Petroleiros russos formam “parque flutuante de navios-fantasma” no Báltico. Soam alarmes de riscos ambientais e escalada de tensões políticas

Nos últimos meses, tem-se assistido a um aumento significativo no número de navios-petroleiros russos concentrados em águas internacionais ao largo da Estónia, criando um fenómeno que muitos já apelidam de “parque flutuante”. Esta situação tem levantado preocupações ambientais e geopolíticas, à medida que as embarcações aguardam a sua vez para carregar petróleo nos portos congestionados da Rússia, numa estratégia de evasão das sanções impostas pelo Ocidente.

A denominada “frota fantasma” da Rússia, composta por navios-petroleiros de origem duvidosa e propriedade pouco clara, tem desempenhado um papel crucial para Moscovo na manutenção das suas exportações de petróleo, apesar das restrições internacionais. Estes navios, muitos deles antigos e sem inspeções recentes, têm sido fundamentais para assegurar que o petróleo russo continue a gerar receitas, vitais para o financiamento da guerra na Ucrânia.

De acordo com a Organização Marítima Internacional (OMI), estima-se que esta frota fantasma conte com entre 300 a 600 petroleiros a nível global. Muitos destes navios são velhos, com uma média de 17 anos, e operam sem seguro padrão da indústria ou classificação que garanta a sua conformidade com normas de segurança. No mês de junho de 2024, por exemplo, 158 dos 289 navios que exportaram petróleo russo eram considerados parte desta frota sombria, sendo que alguns tinham até 37 anos de idade, segundo dados do think tank finlandês CREA.

Os petroleiros russos carregam o crude em terminais portuários importantes como Primorsk e Ust-Luga, passando depois pelo Golfo da Finlândia e pelos estados bálticos antes de se dirigirem para o resto do mundo. Neste percurso, muitos fazem paragens estratégicas ao largo de Gotland, uma ilha sueca, ou em outras localizações próximas da Dinamarca para reabastecimento e carregamento de suprimentos. Para evitar deteção, não é raro que estes navios desliguem os seus transponders, dispositivos que indicam a sua localização, complicando a monitorização das suas atividades pelas autoridades.

No entanto, é ao largo da costa norte da Estónia que o problema se torna mais evidente e preocupante. Uma faixa de água nesta área transformou-se num verdadeiro estacionamento flutuante para petroleiros, onde dezenas de navios aguardam o seu turno para carregar petróleo nos portos russos. A Marinha da Estónia alertou para o perigo crescente de colisões no Golfo da Finlândia, especialmente durante o inverno, quando a região fica coberta de gelo, aumentando ainda mais os riscos de navegação.

Tiina Tuurnala, diretora executiva da Associação Finlandesa de Armadores, expressa preocupações sobre a falta de experiência das tripulações que operam estes navios e sobre a ausência de reforços contra gelo na maioria das embarcações, o que agrava os perigos associados à navegação em águas rasas e geladas. “As condições aqui são extremamente desafiadoras e temo que muitos destes navios não estejam preparados para lidar com elas”, afirmou Tuurnala, em declarações à Bloomberg.

A situação tem levado a Finlândia a solicitar à União Europeia o fornecimento de um navio de reserva adequado às condições do Mar Báltico, capaz de apoiar as frotas nacionais em caso de um derrame de petróleo. O Mar Báltico, declarado pela Organização Marítima Internacional como uma “zona particularmente sensível”, é especialmente vulnerável a impactos ambientais devido à sua profundidade reduzida e natureza fechada. Um eventual derrame poderia ter consequências devastadoras, levando décadas para ser totalmente recuperado, de acordo com o portal MarineFinland.

O receio de um acidente é elevado, uma vez que mais de um terço do mar tem menos de 30 metros de profundidade e as suas águas demoram cerca de 30 anos a renovarem-se por completo. Em caso de um derrame, o petróleo poderia atingir um arquipélago ou uma zona costeira em poucas horas, tornando quase impossível uma resposta rápida suficiente para evitar a catástrofe.

Um exemplo do comportamento destas embarcações é o navio-petroleiro “Arlan”, que recentemente mudou a sua bandeira da Rússia para a de Serra Leoa, um dos países suspeitos de facilitar as operações da frota fantasma. O “Arlan” encontra-se atualmente retido no Golfo da Finlândia, junto a outros petroleiros sem destino conhecido.

Mikael Pedersen, um piloto marítimo dinamarquês que auxilia a navegação de navios através dos estreitos da região, revelou à Bloomberg que frequentemente vê navios mal mantidos e com equipamento obsoleto, o que dificulta as operações. “São embarcações antigas, mal preparadas, e temo que uma colisão possa ser desastrosa”, alertou Pedersen, destacando ainda as condições de vida deploráveis das tripulações e as dificuldades de comunicação devido às barreiras linguísticas.

Pedersen apontou também que muitos destes petroleiros navegam sob bandeiras de conveniência, como as do Gabão ou das Ilhas Cook, países com fracos históricos de segurança marítima. Além disso, estes navios frequentemente desativam os seus sistemas de identificação automática (AIS), tornando difícil a localização e monitorização pelas autoridades, aumentando assim o risco de colisões no mar.

A rota pelo Mar Báltico continua a ser vital para as exportações russas, representando mais de 40% do petróleo cru transportado por via marítima. Em abril de 2024, cerca de 111,7 milhões de barris de petróleo cru foram transportados através do Mar Báltico, dos quais 82% foram movimentados pela frota fantasma russa. Este aumento no tráfego marítimo deve-se à necessidade de Moscovo encontrar novos mercados além da Europa, com a frota fantasma a desempenhar um papel cada vez mais importante nas exportações.

Adicionalmente, estes navios participam regularmente em operações de transferência de carga de navio para navio (STS), uma prática que envolve a movimentação de petróleo de um navio para outro em águas abertas ou no porto. Esta estratégia permite consolidar cargas para trânsito de longa distância ou ocultar a origem do petróleo. No último ano, foram registadas 822 transferências STS de petróleo russo em águas da União Europeia, muitas delas ao largo das costas da Grécia, Malta, Espanha e Itália.

Apesar das sanções da União Europeia, do Reino Unido e dos Estados Unidos sobre pelo menos 60 petroleiros russos, a dificuldade em restringir o movimento destas embarcações em águas internacionais sem aumentar as tensões com Moscovo permanece um desafio. As autoridades enfrentam agora a complexa tarefa de apertar o cerco à frota fantasma sem agravar ainda mais a situação geopolítica.

O impacto ambiental potencial de um derrame de petróleo no Báltico é grave, com riscos que não só ameaçam a ecologia marinha, mas também podem provocar um desastre humanitário e económico de grandes proporções. A comunidade internacional continua a debater a melhor forma de lidar com esta crescente ameaça, enquanto os petroleiros russos continuam a navegar pelos estreitos daneses, transportando crude para destinos incertos e alimentando as tensões globais.

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