Portugal consegue vender três vezes mais carros elétricos do que Espanha: o que explica as diferenças entre os dois países?

Espanha procura resposta para uma questão: porque é que em Portugal, um país cujo rendimento per capita é quase 10% inferior a Espanha, mas onde 31,8% do total de carros vendidos eram constituídos por 100% elétrico ou BEV e híbridos plug-in ou PHEV, tem maior sucesso na aposta dos veículos elétricos?

De acordo com o índice de eletromobilidade elaborado pela associação espanhola ANFAC, Portugal obteve uma pontuação de 25,8 contra apenas os 13 de Espanha, sendo que a média europeia está nos 27.

Então, onde ficam as diferenças?

“Os portugueses estão muito predispostos às novas tecnologias e isso também acontece com o carro elétrico”, relatou David Barrientos, responsável de comunicação corporativa da Nissan Iberia, ao jornal espanhol ‘El Mundo’, que acrescentou que o impulso dado pelo Governo e pelos municípios portugueses fez com que “a opinião pública sobre a mobilidade elétrica é muito positiva”.

“Ter um veículo deste tipo diferencia-os porque, além disso, são muito orientados para a marca”, acrescentou Vicent Lehoucq, diretor da Opel em Espanha e Portugal. O teste do algodão: em ambos os lados da fronteira, a americana Tesla era a líder entre os BEV, mas em Espanha era a 21ª marca em volume e vendeu um sexto dos carros (menos de 13 mil) do que a Toyota, líder de mercado – já em Portugal foi a oitava e os seus 9.329 registos foram quase metade dos da Peugeot, primeiro da lista.

Por outro lado, os nossos vizinhos não encontram esse ponto de diferenciação nos modelos híbridos (puros ou leves). Em 2023, representaram apenas uma em cada sete compras de automóveis novos.

As distâncias a percorrer são muito mais curtas, o que reduz a chamada ansiedade de autonomia (medo de ficar preso por falta de energia na bateria) e faz com que as viagens não dependam tanto da rede de carregamento. Por exemplo, entre Lisboa e o Porto são 300 km, o que – com um pouco de cuidado – quase qualquer carro elétrico médio consegue fazer de uma só vez. Só quem quiser atravessar o país de Norte a Sul (ou vice-versa) terá de enfrentar uma longa viagem, de 700 km. Em Espanha, a realidade é diferente.

Tradicionalmente, os automóveis em Portugal sempre foram mais caros do que no nosso país por razões fiscais, tanto pelo IVA (23% face a 21%) como pelo chamado ISV (Imposto sobre Veículos) – que, aliás, os elétricos não pagam.

Hoje, essa diferença não é tão grande, exceto nos modelos de alta cilindrada, mas ainda significa que, proporcionalmente, um BEV não seja tão caro quando comparado a um carro a combustão como em Espanha.

É um dos fatores decisivos. Mas não tanto por parte dos indivíduos, mas por parte das empresas. Segundo dados das associações patronais (ANFAC e ACAP, respetivamente), as empresas e os trabalhadores independentes compraram 62% dos veículos elétricos em Espanha e 80% em Portugal. Mas, embora as empresas e profissionais portugueses possam deduzir até 100% do IVA na compra do automóvel – e da eletricidade com que o carregam -, em Espanha é uma exigência antiga e insatisfeita do setor, apesar das promessas do passado. No caso dos automóveis de passageiros, as empresas espanholas, as PME e os trabalhadores independentes têm subsídios de aquisição que variam entre 2.900 e 4.000 euros.

A rede pública em Espanha tem, segundo os últimos dados da Anfac, 25.180 postos de carregamento operacionais, aos quais se somam outros 8.869 que estão instalados mas, por motivos diversos, não funcionam. E deles, apenas 26% (e nove em cada 10 foram colocados pelas próprias marcas) têm potência superior a 22 kW. Deste lado da fronteira, são 4.400 (sendo quase 40% ‘rápidos’) se olharmos para a empresa pública portuguesa Mobi-E.

A Mobi-E centraliza e monitoriza o estado de toda a rede de carregamento em Portugal, o que garante a sua “universalidade e interoperabilidade”. Todos os operadores aderem e o utilizador apenas necessita de ter um contrato com um fornecedor de energia para mobilidade elétrica, podendo utilizar qualquer poste e depois pagar com cartão de crédito.

Para finalizar, entra em cena o TCO, ou custo total de propriedade de um carro. Ou seja, a despesa mensal envolvia adicionar depreciação, manutenção, combustível, etc. à despesa de compra. Assim, de acordo com o último estudo ‘Car Cost Index’ da Lease Plan, verificou-se que em Portugal um carro 100% elétrico é a opção mais barata, tanto num tamanho compacto (como o Seat León ou o Renault Mégane E-Tech) e em sedan médio (VW Passat ou Kia EV6).

No primeiro caso, um veículo elétrico teria um TCO mensal de 773 euros, entre 331 e 444 euros menos do que com as outras tecnologias consideradas (PHEV e combustão). No veículo maior, o valor sobe para 898 euros, o que fica entre 391 e 568 euros a seu favor. Entretanto, em Espanha os valores para um carro elétrico são de 895 euros para um carro compacto e 1.059 euros para um carro de tamanho médio. Números só superados pelos híbridos plug-in mas que determina que a vantagem do veículo elétrico seria significativamente reduzida com mais anos de utilização e menos quilómetros.

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