Provas de aferição começam com alunos sem acesso à Internet. Há escolas a pedir routers emprestados aos professores

Os contratos do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) com as operadoras para o fornecimento de internet nos kits digitais dos alunos terminaram no final de maio, deixando a maioria dos alunos sem acesso à internet nos seus kits digitais. Apenas os professores e os alunos beneficiários de ação social escolar continuam com o serviço até 31 de agosto. Esta interrupção ocorre poucos dias antes do início das provas de aferição teóricas, que começam esta segunda-feira com o exame de Português do oitavo ano.

Os diretores escolares receberam a informação via email, referindo que “no âmbito da Escola Digital, nomeadamente no que concerne ao serviço de conectividade, reiteramos a informação presente na Lei de Orçamento de Estado, Artigo 143.º: ‘Até ao final do ano letivo 2023/2024, é assegurada a gratuitidade do serviço de conectividade aos professores, bem como aos alunos dos ensinos básico e secundário beneficiários da ação social escolar posicionados nos 1.º, 2.º e 3.º escalões do abono familiar’”. A CNN Portugal apurou que algumas escolas já tinham recebido queixas de pais sobre o cancelamento do serviço antes do fim de maio. Rui Cardoso, diretor do Agrupamento de Escolas do Viso, em Viseu, mencionou que “há contratos que já tinham terminado e há miúdos que já não tinham internet ainda antes do final do mês”. Cardoso destacou ainda a péssima qualidade da internet nas escolas, exemplificando com problemas recorrentes na rede móvel.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), expressou preocupação com a situação. Ele salientou que esta mudança pode comprometer a equidade no acesso aos recursos digitais, afetando particularmente os alunos sem escalão, mas com dificuldades financeiras. Lima espera que esta seja apenas uma fase de transição e que, a partir de setembro, todos os alunos e professores tenham acesso aos recursos digitais sem limitações. Ele alerta ainda que, com o fim dos contratos, os alunos com manuais digitais podem deixar de ter acesso aos manuais em casa durante os últimos 15 dias de aulas do ano letivo.

Apesar das preocupações, os diretores escolares e representantes de associações de pais mostram-se relativamente tranquilos quanto ao decorrer das provas de aferição, que podem ser realizadas offline e depois carregadas no sistema. Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), garantiu que “está tudo assegurado para as escolas funcionarem dentro da normalidade durante as provas de aferição”. Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), também expressou confiança na gestão das provas, afirmando que as direções escolares estão a precaver todas as eventualidades.

Uma professora de Tecnologias de Informação e Comunicação explicou que, para as provas offline, é necessário criar vários servidores nas escolas para armazenar as provas, o que pode sobrecarregar a rede das escolas. Caso as provas sejam feitas online, a rede das escolas ou a partilha de dados móveis dos alunos será utilizada. Rui Cardoso teme que a falta de routers do MECI comprometa a digitalização. Há escolas a pedir routers emprestados aos professores, cujos contratos só terminam a 31 de agosto, para garantir a conectividade necessária durante as provas. Esta medida temporária foi denunciada pelo movimento cívico de professores Missão Escola Pública, que criticou a falta de condições para a realização das provas digitais e a ausência de equidade na preparação dos alunos.

O Ministério da Educação responsabilizou o anterior Executivo pela situação, explicando que a decisão de não autorizar a aquisição de conectividade para todo o ano de 2024 foi tomada anteriormente. O atual governo está a preparar um concurso público internacional para disponibilização de conectividade após 31 de agosto de 2024. O Ministério recorda que a insuficiência da conectividade nas escolas se deve a um atraso significativo na concretização de um projeto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cuja meta inicial era dezembro de 2023.

O atual Governo recuou na decisão de realizar os exames do nono ano em formato digital, optando pelo formato tradicional. No entanto, defende que as provas de aferição em formato digital vão permitir identificar as fragilidades da conectividade nas escolas. De acordo com a Lei do Orçamento do Estado, todos os alunos e docentes vão ficar sem conectividade nos kits digitais a partir de 31 de agosto, o que significa que, se nada for feito, o próximo ano letivo vai arrancar com todos os kits digitais sem acesso à Internet. O ministério de Fernando Alexandre garantiu à CNN Portugal que “o atual Governo está a preparar o lançamento de um concurso público internacional para disponibilização de conectividade pós 31 de agosto de 2024”.

As provas de aferição de índole teórica começaram esta segunda-feira com o exame de Português do oitavo ano. Na terça-feira, realizam-se as provas de Matemática e Ciência do quinto ano e, na quinta-feira, as provas de Inglês do oitavo ano. Nas semanas seguintes, ocorrem as provas de Português e Estudo do Meio do segundo ano, no dia 11 de junho, e de Matemática e Estudo do Meio, também do segundo ano, a 18 de junho. Além dos problemas de conectividade, a realização das provas está ameaçada pela greve dos professores à sua vigilância.

O Missão Escola Pública teme que os resultados das provas de aferição, que servem para avaliar o bom funcionamento das escolas e dos programas educativos, fiquem condicionados pela forma como vão decorrer as provas e questiona a legitimidade desses resultados. O movimento sugere que, mantendo-se a decisão das provas em formato digital, o MECI deveria ter ponderado a hipótese de selecionar uma amostra de alunos, como no estudo PISA, para garantir que as escolas tivessem recursos suficientes para responder às necessidades.

A realização das provas de aferição de índole teórica ocorre em meio a estas dificuldades logísticas e preocupações com a conectividade, destacando a necessidade urgente de soluções tanto imediatas quanto de longo prazo para assegurar o acesso equitativo e eficaz aos recursos digitais nas escolas portuguesas.

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