“Risco de utilização de armas nucleares está a aumentar na Ucrânia e no Médio Oriente”, avisa sobrevivente de Nagasaki
Aos 81 anos, Masako Wada, sobrevivente do bombardeamento atómico de Nagasaki, deixou um alerta para o perigo crescente de utilização de armas nucleares nos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente.
A mulher, que integra a Nihon Hidankyo, organização recentemente galardoada com o Prémio Nobel da Paz, dedica-se a transmitir os horrores do ataque nuclear de 1945 através do testemunho herdado da sua mãe, sublinhando a necessidade urgente de desarmamento global.
“O perigo está a aumentar”: As memórias de horror da família e os receios (que agora ecoam semelhantes)
Nascida em 1943, Masako Wada tinha apenas um ano e dez meses quando a bomba atómica foi lançada sobre Nagasaki, às 11h02 do dia 9 de agosto de 1945. Embora não tenha memórias do ataque, a sua mãe, na altura com 24 anos, deixou-lhe relatos vívidos do que viveram.
A família vivia a 2,9 km do epicentro. “A minha mãe estava a preparar o almoço e eu brincava fora de casa”, recorda Wada. “Ela chamou-me para entrar por causa do calor, e pouco tempo depois ouviu-se um grande estrondo, uma explosão. Quando voltou a si, percebeu que a casa tinha sido completamente destruída: portas de madeira, de vidro, paredes, tudo tinha desaparecido, transformando-se num monte de detritos com cerca de 30 centímetros de altura”, conta em entrevista ao El País.
Ao sair para o exterior, a mãe de Wada viu “um pó de cor laranja” e as montanhas verdes à volta tornadas castanhas pelo calor da explosão. “O fogo espalhou-se rapidamente, e as pessoas que sobreviveram à explosão começaram a chegar à nossa zona, descendo a montanha”, descreveu. Muitas estavam irreconhecíveis: “Não tinham roupa ou esta estava em farrapos, o cabelo encrespado parecia chifres. A minha mãe dizia que pareciam filas de formigas acastanhadas e cinzentas.”
Mesmo em meio ao caos, a mãe de Wada começou a ajudar os feridos. Usava pedaços de tecido velho como ligaduras e água de um poço para limpar as feridas. O terreno vazio de um vizinho, onde antes existia uma casa demolida pelas autoridades para prevenir incêndios, tornou-se um local de depósito de cadáveres. “Corpos eram recolhidos pelas ruas e transportados num grande carro de madeira, normalmente usado para lixo. Das pilhas de corpos saíam mãos e pernas como se fossem bonecos”, relata Wada.
À medida que os cadáveres se acumulavam, a mãe de Wada foi perdendo a capacidade de sentir tristeza ou empatia. “Ela dizia: ‘os humanos não nasceram para serem tratados como lixo desta forma’”, lembra a filha.
Nos dias que se seguiram ao bombardeamento, a mãe de Wada foi chamada a trabalhar num posto de socorro numa escola. Ali, enfrentou cenas devastadoras: “Os feridos estavam deitados no chão, queimados, a gemer e a chorar. Ao segui-los com líquidos antissépticos, não aguentou, deixou cair os frascos e desmaiou”, conta.
Outro trabalho envolvia retirar larvas das feridas de sobreviventes com um pincel. “Ela dizia que as larvas eram do tamanho de um polegar, tão grandes porque tinham muito com que se alimentar. Nunca tinha visto algo assim.”
Sobrevivente deixa aviso e pede diálogo como solução
A Nihon Hidankyo, fundada em 1956, é a única organização nacional japonesa composta por hibakusha, os sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki. Em outubro de 2024, recebeu o Prémio Nobel da Paz pelos esforços na promoção de um mundo sem armas nucleares e pela partilha dos testemunhos dos sobreviventes.
“O Prémio Nobel da Paz deve ser atribuído a pessoas ou organizações que fomentem a amizade entre nações, contribuam para o fim da guerra ou redução das armas, e trabalhem pela promoção da paz através de conferências. É exatamente o que fazemos”, afirma Wada.
Para ela, o prémio surge num momento crítico: “Rússia e Israel têm armas nucleares, e o risco de que sejam utilizadas está a aumentar na Ucrânia e no Médio Oriente.”
Aos 81 anos, Wada sente a responsabilidade de dar continuidade ao trabalho dos sobreviventes mais idosos, que estão a desaparecer. “A idade média dos hibakusha é de 86 anos. Pouco a pouco, sinto que tenho de contar as suas histórias”, afirma.
Apesar do crescente esquecimento sobre o que aconteceu, Wada acredita que o Nobel pode ajudar a manter viva a memória. “Talvez as pessoas se lembrem das assinaturas que recolhemos para a abolição nuclear e relacionem isso com as suas vidas. A nossa esperança é que percebam como a existência dessas armas pode afetar todos nós.”
Wada sublinha a singularidade do trabalho da Nihon Hidankyo: “Apelamos pela paz e pela abolição das armas nucleares, mas não através das armas. Fazemo-lo com diálogo e palavras.”
Enquanto os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki continuam a envelhecer, o testemunho de Masako Wada e de outros membros da organização torna-se essencial para garantir que o mundo nunca esqueça as consequências devastadoras das armas nucleares.