Qatargate: Bélgica abandona investigação sobre teia de corrupção que promovia interesses de Marrocos no Parlamento Europeu

A Justiça belga decidiu retirar-se da investigação sobre a implicação de Marrocos no maior escândalo de corrupção no Parlamento Europeu, conhecido como Qatargate, deixando a cargo de Rabat o avanço nas investigações criminais dos marroquinos envolvidos na teia de alegados de subornos a eurodeputados. Esta decisão, segundo revelou o jornal Le Soir no passado fim de semana, pode resultar na estagnação das investigações.

O Qatargate emergiu no final de 2022, com a detenção de oito eurodeputados, ex-deputados e assistentes parlamentares na Bélgica e Itália. As autoridades realizaram buscas em cerca de 20 residências privadas e na sede do Parlamento Europeu em Bruxelas, confiscando aproximadamente dois milhões de euros em dinheiro. Inicialmente, o foco da investigação estava no Qatar, mas posteriormente surgiu a evidência de que Marrocos estava também fortemente envolvido.

Os principais suspeitos marroquinos são Abderrahim Atmoun, atual embaixador de Marrocos na Polónia, e Mohamed Belharache, conhecido como o agente M118 do serviço secreto marroquino, a Direção Geral de Estudos e Documentação (DGED). Belharache trabalhou em Mataró, Barcelona, no início da década passada, e depois em Orly, Paris, onde recrutou um agente francês que lhe forneceu acesso a diversas fichas policiais de suspeitos de radicalização. Recentemente, Belharache concentrou a sua atividade em Bruxelas.

Para interrogar os suspeitos, juízes e polícias belgas viajaram a Rabat, mas não lhes foi permitido ver Atmoun ou Belharache. Atmoun não pode ser interrogado em Varsóvia devido à imunidade diplomática, e Belharache não pode ser extraditado para a Bélgica porque Rabat não autoriza a extradição dos seus cidadãos.

Desdobramentos da Investigação
Uma decisão da Sala do Conselho de Bruxelas, tomada a 12 de abril, retirou a investigação sobre a vertente marroquina do Qatargate ao magistrado instrutor belga, transferindo-a para a Justiça de Marrocos. Esta deve agora averiguar as suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e participação em organização criminosa. Caso sejam imputados, Atmoun e Belharache deverão ser julgados em Rabat.

A Sala do Conselho é um tribunal penal de primeira instância que decide, geralmente a pedido da Procuradoria, se um caso deve ser arquivado ou remetido a outra jurisdição, possivelmente estrangeira. A decisão de transferir a responsabilidade para Marrocos foi conhecida apenas dois meses depois de tomada, graças a uma revelação jornalística.

Poucos dias após a decisão, o então primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, visitou Rabat, acompanhado por três ministros e pela secretária de Estado de Asilo e Imigração, Nicole de Moor. Durante a visita, foi celebrado um “compromisso muito claro” de Marrocos em abrir um escritório de Segurança do Estado belga em Rabat.

O acordo inclui a repatriação de cidadãos marroquinos sem autorização de residência na Bélgica, começando pelos delinquentes que cumpriram penas. Um porta-voz do Ministério da Justiça belga negou qualquer ligação entre este acordo e a decisão da Sala do Conselho, destacando a separação de poderes na Bélgica.

Reações e Implicações
A imprensa marroquina celebrou a decisão da Justiça belga. O jornal Rue 20 escreveu que a decisão “confirma a posição de Marrocos, que negou qualquer envolvimento desde o início”. O jornal acrescentou que a decisão representa um revés para a justiça belga e um reconhecimento das posições marroquinas desde o início do caso.

Entretanto, a investigação sobre o Moroccogate enfrentou várias dificuldades. Michel Claise, o juiz belga que inicialmente conduziu a investigação, renunciou após a revelação de que o seu filho tinha negócios com um colaborador de um dos suspeitos. Aurélie Dejaiffe, que o substituiu em junho de 2023, foi suspensa em março por razões não divulgadas, sendo substituída temporariamente por outro magistrado. O primeiro procurador do caso, Raphaël Malagnini, também se demitiu para ser promovido pelo Conselho Superior da Justiça belga.

Além disso, três agentes envolvidos na investigação, incluindo o inspetor principal da Unidade Central de Combate à Corrupção da Polícia Federal, foram drogados com anfetaminas num bar de Bruxelas a 18 de janeiro. Um dos agentes teve de ser operado de urgência devido a uma hemorragia interna. A Procuradoria de Bruxelas abriu uma investigação por “tentativa de homicídio”, com suspeitas de envenenamento por parte dos serviços secretos marroquinos para obstruir a investigação e prejudicar a reputação da polícia judicial belga.

A decisão de a Justiça belga abandonar a investigação sobre o envolvimento marroquino no Qatargate levanta questões sobre a mensagem enviada a outros Estados que possam tentar interferir nos assuntos das instituições europeias e belgas. Como questiona Pauline Hoffman na sua coluna no Le Soir: “Que mensagem estamos a enviar? Que tudo é permitido?”

A decisão belga de transferir a investigação para Marrocos, num contexto de cooperação bilateral em matérias de imigração, suscita dúvidas sobre a eficácia e imparcialidade das futuras investigações, e sobre as reais motivações por trás das decisões judiciais e políticas. A questão que permanece é se Marrocos irá, de facto, prosseguir com uma investigação rigorosa ou se esta acabará por cair no esquecimento.

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