“Portugal é um mercado fundamental para a transformação da PMI”, diz Diretor-Geral da Tabaqueira

Marcelo Nico chegou a Portugal em Janeiro de 2021 depois de vários anos em mercados externos, com destaque para o africano. E chegou precisamente numa altura em que o Grupo PMI no geral, e a Tabaqueira em particular, passam pela sua maior revolução tranquila, depois de ter afirmado publicamente querer um Mundo sem fumo no futuro. Para isso, tem vindo a investir em tecnologia, na contratação de cientistas e no desenvolvimento de soluções de tabaco aquecido “menos nocivos” para a saúde, segundo declara. E a defender e incentivar a transição dos cigarros de combustão para as novas soluções que representam já mais de 30% das receitas líquidas totais.

Por cá, o director-geral da empresa afirma estar totalmente empenhado em tornar Portugal um país sem fumo – e totalmente aberto para, de forma transparente, trabalhar com as autoridades competentes na prossecução dessa mesma visão. Em entrevista à Executive Digest, em plena fábrica da Tabaqueira em Sintra, Marcelo Nico explica como o País pode estar na linha da frente da transformação e, num horizonte entre 10 e 15 anos, acabar com a venda de cigarros, caso haja o incentivo regulatório e o apoio da sociedade civil. Tudo isto, num mercado que é hoje um dos principais exportadores – «em 2021, exportámos cerca de 720 milhões de euros», frisa -, seja de produto como de serviços de alto valor acrescentado, a partir dos centros de excelência globais que a PMI decidiu localizar em Portugal e que servem diversos mercados e regiões do Grupo.

A Philip Morris no geral e a Tabaqueira, no que toca ao mercado português, têm vindo a implementar uma estratégia livre de fumo, posicionando-se como uma companhia mais focada em inovação e ciência. Quais os maiores desafios que tem encontrado nesta transição?
Como empresa estamos, de facto, em transformação e a nossa ambição é ousada: pretendemos deixar de comercializar cigarros o mais rapidamente possível, que queremos que sejam substituídos por produtos sem combustão e livres de fumo, substanciados cientificamente, logo que possível, em prol de todos aqueles que decidem continuar a fumar cigarros e da saúde pública em geral. Há quase duas décadas que o nosso grupo trabalha para concretizar esta ambição: desde 2008, já investimos cerca de 9 mil milhões de euros no desenvolvimento, substanciação científica, comercialização e produção de produtos sem fumo. Actualmente, mais de 30% das nossas receitas líquidas totais são provenientes dos produtos sem combustão. Estamos a falar de praticamente 20 milhões de pessoas, em todo o mundo. Para acelerar esta transição e garantir que o fim pode ser uma realidade, é necessário que a legislação considere os produtos sem fumo nem combustão, distinguindo-os claramente dos produtos de tabaco combustíveis, como os cigarros convencionais, permitindo que os fumadores adultos, munidos de toda a informação sobre estas melhores alternativas, possam tomar decisões informadas, com base em ciência.

A contrainformação continua a ser uma barreira?
Enquanto os consumidores não tiverem acesso a informação precisa e credível, validada cientificamente, sobre estas alternativas aos cigarros, para que possam tomar decisões informadas, a desinformação continuará a ser um obstáculo à concretização de um mundo sem fumo. E é precisamente por isso que a ciência, com a substanciação científica destes produtos sem combustão, é tão crítica para nós. Infelizmente, existe muita desinformação relativa ao papel destes novos produtos sem fumo como melhores alternativas aos cigarros, e ao seu potencial de redução de nocividade. Por isso, defendemos que deve ser a evidência científica – e há cada vez mais evidência científica, incluindo de fontes independentes – a guiar as discussões sobre este tema. Deve ser considerada tanto pelos legisladores e reguladores, como pelos especialistas de saúde pública. Esta discussão tem de ser factual e, acima de tudo, transparente. Todos, incluindo os consumidores, merecem ter acesso a informação precisa e credível, validada cientificamente, para que possam tomar decisões informadas. É por isso que investimos fortemente em Ciência, em Investigação & Desenvolvimento, e fazêmo-lo de acordo com as melhores práticas, inspiradas na Indústria Farmacêutica. Acreditamos que é nosso dever partilhar os resultados da nossa Ciência com a comunidade científica, com os decisores e as entidades reguladoras, garantindo transparência e credibilidade este diálogo tão necessário.

