Rogério Campos Henriques: «Já vimos muitas tempestades perfeitas, mas ainda cá estamos»

Na Fidelidade, a declaração do estado de pandemia conduziu à implementação de uma série de medidas que abrangem todos os segmentos da oferta, bem como agentes e colaboradores. Falámos com Rogério Campos Henriques, vice-presidente da Comissão Executiva da Fidelidade.

Osector segurador está preparado para uma crise como aquela a que estamos a assistir?

O sector segurador está hoje, do ponto de vista de robustez financeira, ainda mais resiliente em toda a Europa do que há alguns anos, em resultado do cumprimento das regras regulamentares previstas no regime Solvência II, que impôs rácios de capital mais robustos. Para além desse facto, que resulta de uma obrigação regulatória, o sector segurador tem feito um esforço de inovação muito grande nos últimos anos. A pandemia e este confinamento aceleraram uma tendência que já existia de transformação digital do negócio. Há muitas empresas e pessoas que dizem que isto foi uma disrupção. Nós não achamos que o foi de todo, porque as tendências já existiam e cas quase universalmente assumidas. Em muitas destas dinâmicas, como no caso do teletrabalho, alteraram-se preconceitos e deu-se um passo em frente, mas a tecnologia já estava lá.

Quais as medidas da Fidelidade para dar resposta à situação de surto por que passámos?

No caso da Fidelidade, desde o início da crise, procurámos antecipar as dificuldades que os nossos clientes iriam enfrentar. Logo nos primeiros dias anunciámos, perante as dúvidas que existiam, a validade da cobertura dos Seguros Automóveis durante o estado de emergência. A Fidelidade esclareceu imediata e oportunamente que a simples declaração de estado de emergência não produzia nenhum tipo de efeito na validade e eficácia dos seguros de Responsabilidade Civil Automóvel, os quais permaneceriam válidos e eficazes (ou seja, aptos a dar cobertura a qualquer acidente que se verificasse nesse período) tal como se essa declaração não tivesse sido proferida.

Logo de seguida anunciámos que disponibilizámos o Apoio Informativo gratuitamente aos nossos clientes particulares e empresas que tivessem cobertura de Protecção Jurídica em alguma das suas apólices. Através da sua rede de advogados, demos acesso a um serviço informativo e de esclarecimento jurídico, quanto ao conteúdo das medidas legislativas e regulamentares, extraordinárias e urgentes, adoptadas em resposta à situação epidemiológica da Covid-19.

Potenciámos a utilização de outros serviços na área da saúde, como já referi anteriormente. Adicionalmente, fizemos compensações por redução de actividade nas empresas onde comprovadamente se verificou uma redução da actividade. Além do ajuste automático do risco pela redução de pessoas, salários e veículos seguros a Fidelidade, caso a caso, negócio a negócio, iniciou um diálogo permanente com os seus clientes, permitindo assim devolver montantes proporcionais à diminuição do risco estimada no período de redução da actividade. No caso do Seguro Automóvel decidimos ainda, como forma de compensação pela redução de sinistralidade, aplicar uma dupla bonificação aos nossos clientes sem sinistros, o que corresponderá a um desconto de 7,5% na próxima anuidade em 2021, com um valor estimado superior a 20 milhões de euros.

Desde o início do estado de emergência que garantimos moratórias para pagamento, perante as dificuldades de liquidez que poderiam experimentar os clientes empresariais e particulares, e embora os seguros não estivessem abrangidos pelas normas da moratória entretanto legislada. Decidimos continuar a dar cobertura de seguro mesmo que não se tenha verificado o pagamento do prémio, suspendendo a anulação de apólices, como seria devido, pelo período de até 90 dias.

A companhia está a permitir a todos os clientes o pagamento fraccionado das apólices neste período e acompanhou o nosso principal parceiro comercial, a CGD, nas moratórias dos seguros relacionados com o crédito habitação. Tudo isto foi feito de forma voluntária e com bastante antecipação a todas as regulamentações do Estado sobre estas matérias.

Como tudo se processou na Multicare?

A Multicare foi a primeira seguradora portuguesa a garantir a realização de testes Covid-19 sem custos aos seus cerca de um milhão de clientes. E fomos a única seguradora portuguesa e uma das poucas na Europa a pagar os custos de tratamento da Covid-19, através da celebração de um acordo com a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, garantindo assim aos nossos clientes o pagamento dos custos relacionados com internamento por Covid-19, em hospitais privados.

Promovemos a utilização da nossa linha Medicina Online, como já referi, e disponibilizámos, aos cerca de 2,3 milhões de clientes da Fidelidade e não apenas da Multicare, uma ferramenta informática (avaliador de sintomas) que permitiu a despistagem de Covid-19 e o seguimento posterior através da nossa plataforma de Medicina Online. Mais recentemente anunciámos também que suportaríamos os custos dos equipamentos de protecção individual (EPI) nos vários actos médicos executados na nossa rede de prestadores.

Houve alguma evolução atípica noutros segmentos como os seguros de desemprego ou contra riscos cibernéticos, por exemplo?

