Rede de espionagem: Falso jornalista hispano-russo infiltrou-se na Nato e acabou detido pelas autoridades polacas

A detenção do falso jornalista hispano-russo Pablo González, em fevereiro de 2022, pelas autoridades polacas, revelou uma complexa rede de espionagem a favor do Kremlin, segundo revelam documentos secretos agora revelados.

Disfarçado de repórter, González infiltrou-se em diversas instalações militares, centrais energéticas e até numa Assembleia da NATO, tudo enquanto reportava diretamente para o serviço de inteligência militar russo, o GRU, avança o El Mundo, que teve acesso aos documentos da investigação. As investigações, coordenadas pela justiça polaca, indicam que o espião estava envolvido em várias operações secretas desde 2016, fornecendo informações valiosas sobre questões políticas e militares a Moscovo.

Infiltração em instalações militares ucranianas e polacas
Uma das operações mais significativas de Pablo González, que se apresentava como jornalista, ocorreu em março de 2016, quando obteve acesso a um campo de treino militar em Lviv, na Ucrânia. Para isso, usou a falsa identidade de repórter a trabalhar num “trabalho de fim de mestrado” e numa colaboração com o jornal basco Gara, o que lhe permitiu obter permissões do Ministério da Defesa ucraniano para visitar as instalações militares, com o auxílio de Alena Sytnik e Taras Dziuba. Uma vez no local, González assistiu a exercícios militares envolvendo instrutores norte-americanos e canadianos, reportando tudo diretamente ao GRU em tempo real.

Além das atividades na Ucrânia, González foi encontrado com imagens e vídeos da central de cogeração de energia de Siekierki, a maior da Polónia e uma das maiores da Europa. As autoridades polacas consideram este material de extrema gravidade, dada a vulnerabilidade das infraestruturas energéticas da Europa Central a ataques ou sabotagens, sobretudo após o início da guerra na Ucrânia.

Infiltração em eventos da NATO e casamentos militares
Outro dos seus feitos notáveis aconteceu em maio de 2016, quando González se infiltrou numa sessão da Assembleia Parlamentar da NATO em Tbilisi, na Geórgia. Usando a sua falsa identidade de jornalista, relatou detalhadamente as intervenções, incluindo as declarações do ministro da Defesa da Geórgia sobre a necessidade de reforçar a defesa antiaérea com sistemas franceses e americanos. González descreveu as sessões como “antirussas” e apresentou a NATO como uma organização que via a Rússia como uma ameaça.

Num episódio ainda mais intrigante, González conseguiu infiltrar-se no casamento de uma oficial do exército americano, Katrina Hensley, utilizando a sua relação com o militar georgiano Giorgi Shonia. A sua presença no evento tinha o objetivo de reforçar os laços de confiança com o militar georgiano e obter informações sensíveis. Nos seus relatórios ao GRU, justificou a participação no casamento como uma forma de dissipar suspeitas sobre as suas verdadeiras intenções.

Ligações ao GRU e comunicação secreta
As autoridades descobriram que González, que oficialmente fazia parte da estrutura do GRU desde 2016, tinha como missão recolher informações estratégicas e espalhar propaganda pró-Kremlin. Num dos documentos apreendidos, González vangloriou-se de ter semeado “dúvidas” entre participantes de eventos euro-atlânticos, sublinhando o seu papel na disseminação de narrativas favoráveis à Rússia.

Nos seus arquivos, foram ainda encontrados relatórios sobre pessoas e organizações que ele considerava “antirrussas”, como membros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e da Freedom House na Ucrânia. Utilizava uma linguagem alinhada com a retórica do Kremlin, referindo-se a qualquer oposição às políticas russas como “russofobia”.

Pablo González manteve uma rede de contactos ao longo dos anos que incluía jornalistas, militares e diplomatas, muitos dos quais desconheciam completamente a sua verdadeira identidade. Um dos casos mais notórios é o da jornalista polaca Magdalena Jodovnik, com quem González manteve uma relação pessoal e profissional. Segundo os relatórios das autoridades, ele nunca revelou a Jodovnik o seu papel como espião. Num dos seus documentos, referiu: “Ela acreditou na minha história.”

A extensão da sua rede de contactos e a capacidade de manter uma vida dupla permitiu-lhe operar durante anos sem levantar suspeitas, até à sua detenção em 2022.

A detenção de Pablo González pelas autoridades polacas foi um duro golpe para os serviços de inteligência russos, que perderam um dos seus agentes mais eficazes na Europa. As investigações ainda estão em curso, e espera-se que mais detalhes sobre as suas operações venham à tona à medida que os dispositivos apreendidos sejam analisados.

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