Qual é a definição de “mulher”? Debate e (grande) polémica chegam à barra do Supremo Tribunal do Reino Unido
Em que consiste, legalmente, o conceito de “mulher”? Depois de, em Portugal, ter gerado polémica o facto de a Direcção-Geral da Saúde (DGS) ter lançado um questionário sobre a menstruação, referindo-se a “pessoas que menstruam”, em vez de usar a palavra “mulheres”, eis que, no Reino Unido, o tema chega ao Supremo Tribunal.
Na mais alta instância judicial de ‘Terras de Sua Majestade’ iniciou-se agora a análise de um caso que poderá redefinir legalmente o conceito de “mulher”. A ação, apresentada pelo grupo de direitos das mulheres For Women Scotland (FWS), questiona se uma pessoa transgénero, com certificado de reconhecimento de género (GRC) que a identifica como mulher, pode ser incluída na definição de “mulher” ao abrigo das leis de igualdade.
O litígio surgiu no contexto da Lei de Representação de Género nos Conselhos Públicos, aprovada na Escócia em 2018, que estipula que 50% dos membros dos conselhos de organismos públicos devem ser mulheres, incluindo mulheres transgénero. Embora a legislação tenha sido concebida para promover a inclusão, o FWS argumenta que a redefinição do termo “mulher” excede os poderes do Parlamento Escocês.
O governo escocês emitiu orientações esclarecendo que a definição de “mulher” na lei incluiria mulheres trans com GRCs. No entanto, o FWS contesta esta interpretação, procurando anulá-la. Depois de uma derrota inicial em tribunal em 2022, o grupo recorreu ao Supremo Tribunal do Reino Unido, alegando que o termo “sexo”, no âmbito da Lei da Igualdade, deveria ser baseado em critérios biológicos.
Argumentos em debate
Durante a audiência desta terça-feira, o advogado do FWS, Aidan O’Neill, defendeu perante o painel de cinco juízes que o “sexo” deve ser entendido no seu significado biológico. “O nosso entendimento é que o sexo, seja masculino ou feminino, é determinado na conceção e é uma realidade corporal imutável,” afirmou O’Neill. Ele alertou que permitir a redefinição poderia levar a cenários onde conselhos públicos fossem compostos por “50% de homens e 50% de homens com certificados, mas ainda assim cumprissem as metas de representação feminina”.
Por outro lado, organizações como a Amnistia Internacional opõem-se à exclusão de pessoas transgénero com GRCs, alegando que tal decisão violaria os direitos humanos fundamentais. Num comunicado submetido ao tribunal, a Amnistia manifestou preocupação com o que considera ser uma crescente erosão dos direitos trans no Reino Unido. “Uma política que exclua de forma generalizada mulheres trans dos serviços destinados a um único sexo não é uma medida proporcional para alcançar um objetivo legítimo,” defendeu a organização.
Embora o caso esteja centrado na legislação escocesa, o FWS alerta que a decisão poderá ter repercussões em todo o Reino Unido, afetando direitos baseados no sexo e serviços exclusivos para um único sexo. “Se o significado de ‘sexo’ não estiver vinculado à sua definição comum, o impacto será sentido em direitos fundamentais e na igualdade de representação,” afirmou Trina Budge, diretora do FWS.
O Supremo Tribunal dedicará dois dias à análise do caso, cuja decisão final, esperada nos próximos meses, poderá influenciar significativamente o enquadramento legal da igualdade e dos direitos trans no Reino Unido. A questão surge num momento de intensos debates globais sobre os direitos transgénero e o equilíbrio entre inclusão e proteção dos direitos das mulheres.