Qatargate: Documentos apanhados na investigação revelam mais de 300 tentativas de manipulação da democracia na UE

O escândalo de corrupção do Parlamento Europeu (PE) que ficou conhecido como ‘Qatargate’ está prestes a cumprir um ano desde que foram lançadas as operações de buscas e detenções de responsáveis, incluindo da então vice-presidente Eva Kaili, e o caso promete voltar a dar que falar nas instituições europeias, tendo em conta os documentos encontrados pelas autoridades belgas, bem como nas averiguações internas feitas pelo PE.

O Politico teve acesso a centenas de documentos que fazem parte da investigação e que revelam que, ao longo de quatro anos os principais suspeitos, incluindo o antigo eurodeputado Pier Antonio Panzeri e o seu assessor Francesco Giorgi (então namorado de Kaili) tinham um registo das tentativas de manipulação no Parlamento Europeu.

Países como o Qatar, Marrocos ou Mauritânia são suspeitos de terem gastado cerca de quatro milhões de euros em pagamentos, viagens e ofertas aos elementos da rede de corrupção.

No computador de Giorgi, apreendido num apartamento em Bruxelas, foi encontrada uma folha de Excel que lista mais de 300 alegadas tentativas de manipulação e de influência da rede, com ações levadas a cabo entre 2018 e 2022.

Os investigadores suspeitam que a rede, liderada por Pazeri, estaria a manipular o Parlamento em nome do Qatar e de outros Estados, mas os documentos sugerem também que estaria a tentar explorar a falta de conhecimento que alguns altos-oficiais têm sobre a democracia na UE.

Francesco Giorgi confessou à polícia que ele e Panzeri por vezes comunicavam aos países que faziam os pagamentos sobre operações e decisões sobre as quais não tinham qualquer influência, enquanto Panzeri também empolava as suas responsabilidades e poderes sobre as instituições europeias.

Na lista, constam várias operações, das quais se destacam:

– Para o Qatar, era o ‘Grande Prémio’ que quase passou: Procurava-se que Doha conquistasse a hipótese de os seus não precisarem de visto para viajar para a UE, algo que acabou por ter luz verde num comité de liberdades civis do parlamento em dezembro de 2022, dias antes de Giorgi e Panzeri serem detidos. O voto final foi suspenso com o eclodir do escândalo.

– Ainda na mesma operação, havia dois planos de ação sobre quem pressionar. Uma pré-condição apresentada para garantir o acordo entre Qatar e UE seria afastar os eurodeputados críticos de Doha e do seu tratamento de trabalhadores migrantes e jornalistas. Giorgi dava conta de sucessos em “neutralizar” seis resoluções parlamentares de condenação do Qatar, entre junho de 2021 e novembro de 2022.

– Manipulação de audiências parlamentares: Na lista aparece um sucesso na “mudança da narrativa no Parlamento Europeu”, perante as críticas que se adensavam às preparações do Mundial de Futebol naquele país, com alegada exploração de trabalhadores migrantes, com a intervenção mediada de um oficial qatari numa audiência a uma comissão do Parlamento Europeu. Também em fevereiro de 2020 há registo de preparação de notas tendo em vista a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros do Qatar num comité do PE, para “questões direcionadas” por determinados eurodeputados.

– Ataques a rivais do Qatar: o documento lista uma operação, em 2021, tendo em vista travar a nomeação do responsável da polícia dos Emirados Árabes Unidos (com quem o Qatar mantém relações tensas), Naser Al-Raisi, para novo presidente da Interpol. Já outra ação teve como alvo a Arábia Saudita, no seguimento de corte de relações com o Qatar. Panzeri e Giorgi cobraram ao país um ‘pacote de ações que incluía publicações nas redes sociais a criticar o país e a exibição de filmes relacionados com o homicídio do colunista saudita Jamal Khashoggi.

– Contam-se várias ações de alegada intervenção a favor de Marrocos e Mauritânia. Nos documentos os envolvidos congratulam-se em terem conseguido a provação de uma resolução parlamentar contra a Argélia, que beneficiaria Marrocos, ou de colherem sucesso num “texto mais moderado” que criticava Marrocos pela forma como lidou com a crise migratória de 2021. Quanto à Mauritânia, com o objetivo de melhorar a imagem pública, a folha de Excel do grupo sugeria que se tentasse impedir que uma ativista opositora do governo mauritano ganhasse o Prémio Sakharov da UE para os direitos humanos.

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