Houve uma evolução normal, podemos dizer. Os clientes que têm seguros deste tipo puderam accionar estas coberturas em caso de necessidade. Ora, é justamente para isso que cá estamos, para proteger as pessoas quando elas mais precisam. Por outro lado, as nossas análises demonstram que neste período houve um recrudescimento a nível mundial das ameaças na área da cibersegurança, em grande medida, aproveitando o facto de haver muito mais pessoas em teletrabalho e logo a aceder aos sistemas de forma remota ou pelo aumento das compras online. Os hackers assumem, com algum sentido, que neste período aumentaram as vulnerabilidades e naturalmente procuram ganhar vantagem disso. Como bem sabemos, neste período aumentou também o número de pessoas em situação de desemprego. Acreditamos que este contexto de pandemia e de confinamento e abrandamento económico aumentou a sensibilidade das pessoas para este tipo de riscos e como tal é natural que a apetência para se protegerem aumente também. Temos bons produtos nestas áreas com custos muito adequados e procuraremos melhorar a protecção futura dos nossos clientes nestas matérias. Estamos a fazer uma aposta significativa na promoção destes produtos, nomeadamente, nas áreas de ciber-risco, quer para as empresas, quer para as famílias.

Que planos para este ano o surto de Covid-19 anulou?

Face aos impactos que esta situação trouxe, estamos atentos e a revisitar os planos de investimento e de negócio que tínhamos traçado para 2020. Em todo o caso, deverão manter-se as áreas de aposta que tínhamos delineado, sem anulações relevantes. Mantemos uma grande confiança no futuro. Para além de uma parcimónia acrescida em algumas áreas, em grande medida causada por um decréscimo de receita que estamos a antecipar, vai acelerar-se ainda mais o investimento na transformação digital e nas novas formas de trabalhar, quer a nível dos processos de back-office, quer nos processos de venda e de customer service.

Que riscos esta crise traz?

É um lugar-comum, mas verdadeiro, que as crises trazem riscos, mas também muitas oportunidades. Não sabemos como vai ser o futuro, mas será certamente um futuro onde a apetência pelo risco será menor e a necessidade de protecção maior. Neste contexto e para além dos impactos que decorrem sempre de um abrandamento económico, que podem ser significativos, estávamos já e continuamos a trabalhar afincadamente na preparação de novos produtos e serviços, na melhoria da experiência de cliente e na transformação do negócio pela via do digital, no âmbito do nosso programa estratégico. O impacto da Covid-19 vai levar a algumas afinações, mas o rumo mantém- -se. Como antes, estamos a envolver os nossos colaboradores e os nossos parceiros da distribuição nesta jornada. Os nossos clientes podem estar seguros que estamos bem preparados para os ajudar a enfrentar esta nova realidade, tal como procurámos fazer nestes últimos dois meses.

Como evitamos prolongar esta crise?

É fundamental que sejamos capazes de manter a confiança no futuro num momento como este. O choque na redução da procura, mas também na oferta provocado pelo confinamento global foi muito forte e deverá ter impactos significativos em muitas áreas da economia. Cabe-nos a todos perceber o carácter excepcional desta crise e procurar não a intensificar com acções pró-cíclicas que não sejam estritamente necessárias. Durante estes últimos meses, a Fidelidade procurou apoiar os seus clientes, aplicando desde logo moratórias de pagamento e devoluções de prémios quando se justificasse. Antecipámos pagamentos pendentes aos nossos fornecedores, passámos a pagar ainda mais rapidamente os serviços prestados e, em alguns casos, fizemos mesmo acordos de adiantamento de receita por conta de serviços futuros, com o objectivo de permitir aos nossos parceiros suportar melhor este período mais difícil. Por outro lado, apostámos na protecção das nossas pessoas, colocámos em teletrabalho 98% dos nossos colaboradores, basicamente todos os que o podiam fazer, não utilizámos a figura do lay-off e mantivemos os rendimentos de todas as nossas pessoas. Incentivámos os nossos parceiros da distribuição a comunicarem (ainda mais) proactivamente com os clientes, não tanto para venderem produtos mas para lhes demonstrarem que estamos cá e continuamos a protegê-los, como habitualmente. O objectivo foi manter a operativa a funcionar, manter a moral e a motivação das nossas pessoas, manter os níveis de confiança em alta. Temos um desafio muito grande pela frente e temos todos um papel a desempenhar. Acreditamos que os portugueses têm a resiliência, a capacidade e a vontade para vencer esta crise como já venceram outras no passado.

Acredita que a recuperação seja rápida, apesar da profundidade da crise, como alguns economistas prevêem?

Respeito muito a capacidade preditiva que numa seguradora é essencial à sua actividade, mas ainda é muito cedo para termos um prognóstico. Parece haver algum consenso entre os economistas que depois de uma queda muito abrupta, poderemos vir a ter também uma recuperação rápida, embora não seja claro que para os níveis anteriores à crise.

Parece claro que em algumas áreas da economia, essa recuperação poderá demorar mais algum tempo. Mas como me pergunta se acredito, diria que acredito que podemos fazer a diferença. Se aproveitarmos esta oportunidade para repensar o presente, actuarmos de forma decidida e corajosa, podemos ajudar a acelerar a recuperação e preparar um futuro em que emergiremos mais fortes. Tenho ouvido alguns especialistas na área do turismo dizer que esta crise pode contribuir para posicionar Portugal de forma ainda mais positiva nos circuitos internacionais e potenciar o turismo de qualidade em regiões de menor densidade populacional. O mesmo se passa com uma potencial regionalização das cadeias de produção de alguns produtos industriais ou com a “globalização” do teletrabalho.

Quem sabe se não tornamos uma ameaça numa oportunidade para Portugal? Na Fidelidade, temos mais de 200 anos de história e somos a terceira seguradora mais antiga do mundo. Já vimos muitas tempestades perfeitas, mas ainda cá estamos para garantir que a vida dos portugueses nunca pare

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