainda sobre as críticas da ministra em relação aos salários, Ana Jorge explicou que a SCML fez um acordo de empresa que a ministra considerou que não deveria ter sido realizado.

Ana Jorge contou que, no primeiro encontro que teve com a ministra, esta lhe disse que “não o devia ter feito, mas também não havia problema porque podia ser anulado”.

“Isto foram palavras, portanto, isto diz tudo”, vincou, afirmando que no parlamento dirá “mais coisas”.

Relativamente às críticas de Maria do Rosário Ramalho, em que a acusou de “total inação”, Ana Jorge comentou que não sabe como é que “a senhora ministra em 12 dias” pode ter tirado essa ilação, considerando que dificilmente a ministra terá a informação sobre toda a atividade da Santa Casa.

Mais tarde, aos jornalista, Ana Jorge voltou a negar as afirmações da ministra do Trabalho e que na semana que vem a instituição irá apresentar na Assembleia da República o plano de reorganização, relatório que orientará as respostas da antiga provedora aso deputados.

“Quer ponto de vista financeiro, quer de reorganização. Temos um plano que vamos demonstrar na AR na próxima quarta-feira, com os resultados, quer de aumento de receitas nas áreas que é possível faze-lo, quer de reduções de despesa que Santa Casa fez”.

Ana Jorge voltou a reforçar: “Nunca estive nos lugares [cargos] por questões politicas, estive por acreditar nos projetos, e acredito muito na Santa Casa, onde estive em 2016, saí e voltei agora.

As críticas da ministra
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não poupou críticas à provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A responsável garantiu na RTP que a saída da provedora não se tratou de um “saneamento político”, como diz a oposição, mas sim de uma demissão “por razões absolutamente de gestão”.

E explica: “Não teve nada a ver com o perfil da senhora provedora, que eu muito prezo (…), mas sim com a convicção que o gabinete e o Governo foram formando de que ela não tinha capacidade e não possuía as qualidades necessárias”.

Maria do Rosário Ramalho declarou que, quando o Governo tomou posse, encontrou na Santa Casa uma “situação muito difícil”: “A senhora provedora foi imediatamente chamada (…) mas não evidenciou nenhum sentido de urgência relativamente à situação que se vivia”.

Diz ainda que “não havia um plano de restruturação” e sublinha: Houve “negligência grave por total inação (…) [A provedora] não fez nada (…)”.

À RTP, a ministra acusou ainda a Mesa e a provedora de se terem beneficiado “a si próprios” e àqueles que gerem a Santa Casa. “Não beneficiaram de todo as pessoas que estão na operação”, muitas delas a receber perto do salário mínimo, argumentou.

A governante diz ter perdido “absolutamente” a confiança na provedora e revela que ofereceu a Ana Jorge e à restante mesa a possibilidade de se demitirem, mas como tal não aconteceu, foi necessária a exoneração.

Ana Jorge tomou posse em 02 de maio de 2023, escolhida pelo anterior Governo socialista de António Costa, e herdou uma instituição com graves dificuldades financeiras, depois dos anos de pandemia e de um processo de internacionalização dos jogos sociais, levado a cabo pela administração do provedor Edmundo Martinho, que poderá ter causado prejuízos na ordem dos 50 milhões de euros.

Depois da sua exoneração, no dia 20 de abril, a provedora escreveu uma carta a todos os trabalhadores da SCML, na qual acusou o Governo de a ter exonerado de “forma rude, sobranceira e caluniosa” e que foi apanhada de surpresa.

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