‘Pandemia silenciosa’: infeções fúngicas já são responsáveis por 3,8 milhões de mortes anualmente
O mundo atravessa uma crise de resistência a antibióticos que contribui para a morte de quase cinco milhões de pessoas por ano: no entanto, as bactérias não são os únicos patógenos mutantes com que nos devemos preocupar. De acordo com um estudo publicado na revista ‘Lancet’, as infeções fúngicas estão a adaptar-se à nossa medicina, o que tem causado “uma pandemia silenciosa”, que precisa de ser tratada urgentemente, alertaram os especialistas.
“A ameaça de patógenos fúngicos e a resistência antifúngica, embora sejam um problema global crescente, estão a ser deixadas de fora do debate”, explicou o biólogo molecular Norman van Rhijn, da Universidade de Manchester (Reino Unido). Este mês, as Nações Unidas vão realizar uma reunião em Nova Iorque sobre a resistência antimicrobiana, que inclui discussões sobre bactérias, fungos, vírus ou parasitas resistentes. No entanto, Van Rhijn e uma equipa internacional tem apelado a Governos, à comunidade científica e à indústria farmacêutica que “olhem além das bactérias”.
As infeções fúngicas são deixadas de fora de muitas iniciativas para combater a resistência antimicrobiana: sem atenção e ação urgentes, algumas infeções fúngicas particularmente desagradáveis, que já infetam 6,5 milhões de pessoas por ano e ‘ceifam’ 3,8 milhões de vidas anualmente, podem tornar-se ainda mais perigosas.
“O foco desproporcional em bactérias é preocupante porque muitos problemas de resistência a medicamentos nas últimas décadas foram resultado de doenças fúngicas invasivas, que são amplamente subestimadas pela comunidade e pelos Governos”, escreveu van Rhijn e os seus colegas, vindos de instituições na China, Países Baixos, Áustria, Austrália, Espanha, Reino Unido, Brasil, EUA, Índia, Turquia e Uganda.
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a Lista de Patógenos Prioritários Fúngicos – “o primeiro esforço global para priorizar sistematicamente patógenos fúngicos”. Os mais perigosos para a saúde humana incluem ‘Aspergillus fumigatus’, que vem do mofo e infeta o sistema respiratório; ‘Candida’, que pode causar infeção por fungos; ‘Nakaseomyces glabratus’, que pode infetar o trato urogenital ou a corrente sanguínea; e ‘Trichophyton indotineae’, que pode infetar a pele, o cabelo e as unhas.
Pessoas mais velhas ou imunocomprometidas correm maior risco
Comparados a bactérias ou vírus, os fungos são organismos mais complicados, mais semelhantes aos animais na sua estrutura, o que torna mais difícil e mais caro para os cientistas desenvolverem medicamentos eficazes para matar as células dos fungos sem danificar outras células importantes no corpo. “Para tratar infeções fúngicas profundas ou invasivas, estão disponíveis apenas quatro classes de antifúngicos sistémicos. A resistência agora é a regra, e não a exceção, para as classes atualmente disponíveis”, destacaram os especialistas.
Nas últimas décadas, vários novos antifúngicos promissores surgiram, mas a ‘corrida armamentista’ entre patógenos e medicamentos está a ser acelerada em parte pela indústria agroquímica. “Mesmo antes da chegada desses medicamentos ao mercado, após anos de desenvolvimento e testes clínicos, fungicidas com modos de ação semelhantes são desenvolvidos pela indústria agroquímica, resultando em resistência cruzada para patógenos prioritários críticos”, explicaram os cientistas. “A proteção antifúngica é necessária para a segurança alimentar. A questão é: como equilibramos a segurança alimentar com a capacidade de tratar patógenos fúngicos resistentes atuais e futuros?”