Polémico acordo militar entre Rússia e S. Tomé e Príncipe prevê troca de informações secretas

O recente acordo de cooperação militar entre São Tomé e Príncipe e a Rússia, assinado em 24 de abril e em vigor desde 5 de maio, tem suscitado um intenso debate em torno da sua transparência, legitimidade e conformidade constitucional, e promete levantar (ainda) mais polémica.

Revelações obtidas pelo jornal Público, através de uma tradução não oficial do texto original russo, destacam cláusulas sensíveis, incluindo a troca de informações secretas entre os dois países, levantando questões sobre a sua implementação e implicações geopolíticas.

O ponto de partida deste debate é a ausência de divulgação pública do acordo original em português, negociado diretamente entre o governo de Patrice Trovoada e o governo de Vladimir Putin. O sigilo em torno do texto em português levanta dúvidas sobre a sua legitimidade, especialmente considerando que apenas uma versão em russo circula em São Tomé, juntamente com uma tradução não oficial.

A falta de transparência não é o único ponto de preocupação. Questões constitucionais também estão a ser levantadas, visto que o acordo não foi submetido à Assembleia Nacional para aprovação, conforme exigido pela Constituição de São Tomé e Príncipe. De acordo com o artigo 80.º da Constituição, é prerrogativa do Presidente autorizar acordos militares internacionais, após consulta ao parlamento nacional.

Além disso, o texto revelado enfatiza a cooperação em áreas sensíveis, como a organização das atividades diárias das Forças Armadas são-tomenses, treinamento de combate, intercâmbio de instrutores militares e consultas sobre questões globais de segurança. O acordo também prevê a participação em operações de manutenção da paz da ONU, cooperação no combate ao terrorismo e à pirataria, entre outras áreas.

As preocupações sobre o acordo não se limitam à sua implementação e legitimidade. Analistas políticos alertam para as implicações geopolíticas, especialmente num momento em que a tensão entre os blocos ocidental e oriental está em alta. A possibilidade de São Tomé e Príncipe se alinhar mais estreitamente com a Rússia levanta questões sobre a estabilidade regional e a influência das potências globais no continente africano.

Em entrevista ao mesmo jornal, uma fonte política, que preferiu manter o anonimato, descreveu o acordo como “desnecessário e arriscado”, destacando que pode trazer conflitos internacionais para o território são-tomense. O ex-primeiro-ministro Jorge Bom Jesus também criticou a falta de transparência do governo de Patrice Trovoada, descrevendo-a como “muito pouca transparência, com muito secretismo”.

Enquanto isso, juristas são-tomenses apontam para a falta de conformidade constitucional do pacto, argumentando que o Presidente é o único autorizado a negociar acordos militares internacionais. A implementação do acordo sem a aprovação da Assembleia Nacional e o assentimento presidencial levanta questões sobre a separação de poderes e o respeito ao Estado de Direito.

Ainda não houve uma resposta oficial do governo são-tomense às preocupações levantadas. No entanto, espera-se que o debate público e as discussões políticas em torno deste tema continuem nas próximas semanas, à medida que mais detalhes sobre o acordo e a sua implementação se tornarem conhecidos.

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