Plataforma Casa para Viver sai hoje para a rua: 22 cidades do país devem receber mais de 100 mil manifestantes
A plataforma Casa Para Viver sai esta tarde – a partir das 15 horas – em manifestação nacional, que se espera que venha a decorrer de norte a sul do país. Estão previstas em pelo menos 22 cidades, porque a crise na habitação está “a agravar-se” e não acredita nas medidas propostas pelo novo Governo para resolver o problema.
O número de participantes tem aumentado a cada protesto. “A nível nacional, tivemos mais de 100 mil pessoas em mais de 20 cidades. Este é o patamar. Este é um problema transversal ao território nacional. Olhávamos para os números do valor do metro quadrado no arrendamento e na venda e sobe em todo o país.”
“Convocámos mais uma manifestação, uma vez que continuamos a ver que, apesar dos pacotes, programas, medidas, políticas anunciados pelos sucessivos governos, a situação da habitação continua a agravar-se no nosso país”, justifica Rita Silva, uma das porta-vozes da plataforma, em representação do movimento Vida Justa.
“As famílias em Portugal continuam sem ver uma solução, os jovens continuam sem conseguir aceder a uma habitação, os despejos continuam a ser muitos“, elenca a ativista, em declarações à Lusa, notando que o problema não só se mantém, como se tem agravado.
Desde logo porque “o novo Governo veio revogar uma série de conquistas” que tinham sido obtidas “fruto das mobilizações na rua”, assinala, exemplificando com o caso do alojamento local.
“O novo Governo deu todas as liberdades novamente ao alojamento local, revogando as limitações que tinham sido aprovadas”, lamenta Rita Silva, acrescentando a revogação da lei que limitaria a subida das rendas mais recentes e a manutenção do regime de residentes não habituais, “que promove uma grande inflação nos preços da habitação“.
Para a plataforma — que junta mais de cem organizações e já mobilizou milhares de pessoas nas ruas de várias cidades em três manifestações (junho e setembro do ano passado e janeiro deste ano) —, o novo Governo, liderado pelo social-democrata Luís Montenegro, “está bastante comprometido com aquilo que é o negócio imobiliário”.
O movimento acusa mesmo o executivo de ter feito “um pacto com quem especula”, rejeitando a solução de parcerias público-privadas para “desenvolver aquilo que chama de habitação acessível”, que “nem sequer é acessível a uma grande maioria das pessoas que vive e que trabalha” em Portugal.
“Não acreditamos nas medidas do novo Governo. Nós vemos a situação a agravar-se e por isso voltamos novamente à rua, no dia 28 de setembro”, salienta Rita Silva, adiantando que pelo menos 22 cidades já aderiram ao protesto.
“Não nos podemos cansar de vir para a rua, de protestar, porque é através dessa mobilização que conseguiremos obter algum tipo de avanço nas políticas de habitação”, apela.
Quarta manifestação organizada pela plataforma
Esta será a quarta manifestação organizada pela plataforma. No seu site, é possível acompanhar o percurso até aqui: após a manifestação de 1 de abril de 2023, o Governo anterior anunciou o pacote “Mais Habitação”, mas, segundo a plataforma, cedeu aos interesses financeiros e esvaziou-se em promessas. Depois da manifestação de 30 de setembro de 2023, o Governo anunciou o fim do regime dos residentes não habituais, mas acabou por deixar tudo como estava. Em 27 de janeiro de 2024, a plataforma tentou mais uma vez lançar um alerta, mas considera que os resultados foram insatisfatórios.
“As poucas medidas tímidas que o pacote do Governo anterior tinha para diminuir a especulação imobiliária e a ‘turistificação’ das cidades e haver um controlo mínimo das rendas foram revogadas”, disse Nuno Ramos Almeida, do coletivo Vida Justa, citado pelo jornal ‘Público’. O responsável referiu-se ao fim da contribuição extraordinária do alojamento local, do arrendamento forçado e do controlo administrativo dos preços das rendas. Com o novo Governo, “a situação, não tendo melhorado, piorou”.
Vasco Barata, do coletivo Chão das Lutas, corroborou: “Não é por o tema ter perdido algum espaço mediático que a situação está resolvida. A situação, pelos dados que vão vindo a público, piorou, porque o preço das rendas continua a aumentar. Queremos voltar a colocar a habitação no centro da luta política. Este é o principal problema que as pessoas sentem, a par dos baixos salários.” Barata destacou ainda que Portugal é um dos países com os salários médios mais baixos da União Europeia e com as rendas mais altas.
André Escoval, do coletivo Porta a Porta, criticou o pacote do novo Governo, que introduz “um quadro de total liberalização, de desregulação, de desinvestimento no parque público, que leva a que os preços continuem a subir de forma galopante.”
Escoval exemplificou com a isenção de IMT e Imposto do Selo para jovens adultos até aos 35 anos em imóveis até 316 mil euros. “Não há habitação no mercado. Baixar o valor dos impostos não se traduz num aumento de oferta nem numa baixa de preços, pelo contrário. Esse valor é incorporado no lucro, porque a procura aumenta”, explicou. “Isso é uma medida que beneficia quem tem salários que permitem ir à banca pedir um crédito. Tendo em conta o quadro de juros muito alto, a maioria das famílias portuguesas não tem condições para recorrer ao crédito.”
Para incentivar a oferta, a nova estratégia da habitação inclui parcerias público-privadas para disponibilizar imóveis públicos para habitação a preço acessível e um “regime legal semi-automático de aproveitamento de imóveis públicos devolutos ou sub-utilizados”, que serão transformados em habitação por municípios sozinhos ou com privados. “Isso é transitar património público e deixar ao critério dos privados a habitação que vão construir”, criticou Escoval.
O ativista referiu exemplos de cidades europeias como Paris, Viena e Roma, que “têm vindo a diminuir o alojamento turístico para devolver habitação” aos residentes. No entanto, o Governo português decidiu revogar a contribuição extraordinária do alojamento local, a caducidade da licença e a transmissibilidade, e a alteração ao coeficiente de vetustez. “O Governo o que fez foi liberalizar. Querem permitir mais alojamento turístico.”