Proteção dos lobos na Europa prestes a mudar. Vão ser definidas quotas de abate

A proteção estrita dos lobos cinzentos na Europa, em vigor há 45 anos, poderá estar prestes a sofrer uma mudança significativa. A Comissão Europeia propôs a transferência da espécie do Anexo II (estritamente protegida) para o Anexo III (protegida) da Convenção de Berna. Caso a alteração seja aprovada, cada país da União Europeia poderá estabelecer quotas anuais para abater lobos, removendo muitas das salvaguardas que permitiram à população da espécie florescer nas últimas décadas.

Atualmente, a Comissão justifica a proposta com o aumento considerável no número de lobos, que quase duplicou nos últimos 11 anos, passando de cerca de 11 mil em 2012 para mais de 20 mil em 2023. Este crescimento tem gerado conflitos, principalmente devido aos danos causados ao gado, como os registados por József Rácz, pastor nas montanhas dos Cárpatos, na Roménia. József conta à BBC perde anualmente cinco ou seis ovelhas para lobos ou ursos, e recorre a 17 cães de guarda para proteger o seu rebanho de 500 animais. “Um bom cão é a melhor ferramenta que um pastor pode ter para proteger o rebanho, de dia e de noite”, afirma.

Os opositores à proposta argumentam que o impacto dos lobos no gado é relativamente pequeno. Um relatório da União Europeia de 2023 refere que apenas 0,065% das ovelhas e cabras na Europa são mortas por lobos anualmente, o que equivale a cerca de 50 mil animais de um total de 68 milhões. Além disso, apontam que os lobos desempenham um papel ecológico importante, controlando as populações de veados e javalis, que causam danos às florestas e culturas agrícolas. “Os lobos ajudam a prevenir a propagação de doenças, como a peste suína africana, ao eliminar animais doentes. São verdadeiros ‘médicos’ da natureza”, defende Michal Haring, biólogo da Eslováquia ao mesmo meio de comunicação britânico.

Os defensores da conservação alertam ainda para as consequências da fragmentação das alcateias, que ocorre quando os lobos mais velhos são abatidos. Sem a liderança de lobos experientes, os grupos tendem a desagregar-se, tornando os indivíduos mais propensos a atacar gado em vez de presas selvagens.

Para Laurent Schley, responsável pelo Departamento de Vida Selvagem do governo do Luxemburgo, a coexistência com lobos é uma obrigação moral para os europeus. “Se esperamos que países como a Índia ou a Indonésia protejam os seus tigres, ou que os africanos cuidem dos leões e elefantes, nós, enquanto europeus, devemos aceitar a presença de lobos”, afirma. Schley admite, no entanto, que medidas devem ser tomadas em casos de ataques frequentes ao gado ou ameaças à segurança humana.

Apesar de a proposta da Comissão Europeia reconhecer estes desafios, a comunidade científica insiste que melhorias nos métodos de proteção, como cães treinados e cercas reforçadas, são soluções preferíveis a uma redução dos níveis de proteção legal dos lobos.

No terreno, contudo, pastores como József enfrentam desafios diários. Enquanto os ursos raramente matam mais do que um animal por vez, uma alcateia de lobos pode dizimar dezenas de ovelhas numa única incursão. “Os lobos são animais inteligentes e perigosos”, alerta József, que viu o seu cão Moody ser morto por lobos em pleno dia enquanto conduzia o rebanho. Para o pastor, o aumento da população de lobos é insustentável, e medidas mais rígidas são necessárias.

Com a decisão pendente, o debate reflete o delicado equilíbrio entre a preservação da biodiversidade e as necessidades das comunidades rurais. A questão permanece: será possível encontrar um meio-termo que proteja tanto os lobos como os modos de vida das populações que convivem com eles?

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