Problemas nos kits digitais das escolas. Milhares de alunos e professores sem direito a hotspots de Internet

A recente decisão do Governo de limitar o acesso à Internet nos kits digitais atribuídos a professores e alunos está a gerar contestação nas escolas. A restrição, anunciada no início deste ano letivo, estabelece que apenas alunos de escalão social e os que participam no projeto-piloto “Manuais Digitais” ou realizam provas digitais terão direito a hotspots de Internet. Esta medida tem vindo a causar transtornos, com pais a manifestarem indignação, alunos a relatarem dificuldades em fazer trabalhos de casa, e professores a enfrentarem obstáculos no cumprimento dos planos de aula.

Pais e alunos sem Internet enfrentam dificuldades

Ana Isabel Cabrita, mãe de um aluno afetado pela medida, partilhou a situação do filho que ficou sem acesso ao hotspot este ano letivo, obrigando-o a recorrer à Internet de casa para realizar os trabalhos escolares. “Foi quando uma professora pediu para levar o computador que percebemos que o hotspot não tinha Internet”, conta Ana Isabel à CNN Portugal. Ao dirigir-se à secretaria da escola, foi informada de que apenas os alunos com escalão social mantêm acesso ao serviço.

O problema tornou-se evidente para muitos alunos apenas durante as aulas, quando a falta de conectividade prejudicou o cumprimento das tarefas solicitadas pelos professores. “Há professores que usam a sua própria Internet, pois a rede Wi-Fi da escola é fraca e incapaz de suportar o número de utilizadores”, explica Ana Isabel, mencionando que este problema é frequente entre os colegas do filho.

Limitação dos hotspots: decisão do Governo e impacto nas escolas

A recolha dos hotspots atribuídos aos professores e a limitação nos kits dos alunos foram determinadas pela resolução do Conselho de Ministros n.º 103-C/2024, publicada a 16 de agosto. O documento autoriza a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) a contratar serviços de conectividade, até um montante de 31,5 milhões de euros, para o ano letivo 2024/2025, visando a modernização da rede de Internet nas escolas. Contudo, a implementação da medida tem sido desigual, como explica Cristina Mota, porta-voz do movimento cívico Missão Escola Pública (MEP) e professora de Matemática em Pinhal Novo.

“Em algumas escolas, os professores ainda têm hotspots, noutras não. E há escolas onde os dispositivos de conectividade foram modernizados, mas noutras ainda não”, relata Cristina ao mesmo canal. Como professora, já testemunhou a frustração de colegas e a preocupação dos pais que temem que os seus filhos fiquem prejudicados. “Na disciplina de Matemática, temos projetos que dependem de Internet e muitos professores não conseguem cumprir os objetivos por falta de acesso à rede”, afirma.

O MEP acusa o Governo de um “retrocesso” nas políticas de digitalização, questionando se ainda existem fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para dar continuidade ao processo. Cristina Mota considera esta medida contraditória em relação aos objetivos de digitalização defendidos pelo ministro da Educação, Fernando Alexandre, e exige uma solução para a uniformização da conectividade nas escolas.

Desigualdades e falta de recursos

A limitação de Internet nos kits digitais é vista por muitos como geradora de desigualdades entre os alunos. Ana Isabel Cabrita considera injusto que apenas alunos com escalão de ação social escolar mantenham acesso à Internet: “É uma medida injusta, que impede o meu filho e outros colegas de fazerem os trabalhos que os alunos com escalão conseguem concluir em casa”. A falta de conectividade obriga, assim, muitos alunos a recorrer aos recursos próprios das suas famílias.

Nuno Reis, diretor do Agrupamento de Escolas de Portela e Moscavide, expôs outra desigualdade. Muitos professores deslocados, que alugam quartos ou pequenas residências, não têm condições para contratar serviços de Internet adicionais. “Esta lógica obriga os professores a ir à escola para usar a Internet, quando poderiam trabalhar de forma mais confortável em casa”, explica, sublinhando a necessidade de repensar a medida.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), alinha com a preocupação dos pais e considera que os alunos sem escalão, que também enfrentam necessidades financeiras, são desprotegidos pela decisão. “A limitação prejudica alunos que, muitas vezes, estão tão ou mais carenciados do que os que têm apoio social. Espero que o Governo esteja a considerar soluções para garantir que todos os estudantes tenham acesso à Internet em casa”, comenta Lima. Sobre os professores, reforça a necessidade de conectividade também fora das escolas, especialmente para os docentes deslocados.

Faltam computadores e assistência técnica

Mariana Carvalho, presidente da Confederação das Associações de Pais (Confap), expressa confiança na modernização da rede escolar, mas sublinha que a falta de computadores e kits digitais ainda é uma realidade. “Em algumas escolas, o kit digital não existe. Os alunos terminam o ciclo e devolvem o equipamento, ou os computadores avariam e não há substituição disponível”, denuncia. A Confap aguarda uma reunião com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) para debater a questão.

Filinto Lima também chama a atenção para o elevado número de computadores avariados que não podem ser utilizados por falta de assistência técnica nas escolas. “Muitas vezes, são avarias simples, que poderiam ser rapidamente resolvidas se as escolas tivessem técnicos de manutenção”, afirma, frisando a necessidade de apoio técnico para garantir que o material digital esteja sempre disponível para os alunos.

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