Pandemia agrava pobreza em Portugal: menos saúde e mais 11 mil beneficiários do RSI

O impacto do coronavírus vai muito além da saúde e são poucos os setores que escapam aos efeitos da pandemia. Também na sociedade se verificam consequências negativas de forma transversal, mas há um grupo que poderá sofrer mais: de acordo com o relatório “Portugal, Balanço Social 2020”, a crise sanitária veio agravar a vulnerabilidade dos mais pobres.

Olhando para a primeira vaga da pandemia (março a setembro de 2020), a análise mostra que houve implicações no acesso à saúde, educação, mercado de trabalho, poupança, consumo e endividamento.

No que à saúde diz respeito, verificou-se que os mais pobres reportavam ter um risco de infeção mais elevado. Além disso, a pandemia afetou particularmente a saúde mental dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos desempregados. Só no mês de abril do ano passado, foram canceladas 135,8 milhares de cirurgias e 1,22 milhões de consultas em Portugal.

Desenvolvido pelos investigadores Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves, do centro de conhecimento Nova SBE Economics for Policy, o mesmo estudo indica também as desigualdades a nível laboral foram acentuadas com as medidas impostas: se, por um lado, setores como os da informação, comunicação e financeiro puderam continuar em teletrabalho e com níveis baixos de layoff, os trabalhadores do alojamento turístico, restauração, artes e desporto, por exemplo, enfrentaram um layoff quase total e consequente perda de rendimentos.

O número de inscritos nos centros de emprego começou a aumentar em abril e em setembro eram já mais 106 mil inscritos do que no mesmo período de 2019. Segundo o relatório “Portugal, Balanço Social 2020”, os jovens até aos 25 anos e com escolaridade até ao 12.º ano foram os mais afetados. Destaque ainda para as mulheres, em maioria nos novos registos.

O estudo, realizado no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social (uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE), deixa claro também que houve um aumento de 11 mil beneficiários do rendimento social de inserção (RSI), entre janeiro e setembro do ano passado. Isto apesar de a poupança ter aumentado no segundo trimestre.

O endividamento subiu nos meses de confinamento mas acabou por recuar nos meses seguintes, mantendo-se relativamente estável. Os investigadores justificam esta trajetória com as garantias do Estado e com a moratória pública dos créditos bancários das famílias e empresas.

Quanto à educação, notou-se que os alunos de famílias mais pobres ficaram potencialmente mais vulneráveis do que os restantes quando as aulas presenciais foram substituídas pelo ensino à distância. Tal deveu-se às limitações no acesso a computadores e internet, por exemplo.

Dados de 2017/2018 indicam que, neste ano letivo, apenas 62% dos alunos com apoio social escolar tinha um computador e que só 52% tinha acesso à internet.

Evolução da pobreza em Portugal

Segundo o relatório “Portugal, Balanço Social 2020”, as taxas de pobreza e de pobreza extrema, depois de transferências sociais (pensões de invalidez e reforma, subsídio de desemprego ou abono de família), eram, em 2019, de 17,2% e 8,5%, respectivamente. Já a proporção de pessoas em situação de pobreza antes de transferências sociais situava-se nos 43,4%.

Também em 2019, 12,5% da população encontrava-se em situação de pobreza persistente e 28,7% das pessoas pobres vivia em agregados com menos de 45% de intensidade laboral. Este valor compara com uma taxa de 9,4% da população total.

Quanto à privação material, os investigadores apontam para 15,1% das pessoas com problemas em lidar com despesas inesperadas ou conseguir manter a casa adequadamente aquecida.

No geral, mesmo num cenário sem pandemia, as famílias pobres são as que enfrentam maiores dificuldades no acesso ao mercado de trabalho, à educação e à saúde. São também as que vivem em piores condições habitacionais: 26% registava privação habitacional severa, em 2019. Verifica-se também que estas são as famílias que menos participam em atividades políticas ou sociais (60%).

A taxa de pobreza é maior nas regiões autónomas dos Açores (31,8%) e da Madeira (27,8%). Já no continente, o Algarve surge em destaque (18,8%), logo seguido pelo Norte (18,3%). Lisboa e Porto, por seu turno, têm maior desigualdade na repartição dos rendimentos.

No geral, os desempregados foram o grupo com maior taxa de pobreza em 2019 (42%). No entanto, as crianças constituem um dos grupos da população mais vulnerável à pobreza e exclusão social. No mesmo ano, a taxa de pobreza das crianças era de 18,5%, ou seja, acima da taxa da população total (17,2%). A pobreza atingia 33,9% das famílias monoparentais, o tipo de agregado com maior taxa de pobreza.

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