País Basco pós-terrorismo vai a votos e independentistas herdeiros da ETA disputam vitória pela primeira vez

O País Basco, no nordeste de Espanha, tem eleições regionais no domingo e as sondagens dão a vitória ao independentista EH Bildu, que integra movimentos considerados herdeiros políticos do grupo terrorista ETA, que deixou de matar há 12 anos.

“A realidade basca não tem nada a ver com a realidade espanhola no que toca às perceções que existem sobre o EH Bildu ou o terrorismo. Aqui em Euskadi [País Basco], 99% da sociedade sabe que a ETA não existe e que o EH Bildu não tem nada a ver com a ETA”, disse à Lusa o professor de Ciência Política Braulio Gómez, da Universidade de Deusto, em Bilbau.

Braulio Goméz realçou que “outra coisa é o passado”, em que as pessoas “reconhecem que isso acontecia”, mas no País Basco de 2024 “ninguém relaciona o presente do EH Bildu com o terrorismo ou com simpatias [do partido] com outras formas de fazer política que não sejam democráticas”.

A associação entre ETA e EH Bildu (uma plataforma de forças de esquerda e independentistas) são recorrentes no debate político espanhol, em Madrid, por ser um dos argumentos usados pela direita e extrema-direita (Partido Popular e Vox) para atacar o socialista e primeiro-ministro Pedro Sánchez. Os últimos dois governos de Sánchez foram viabilizados por partidos nacionalistas e independentistas, entre eles, o EH Bildu.

Ao contrário do que acontece em Madrid, até ao início desta semana, a ETA esteve quase ausente da campanha eleitoral basca, com os debates centrados em questões sociais, sobretudo, a saúde, numa região que tem os melhores índices de Espanha a nível salarial e de emprego e o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) do país.

O tema acabou por surgir por causa de uma rádio nacional, a SER, que numa entrevista perguntou ao candidato a presidente regional do EH Bildu se a ETA foi “um grupo terrorista” e Pello Otxandiano respondeu que foi “um grupo armado”, enredando-se em argumentos para não usar a qualificação de terrorista.

Na quinta-feira, pediu desculpas às vítimas da ETA – embora sem nunca falar em terrorismo -, reconheceu que movimentos dentro do EH Bildu foram “agentes de dor no passado”, depois “foram parte da solução”, mas hoje o partido está disposto a ser “agente da reconciliação”. Defendeu que este debate não deve ser porém usado para fins eleitorais e tem de ficar fora de uma campanha.

As sondagens são proibidas na semana antes das eleições pelo que se desconhece o eventual impacto destas declarações. Já os debates e comícios continuaram mais focados nas questões económicas e sociais e, sobretudo, raramente foram abordadas as “questões territoriais” (mais autonomia, a passagem a um estado federado ou a independência).

Como explicou Bráulio Gomez, o País Basco viveu até há pouco com terrorismo em nome de “um conflito territorial”, “sabe o quão importante é a paz” e neste momento ninguém quer ativar ou recuperar esses temas, nem o eleitorado (como revelam vários estudos), nem o EH Bildu e nem o Partido Nacionalista Basco (PNV, na sigla em espanhol), que ganhou todas as eleições regionais até hoje.

O EH Bildu nasceu em 2012 com o fim da atividade da ETA, que matou mais de 800 pessoas durante 40 anos em nome da luta pela independência do País Basco. Nesse período, a esquerda ‘abertzale’ (nacionalista) “justificava de alguma maneira essa estratégia”, nas palavras de Braulio Gómez.

Com o fim da ETA, essa esquerda ‘abertzale’ juntou-se “a outros grupos políticos da sociedade que sempre rejeitaram a violência” e nasceu o EH Bildu “como um projeto novo” que já não tinha de “justificar ou conviver com o terrorismo”.

O partido, acrescentou o investigador, foi mais do que uma sigla nova, foi um “ator fundamental” para integrar e canalizar “todos os extremismos” para dentro das instituições. Além disso, nasceu com a crise financeira e priorizou, desde o início, a defesa de políticas sociais, deixando para um plano secundário os discursos identitários e a independência.

Passados 12 anos, consolidou este projeto junto da parte do eleitorado que inicialmente poderia desconfiar do partido e de uma geração que tem pouca ou nenhuma memória direta do terrorismo.

“Já não está na memória, para a maioria das pessoas, como o braço político de uma etapa que as pessoas não querem que regresse”, disse Braulio Gómez.

Em 2024, o EH Bildu surgiu assim perante a sociedade basca como a primeira alternativa viável ao PNV que, por seu turno, sente o desgaste de 40 anos consecutivos no poder.

Neste processo, foi determinante a viabilização dos governos de Pedro Sánchez e o apoio às políticas sociais de resposta à pandemia, aos efeitos da guerra na Ucrânia ou à inflação do governo central, facilitadas por fundos europeus extraordinários.

“E assim aparece o EH Bildu pela primeira vez na sua história como um partido de Governo. Ganha visibilidade como um partido útil, sério, que não vai lutar pela independência de Euskadi em confronto com o Estado espanhol, mas contribuir para a governabilidade de uma forma muito responsável”, explicou o politólogo da Universidade de Deusto.

Neste País Basco pós-terrorismo não se prevê maioria absoluta de nenhum partido no domingo e a chave do poder é do partido socialista espanhol (PSOE), que está na atual coligação do governo regional liderada pelo PNV, mas que no executivo central depende tanto do PNV como do EH Bildu.

Os socialistas já disseram que só governam com o PNV, por considerarem que o EH Bildu não fez ainda a “mea culpa” total em relação à ETA.

Mas, como disse Braulio Gomez à Lusa e como tem alertado o candidato do PNV, Imanol Pradales, será preciso esperar por domingo e ver como de facto se vai posicionar o PSOE de Sánchez.

Para já, o resultado é incerto: as sondagens dão a vitória ao EH Bildu, mas por uma margem mínima em relação ao PNV. Os socialistas deverão ser a terceira força mais votada (com menos de 15%), enquanto a direita espanhola (PP e Vox) deverá ter cerca de 10%.

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