Porque Trump odeia a Ucrânia: antigo e possivelmente futuro presidente dos EUA culpa Zelensky e Kiev por todos os seus problemas políticos

Donald Trump não ‘morre de amores’ pela Ucrânia: os aliados republicanos no Congresso têm bloqueado a ajuda militar muito reclamada por Kiev e, de acordo com o jornal ‘POLTICO’, a má vontade do ex-presidente americano para com a Ucrânia tem raízes profundas.

Afinal, foi um telefonema com Zelensky que levou ao primeiro impeachment de Trump em dezembro de 2019, depois de ter sido acusado de tentar influenciar as eleições de 2020 ao apoiar-se no líder ucraniano para investigar o atual presidente Joe Biden e o seu filho, Hunter – o presidente dos EUA ainda guarda rancor contra um país que considera intimamente envolvido na deslegitimação da sua presidência.

Como presumível candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump tem causado receio em Kiev ao afirmar que poderia acabar com a guerra em 24 horas ou que espera que esta termine antes de ser forçado a decidir se entrega a Ucrânia a Moscovo.

Desde os primeiros indícios de interferência russa na campanha presidencial dos Estados Unidos em 2016, até uma investigação levada a cabo por um procurador especial, até ao impeachment de Trump em 2019, todos os caminhos passam por Kiev. “Trump odeia a Ucrânia”, garantiu Lev Parnas, empresário ucraniano-americano que já serviu como intermediário de Kiev com o advogado de Trump, Rudy Giuliani. “Ele e as pessoas ao seu redor acreditam que a Ucrânia foi a causa de todos os problemas de Trump.”

O envolvimento de Trump com a Ucrânia teve origem nas cinzas da revolução Euromaidan da Ucrânia. Antes de o consultor Paul Manafort se ter tornado gestor de campanha de Trump, trabalhou na Ucrânia para o ex-presidente Viktor Yanukovych, político pró-russo que fugiu do país em 2014 depois de ter sido deposto.

Durante os protestos, a sede do partido de Yanukovych foi incendiada e foi lá que um ativista ucraniano e antigo deputado encontrou o que veio a ser conhecido como o Livro ‘Negro’ – nele estava uma lista de pagamentos secretos feitos pelo partido de Yanukovych a várias personalidades, incluindo Manafort, que de acordo com o Gabinete Nacional Anticorrupção da Ucrânia, terá recebido cerca de 12,7 milhões de dólares.

A história fez manchete no ‘New York Times’, em agosto de 2016, poucos meses antes de Trump enfrentar Hillary Clinton pela Casa Branca. Os aliados de Trump consideraram uma conspiração do Partido Democrata para minar os seus oponentes. Mas Manafort foi indiciado por 12 acusações de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e violações de lobby em 2017. As acusações não tinham qualquer relação com o ‘Livro Negro’.

A antipatia de Trump pela Ucrânia também está enraizada na sua crença de que foi a Ucrânia, e não a Rússia, que interferiu nas eleições presidenciais dos EUA de 2016, indicou Parnas. “Tudo começou quando começou o ‘Russiagate'”, salientou Parnas, referindo-se às alegações de pirataria eleitoral russa que acabariam por levar à nomeação do conselheiro especial Robert Mueller. “As pessoas na campanha de Trump disseram-lhe que eram os ucranianos e não os russos que se intrometiam nas eleições.”

A vitória eleitoral de Trump foi manchada por acusações, posteriormente confirmadas por agências de inteligência dos EUA, empresas privadas de inteligência e investigadores federais, de que a Rússia tinha pirateado os e-mails do Comité Nacional Democrata, o braço estratégico e de financiamento do partido, divulgados em 2016 para desacreditar Hillary Clinton. Donald Trump tem promovido consistentemente uma teoria da conspiração de que foi a Ucrânia quem executou a pirataria informática, a fim de incriminar a Rússia, e que o país ainda estava a ocultar um servidor com os dados.

Esta crença manteve-se ao longo da sua presidência, acabando em julho de 2019, durante o famoso telefonema “perfeito” com Zelensky, o mesmo que o conduziu ao impeachment. O telefonema revelou-se um dos episódios mais embaraçosos da sua carreira política: o seu primeiro impeachment, que resultou do seu esforço para pressionar Zelensky a abrir uma investigação sobre Biden.

Um vídeo de 2016, no qual o então vice-presidente Joe Biden ameaçou reter fundos do então presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, se Kiev não despedisse um procurador – isto numa altura em que a Rússia já tinha invadido a Crimeia. Aos olhos da campanha de Trump, era possível demonstrar que Joe Biden pressionou para que o promotor, Viktor Shokin, fosse demitido porque estava investigar o filho Hunter, que havia conseguido um emprego na Burisma, empresa de gás ucraniana que foi objeto de uma investigação de corrupção. “Duas semanas depois mostrámos o vídeo a Trump”, acrescentou Parnas. “Depois disso, a Ucrânia estava na sua mente. Foi então que percebi que a Ucrânia estava acabada.”

Embora Biden tenha procurado a destituição de Shokin, foi como parte de um esforço coordenado com o Departamento de Estado dos EUA e a União Europeia devido a preocupações de que o procurador estivesse a bloquear investigações de corrupção no país. O assunto voltou durante o célebre telefonema, no qual Zelensky prometeu a Trump verificar o que poderia ser feito. No entanto, a Ucrânia acabou por não abrir uma investigação. “Então, agora Trump odeia Zelensky de paixão. E Zelensky sabe isso.”

Em 2022, Parnas foi condenado a 20 meses de prisão por fraude e crimes de financiamento de campanha num caso não relacionado com o seu trabalho para Giuliani.

À medida que se aproximam as eleições presidenciais dos EUA, o Governo da Ucrânia está a fazer o seu melhor para ficar fora da política americana. Zelensky pediu a Trump que fosse à Ucrânia para ver com os seus próprios olhos o que a Rússia fez ao país. Com um projeto de lei de ajuda militar de 60 mil milhões de dólares paralisado no Congresso, o seu gabinete tem tentado persuadir os republicanos de que ajudar a Ucrânia é do interesse nacional da América.

No entanto, Parnas confessou-se pessimista. “Zelensky e [o primeiro-ministro] Yermak sabem que não estão apenas a lutar contra a Rússia pelas suas vidas, mas também contra os republicanos”, sustentou. “Se Trump perder, a Ucrânia receberá todo o dinheiro e armas de que necessita. A Rússia estará acabada”, acrescentou. “Se Trump vencer, as coisas ficarão muito más.”

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