Quem (e como) vai governar a França? Os cenários possíveis e a crise política à vista após as eleições francesas

“Quem vai governar a França?”: Esta é a pergunta crucial que emerge após a surpreendente segunda volta das eleições legislativas, onde o bloco de esquerda liderou, mas ficou longe de alcançar a maioria absoluta necessária para governar sem contestação. Quais são os próximos passos esperados após este resultado? Poderá o país enfrentar um bloqueio institucional? Abaixo ficam as respostas sobre os próximos ‘episódios’ de uma (nova) crise política que pode avistar-se no horizonte.

Quando será nomeado um novo governo?

Embora nada obrigue o primeiro-ministro Gabriel Attal a deixar o cargo imediatamente, ele anunciou na noite de domingo, 7 de julho, que apresentará a sua demissão ao Presidente da República na segunda-feira. “O facto de um governo se demitir após as eleições legislativas é uma convenção”, explica Benjamin Morel, professor de direito público na Universidade Paris-Panthéon-Assas. Attal não precisa sair imediatamente, já que, com os Jogos Olímpicos à porta, declarou estar disposto a permanecer em Matignon “enquanto o dever o exigir” – ou seja, até que se encontre um sucessor.

Não há um calendário formal que obrigue Emmanuel Macron a pedir a demissão do governo atual ou a nomear um novo. O presidente indicou que prefere “esperar pela estruturação da nova Assembleia Nacional para tomar as decisões necessárias (…), de acordo com a tradição republicana”. Contudo, Macron não pode ignorar a nova realidade política resultante das eleições. Um governo em minoria na Assembleia Nacional está sujeito à ameaça de uma moção de censura, que pode ser apresentada já na primeira sessão da futura Assembleia, prevista para 18 de julho, conforme o artigo 12 da Constituição. Com apenas 168 dos 577 assentos, a moção de censura poderia ser aprovada, levando à queda imediata do governo de Attal.

Como é escolhido o primeiro-ministro?

Teoricamente, o presidente da República tem o poder de nomear quem quiser para o cargo de primeiro-ministro. No entanto, a lógica institucional exige que o escolhido tenha o apoio da maioria dos deputados, pois um governo contrário à maioria poderia enfrentar uma moção de censura. O presidente deve, portanto, escolher um candidato que tenha potencial para obter o apoio de uma maioria – ou, pelo menos, não enfrentar a rejeição de uma maioria.

Se um bloco político obtiver a maioria absoluta dos deputados (289 dos 577 assentos), a nomeação de um primeiro-ministro desse grupo torna-se praticamente obrigatória, mesmo que seja de um partido oposto ao do presidente, como ocorreu nas coabitações durante os mandatos de François Mitterrand e Jacques Chirac.

Contudo, nenhum grupo político conseguiu essa maioria nas atuais eleições. O maior grupo, a Nova Frente Popular (NFP), tem apenas 182 deputados, aos quais se podem somar cerca de treze deputados de esquerda, totalizando uma maioria relativa de aproximadamente um terço dos assentos.

Quais são os cenários possíveis?

Sem uma maioria clara na Assembleia, o risco de um bloqueio institucional é real. Embora não haja um prazo para a formação de um governo, nenhum texto legislativo ou regulamentar pode ser aprovado na sua ausência. As negociações nos próximos dias poderão definir um dos seguintes cenários:

Uma coligação

Dado que nenhum dos grandes blocos políticos tem maioria, podem surgir discussões para formar uma coligação que reúna mais de 50% dos deputados em torno de um nome para primeiro-ministro e um programa de governo. Este é um cenário comum em democracias parlamentares como a Alemanha ou Itália. Antes da segunda volta, alguns líderes políticos mencionaram a possibilidade de um “governo de união nacional” ou “governo provisório”.

No entanto, as negociações parecem difíceis. Os principais representantes da esquerda rejeitaram qualquer aliança com os macronistas ou a direita, recusando “alianças dos contrários” ou “arranjos”. Embora Macron ainda não tenha se pronunciado, o líder do Renaissance, Stéphane Séjourné, afirmou que o campo presidencial apresentará “condições prévias a qualquer discussão” para formar uma maioria. Os macronistas já descartaram qualquer aliança com a França Insubmissa (LFI), a principal componente da esquerda com 74 deputados. Edouard Philippe, líder do Horizons, também quer um acordo sem o Reagrupamento Nacional (RN) ou a LFI. Laurent Wauquiez, uma figura importante dos Republicanos (LR), rejeitou qualquer “negociação ou combinação para formar maiorias contra-natura” com o apoio dos cerca de sessenta deputados LR e de direita.

Um governo minoritário

Um governo pode ser nomeado e manter-se sem o apoio explícito de uma maioria absoluta na Assembleia. Foi o caso dos governos macronistas de Elisabeth Borne e Gabriel Attal, que entre 2022 e 2024 tinham apenas uma maioria relativa de 246 assentos (43%). O campo presidencial conseguiu manter esses governos porque as oposições de direita, esquerda e extrema-direita nunca se uniram para derrubá-los. Os macronistas precisaram buscar maiorias ad hoc para aprovar cada projeto de lei, recorrendo frequentemente ao artigo 49.3.

Este cenário poderia permitir à Nova Frente Popular governar, mas exigiria que pelo menos 94 deputados de outros partidos oferecessem apoio tácito. O campo presidencial também poderia manter o poder se conseguisse convencer 121 deputados de direita ou centro-esquerda a deixá-lo governar. No entanto, é pouco provável que LR ou RN conquistem Matignon desta forma.

Sem uma maioria clara e estável, um governo minoritário viveria sob a constante ameaça de uma moção de censura, o que poderia resultar na rápida sucessão de vários governos.

Um governo técnico

Se a situação permanecer bloqueada, a nomeação de um governo “técnico” pode ser uma solução. Este tipo de governo é composto por ministros sem filiação partidária, encarregados de gerir os assuntos correntes e implementar algumas reformas consensuais, com o apoio ad hoc dos diferentes blocos na Assembleia.

Embora a Itália tenha experimentado governos técnicos em momentos de crise, estes não são muito duradouros devido à falta de legitimidade eleitoral.

Pode haver uma nova dissolução em breve?

A hipótese de novas eleições para clarificar a situação política é, em princípio, excluída no imediato. De acordo com o artigo 12 da Constituição, “não pode haver uma nova dissolução no ano seguinte a estas eleições”. A nova Assembleia Nacional deverá, portanto, funcionar pelo menos até ao verão de 2025.

Ler Mais