Há cerca de 1,5 milhões de fumadores em Portugal. Os fumadores portugueses já estão familiarizados com as diferenças entre um produto com combustão e um produto sem combustão?
Actualmente, já existem mais de 400 mil utilizadores do sistema de aquecimento de tabaco da PMI em Portugal, o que é, para nós, um sinal muito positivo e encorajador. Demonstra que há muitos fumadores adultos que perceberam o potencial de redução de nocividade destes produtos face aos cigarros tradicionais e que decidiram adoptá-las e que, como tal, querem vê-los considerados nas políticas públicas como melhores alternativas. Contudo, num país em que existem, como refere, um milhão e meio de fumadores (de acordo com os últimos dados conhecidos, relativos a 2019) é preciso acelerar a mudança. E é aqui que os decisores e os reguladores têm um papel relevantíssimo, se quisermos, de facto, concretizar a visão de um futuro sem fumo: reconhecendo a natureza fundamentalmente diferente dos produtos sem fumo em comparação aos produtos combustíveis, como o cigarro. Para isso, a regulação deverá idealmente diferenciar os produtos combustíveis, como os cigarros, dos produtos sem fumo que são substanciados em evidência científica e que seguem os requisitos de qualidade e segurança.

E os consumidores conseguem perceber as diferentes alternativas?
Isso só acontecerá quando existir um enquadramento regulatório que, de facto, incentive a adopção de produtos sem fumo. É bom lembrar que, com excepções muito raras, na maioria dos países, a regulação relativa a tabaco e nicotina data de uma época em que não existiam os avanços científicos e tecnológicos que temos hoje. Para que haja uma clara distinção, é preciso que uma estrutura regulatória que inclua restrições significativas aos cigarros em combinação com o incentivo à cessação tabágica e a garantia de acesso, por parte dos fumadores adultos, a informações precisas sobre as melhores alternativas aos produtos com combustão.

Portugal foi um dos primeiros mercados onde o IQOS foi lançado e já está presente em 64 mercados. A Tabaqueira continua a introduzir novidades e alternativas ao tabaco. Como vai ser em 2023?
Depois de um ano de 2022 muito dinâmico – que incluiu o lançamento de dois produtos no mercado, incluindo uma nova tecnologia de tabaco aquecido – estamos muito focados em garantir a aceleração da transição de fumadores adultos para as nossas alternativas sem fumo. Um único produto não conseguirá dar resposta às necessidades de todos os fumadores adultos, pelo que a PMI tem investido na inovação e na diversificação do portefólio, com soluções substanciadas cientificamente que respondam às necessidades dos diferentes perfis de utilizadores. Essa diversificação é fundamental para acelerar a nossa transformação para alcançar um futuro onde os cigarros serão substituídos por produtos sem combustão. O ano de 2023 será sobretudo de consolidação destas diferentes alternativas, no sentido de garantir a conversão de cada vez mais fumadores adultos para alternativas que, assentes em ciência, apresentam potencial de redução de risco. Será também um ano em que ficaremos mais próximos daquele que é o nosso grande objectivo do grupo no seu roteiro para 2025: tornarmo-nos maioritariamente num negócio sem fumo, com mais de metade das suas receitas provenientes de produtos sem fumo.

Qual é o caminho para continuar a crescer em Portugal?
Portugal pode estar na linha da frente da transformação e, num horizonte entre 10 e 15 anos, acabar com a venda de cigarros, caso haja o incentivo regulatório para tal e o apoio da sociedade civil. O caminho passa, por isso, por acelerar o processo de transição dos fumadores adultos para melhores alternativas e é nisso que estamos apostados – garantir que os fumadores adultos que, de outra forma continuariam a fumar, passam o mais rapidamente possível para estes produtos sem combustão cuja evidência científica demonstra o potencial de redução de nocividade em comparação aos cigarros.
É importante notar que Portugal, apesar de ter sido um dos primeiros países a reconhecer na sua legislação que a redução de risco em tabaco pode ser uma alternativa às políticas de prevenção e cessação tabágicas, ainda não materializou esta ideia em termos de políticas públicas. Portugal pode, por isso, tomar a liderança desta transformação social histórica, com os decisores, os reguladores, os especialistas em saúde pública e a sociedade civil, no sentido de encontrar, de facto, uma abordagem alternativa que considere a redução de nocividade. Estamos completamente empenhados em concretizar este objectivo – tornar Portugal um país sem fumo – e totalmente abertos para, de forma transparente, trabalhar com as autoridades competentes na prossecução de tal visão.

