
Paguem! Países mais poluidores ‘suam’ com a pressão da ONU em responsabilizá-los pelas mudanças climáticas
Vanuatu promete ‘colocar o mundo em sentido’ com uma cascata de ações judiciais: atingida pelo ciclone ‘Kevin’, a nação insular do Pacífico iniciou uma resolução nas Nações Unidas no qual pediu ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) que dê a sua opinião sobre as consequências legais para os países que mais têm contribuído para o aquecimento global.
A moção foi co-patrocinada por 119 países, o que significa que está praticamente garantida a sua aprovação na Assembleia Geral da ONU. “Há 200 anos, algo que parece legal tem destruído o planeta. Precisamos dizer alto e claro que é ilegal”, frisou Jorge Vinuales, professor de direito e política ambiental da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que auxiliou um grupo de estudantes de direito de países insulares do Pacífico a redigir a resolução.
O ministro do Clima de Vanuatu, Ralph Regenvanu, sublinhou que a aprovação da resolução marcaria “um momento de grande esperança” para o seu país, que ainda a recuperar de ter sido atingido por dois ciclones consecutivos no início de 2023.
No entanto, há alguns grandes poluidores preocupados.
Os Estados Unidos, que são responsáveis por mais gases de efeito estufa na atmosfera do que qualquer outro país, há muito tempo que rejeitam as reivindicações de responsabilidade pelas consequências destrutivas e garantiram que os países em desenvolvimento renunciassem aos pedidos de compensação no Acordo de Paris de 2015.
No entanto, a cimeira do clima COP27 viu uma delicada trégua nas reparações climáticas. O enviado climático americano, John Kerry, apontou que os EUA “deram realmente um passo à frente” ao concordar em criar um fundo de “perdas e danos” para ajudar as vítimas do clima em todo o mundo. No entanto, acusou Vanuatu de antecipar esse processo e “saltar em frente e ir a tribunal”.
Os países europeus também têm sido tradicionalmente cautelosos com os pedidos de indemnização. Mas todos os membros da UE, exceto a Polónia, aderiram ao projeto de resolução como co-patrocinador; Vanuatu redigiu a resolução junto com outros 17 países – incluindo Alemanha, Nova Zelândia, Portugal e Roménia – para obter o maior apoio possível.
O caso pode fraturar o consenso atingido no Egito para as reparações climáticas. E Regenvanu sublinhou que os receios são justificados. “A opinião consultiva do ICJ terá implicações para perdas e danos, como se pode desenrolar o fundo de perdas e danos e como vai ser interpretado daqui em diante”.
A decisão do TIJ pode afetar a lei, a diplomacia e a regulamentação, revelou esta quinta-feira o jornal ‘POLITICO’. No projeto de resolução, é pedido ao tribunal que esclareça o que o direito internacional existente diz sobre as obrigações que os países têm uns para com os outros mas também o que devem às “gerações presentes e futuras”.
Se for aprovado, o tribunal vai realizar audiências em Haia para permitir que diversos países apresentem argumentos legais: qualquer parecer final não será vinculativo mas os pareceres do órgão da ONU têm peso em tribunais de todo o mundo. Vinuales reforçou que, embora as opiniões consultivas não sejam obrigatórias, “a lei que elas esclarecem é obrigatória” porque o tribunal interpretará o Acordo de Paris e outros tratados que são acordados internacionalmente.
Se o TIJ der um sinal claro de que os países poluidores têm responsabilidade legal pelas suas emissões, passadas e presentes, isso poderá sobrecarregar os processos climáticos domésticos.
“Estamos a ver que os tribunais estão a confiar no direito internacional para orientá-los em algumas dessas questões”, explicou Lea Main-Klingst, advogada de direito internacional público da ONG ClientEarth. “Existe um potencial para implicações legais realmente importantes se o tribunal for capaz de esclarecer, de uma vez por todas, que a mudança climática afeta adversamente os direitos humanos e acarreta certas obrigações e consequências para os Estados.”