Que investimentos gostaria de trazer da PMI para a Tabaqueira?
Nos últimos anos, o ADN da Tabaqueira, uma empresa que conta já com 95 anos, tem vindo a transformar-se, impulsionado pela mudança de paradigma da própria Philip Morris International. Hoje, somos um dos principais grupos nacionais exportadores (em 2021, exportámos cerca de 720 milhões), mas não vendemos apenas produto. Hoje, já exportamos serviços de alto valor acrescentado, a partir dos centros de excelência globais que a PMI decidiu localizar em Portugal e que servem diversos mercados e regiões do grupo. Por exemplo, é em Portugal que está baseado o Departamento Leaf, que dá apoio às boas práticas agrícolas em mais de uma dezena de países produtores de tabaco da Europa, Médio-Oriente e África. É também em Portugal que está instalado o IT Hub, que desenvolve aplicações de software que dão suporte a várias áreas do grupo, ao longo de toda a sua cadeia de valor. Estamos a falar da criação de praticamente 300 postos de trabalho, altamente qualificados e de grande valor. Portugal é, por isso, um mercado fundamental para a concretização da transformação da PMI e da indústria.

A fábrica de Sintra é umas das melhores no contexto da PMI? Porquê?
Tal como a PMI tem investido na localização de centros de excelência em Portugal, tem também olhado de forma estratégica para a fábrica da Tabaqueira, em Sintra. Desde 1997, ano em que se iniciou o processo de reprivatização da companhia, que o grupo já investiu cerca de 390 milhões na economia nacional – e uma parte muito substancial na modernização desta unidade produtiva, que recentemente comemorou 60 anos, mas que é uma fábrica state of the art neste sector (não só pela sua capacidade produtividade, mas também pela eficiência e sustentabilidade dos seus processos). Desde o final dos anos de 1990, a capacidade produtiva praticamente duplicou, o que nos permitiu virar para o exterior. Se, então, exportávamos pouco mais de 3% da nossa produção, hoje mais de 86% da nossa produção tem como destino outros mercados – sendo Espanha, Itália e França os maiores.
Mas a nossa fábrica não se destaca apenas pela sua capacidade produtiva, mas também pelo forte investimento que tem feito na mitigação da sua pegada ambiental, através da implementação de diversos programas energéticos e ambientais: Desde 2010, reduzimos as emissões de carbono da Tabaqueira em 74%, o consumo de energia em 44% e o de água em 42%; A fábrica da Tabaqueira tornou-se, em 2020, a terceira unidade produtiva do grupo PMI a obter a certificação de neutralidade carbónica (PAS 2060); Também em 2019, foi a primeira fábrica em Portugal (e a primeira filial do grupo PMI na Europa) a garantir a certificação Alliance for Water Stewardship (AWS), que reconhece as suas boas práticas na gestão sustentável da água; Actualmente, reciclamos e valorizamos 99% dos resíduos gerados pela nossa actividade.

A prazo, poderá vir a fabricar e exportar Heets, à semelhança do que acontece há anos com tabaco tradicional?
Trabalhamos todos os dias para concretizarmos a nossa visão – de um país sem fumo – e para garantirmos que, enquanto empresa, somos uma parte activa e estratégica do processo de transformação do grupo e desta indústria. Queremos continuar a atrair o investimento da PMI que, naturalmente, está a concentrar os seus esforços e recursos neste processo de transformação.

O actual contexto económico está a impactar a atividade da Tabaqueira?
A inflação, que apesar do abrandamento dos últimos meses continua em níveis muito elevados, é naturalmente uma preocupação para nós, pois pode colocar alguns desafios à aceleração que estamos a procurar imprimir ao processo de transformação: Por um lado, pode servir de barreira à transição dos fumadores adultos para melhores alternativas, já que tempos de maior volatilidade colocam maiores constrangimentos à mudança; Por outro lado, com a quebra do poder de compra, há sempre o perigo de alguns consumidores passarem para o mercado ilícito de produtos de tabaco, nomeadamente cigarros – uma questão que podem ter efeitos na saúde pública e que retira receitas fiscais essenciais ao Estado. Além disso, o consumo de produtos de tabaco ilícitos potencia a redução da eficácia das políticas de cessação tabágica, assim como a adoção de alternativas sem combustão: De acordo com o relatório mais recente da KPMG sobre o tema, 7% do consumo total de cigarros é proveniente do comércio ilícito, o que representou uma perda de receitas fiscais para o Estado português na ordem de 113 milhões de euros em 2021. Em termos europeus, no mesmo ano, a percentagem do consumo de cigarros ilícitos aumentou 3,9% – o equivalente a 1,3 mil milhões de cigarros ilícitos. No total, 35,5 mil milhões de cigarros ilegais foram consumidos nos Estados-Membros da União Europeia.

Qual o papel da Tabaqueira na sustentabilidade, na diversidade e na inclusão? Estes são pilares fundamentais para as empresas actualmente…
Para a PMI e para a Tabaqueira, são absolutamente fundamentais e vitais para o processo de transformação que estamos a atravessar. Um ambiente de trabalho diverso, inclusivo e que privilegia a igualdade, é essencial para criar o ambiente propício à transformação: só num local onde se sintam plenamente integradas, é que as pessoas podem florescer – pessoal e profissionalmente – e ter a liberdade plena para concretizar a inovação que leva à mudança e à criação de valor no longo prazo. É importante sublinhar que a transformação do nosso negócio tem sido acompanhada de um muito consistente crescimento da equipa. Desde 2018, foram contratados cerca de 550 novos trabalhadores – actualmente, na Tabaqueira, trabalham um total de 1400 pessoas. Somos reconhecidos como um empregador de excelência em Portugal e temos uma proposta de valor enquanto empresa que passa pela possibilidade de as pessoas participarem numa transformação sem precedentes, pelo nosso foco na sustentabilidade, pela cultura de diversidade e por oferecermos possibilidades em termos de carreira. Em Albarraque, cruzam-se pessoas de 33 nacionalidades, e falam-se mais de duas dezenas de línguas diferentes. Esta multiculturalidade é também um dos vetores da transformação. Temos a Certificação em Igualdade Salarial, pela EQUAL PAY Foundation, que garante para a mesma função o pagamento de salários iguais a homens e mulheres.
Em Portugal, mais de 40% dos cargos de gestão local são ocupados por mulheres – e antecipámos em vários anos esta meta, já que a PMI só anunciou em Maio passado que a sua operação global tinha atingido a meta traçada de ter mais de 40% dos seus cargos de gestão ocupados por mulheres.

E até que ponto está a obrigar (ou não) a delinear as futuras formas de trabalhar?
O vector da mudança, no que diz respeito à forma como trabalhamos, deu-se essencialmente com a pandemia e que, de facto, alterou a forma como não só trabalhamos, como também a nossa relação com o trabalho. Adoptámos o modelo híbrido de trabalho, através da implementação do programa Smart Work, que permite que todos os trabalhadores, cujas funções assim o permitam, optem voluntariamente pelo trabalho remoto três dias por semana (sendo que a empresa compensa os trabalhadores pelos possíveis aumentos do consumo de energia nas suas casas). Além do impacto que este modelo de trabalho tem ao nível da conciliação da vida profissional com a vida pessoal, também impacta a pegada ambiental da nossa operação, já que evita um elevado número de deslocações e consequentes emissões de CO2. Para uma empresa que tem a sustentabilidade no centro do seu negócio, o smart work tem um efeito multiplicador.

Está há 20 anos na Philip Morris Internacional [PMI], os últimos 10 anos em África, onde liderou oito países. Que balanço faz deste regresso à Europa, nomeadamente a Portugal?
Tem sido uma experiência tão desafiante quanto recompensadora. Como referiu anteriormente, Portugal é um mercado-chave para a PMI: tem sido uma das primeiras geografias onde os novos produtos sem fumo são lançados, pelo que somos um mercado muito dinâmico e aberto à inovação. Portugal é um mercado em crescimento e, do ponto de vista da liderança, é um desafio tremendo: somos hoje 1.400 trabalhadores e continuamos a crescer – um incremento muito impulsionado pelos centros de excelência da PMI. Motivar uma equipa cada vez maior e envolvê-la no processo de transformação tem sido uma parte muito motivante do meu trabalho. Ao mesmo tempo, lidero uma companhia com imensa história: no ano passado, comemorámos os 95 anos desde a nossa fundação, em 1927, pelo empresário Alfredo da Silva. A actividade da Tabaqueira impacta um universo de mais 40 mil pessoas, atendendo à cadeia de valor em que está inserida. Tem sido uma enorme honra conhecer por dentro uma empresa com tanta história e que tem um papel tão relevante não só na comunidade em que está inserida, mas também na economia portuguesa.

Quais são as principais linhas estratégicas que já implementou na empresa?
A minha missão na Tabaqueira tem sido a de consolidar o processo de transformação da companhia, com foco no crescimento do negócio sem fumo. E, ao mesmo tempo, garantir as condições para que a empresa consiga concretizar os seus desígnios de sustentabilidade, rumo à neutralidade carbónica.

Que ambições para a empresa e o País?
Sem dúvida, que a Tabaqueira consolide a sua centralidade no universo da PMI, continuando a atrair investimento com foco no crescimento e na transformação, por forma a manter o seu papel social e económico relevantíssimo, ao mesmo tempo que concretiza a sua visão transformadora: contribuir para a construção de um Portugal sem fumo. Portugal, atendendo à própria conjuntura económica, deve ter a ambição de reforçar a sua posição enquanto uma economia aberta e virada para o exterior, garantindo que se mantém na rota do investimento direto estrangeiro, inovando e criando valor acrescentado. 

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