Os livros que influenciaram os líderes: Um livro intermitente

Por: Nelson Ferreira Pires, General Manager da Jaba Recordati S.A.

Um livro é um companheiro de vida. Talvez o nosso melhor amigo pois está por perto quando precisamos dele, os seus ensinamentos, as suas boas memórias, as suas tramas, as suas ansiedades… Por isso, não sendo um “livro-dependente”, sou um “livro-intermitente”. Ou seja, não leio regularmente livros, começo e não acabo: Excepto quando a minha mente está desperta e, aí, num mês sou capaz de ler 3 ou 4 livros. E não tenho um género de que seja especial adepto. Alguns autores sim, mas género não.
O meu livro preferido é do Jorge Amado, os “Capitães da Areia”. Já li e reli várias vezes.  Este livro de 1937, ensinou-me que a “casa” é o local onde nos sentimos bem com a nossa família (no caso, num armazém abandonado; a família um grupo de meninos abandonados). Também que a lealdade é um dos valores mais importantes que podemos ter à nossa volta. E, por fim, que a liderança (do “Pedro Bala”) não é uma questão de sorte. Conquista-se diariamente sempre com a preocupação no bem-estar dos outros, mesmo em ambientes de “moleques” que perturbam a ordem pública. Para além da forma apaixonada e viva como Jorge Amado escreve, num momento em que o Brasil vivia um período de conturbação e mudança social.
Há um escritor português que me fascina: Camilo Castelo Branco. Um dos seus livros, “A queda de um anjo”, foi inspirador e julgo que até o li duas vezes. Camilo consegue, com o seu estilo literário, caricaturar a vida social e política portuguesa, de uma forma intemporal. Os anos do final do século XIX podiam ser os mesmo de hoje. Consegue ser uma parábola humorística destoando totalmente do estilo romântico de Camilo. Adorei a forma como se desvirtua na obra, através dos seus personagens, o Portugal antigo. Algo actual, que todas as gerações vivem. Julgo que explica muito da forma como hoje somos “portugueses”. Mas, acima de tudo, a forma como Camilo consegue transportar-nos para dentro da história, com um sorriso nos lábios.

Outros dos meus livros e autores preferidos é o Luis Sepúlveda, chileno que faleceu recentemente com Covid depois de estar presente num festival literário na Póvoa de Varzim. Um romancista que cunhava os seus livros de uma fertilidade criativa, quase como um realizador, um roteirista ou um jornalista. Entre as suas imensas obras, de leitura fácil, há uma que eu destaco: “As rosas de Atacama”. Um romance escrito depois de uma visita ao campo de concentração de Bergen Belsen, quando encontrou uma frase gravada numa pedra que dizia: “Eu estive aqui e ninguém contará a minha história”. É um livro que poderia ser um manifesto político de esquerda (ideologia com a qual não me identifico) mas que defende valores universais: a defesa da vida, da dignidade humana, da justiça. Assim como um traço comum universal a todas as culturas, em todo o Mundo: os sonhos são iguais em todas as cidades ou vilarejos. São “estórias” de gente desconhecida que se elevam com a sua personalidade e os seus valores. Todos podemos mudar o Mundo, julgo que será a grande mensagem nua e crua deste livro.

Há mais um que adorei ler, muito recente, de um autor português, Pedro Sena Lino. Nesta biografia, o autor, um académico, pesquisou de forma exaustiva, contando de forma rigorosa e completa, a vida de um dos homens portugueses mais marcantes: o Marquês de Pombal. Alguém que admiro nas suas virtudes e nos seus defeitos. Através da voz do próprio, entendemos o “estado de alma” deste estadista em cada fase da sua vida. Diria que é um “belo e rigoroso estudo dos subterrâneos da alma humana” que explica que as nossas origens não condicionam o nosso futuro. Explica como um lavrador sem experiência relevante pode escalar política e socialmente até chegar à liderança da Nação. Não é um livro simples, mas é um livro intelectualmente honesto que retrata a figura controversa pela sua frieza, calculismo ou a postura ditatorial num período do iluminismo. Mas também conseguimos a sua outra face, do estadista que percebeu a nobreza, a astúcia, o rigor, a sua humanidade e preocupação com o País, que se preocupou em mudar o Estado e o País, tornando-o mais moderno e reconstruindo-o.

Não poderia continuar sem referir alguns livros que se relacionam com liderança e gestão de pessoas, que recomendo que todos leiam. Livros com alguma tecnicidade mas que conseguem misturar a vida prática dos autores com as teorias mais contemporâneas: o “WOW” da Inês Veloso, o “Aprender importa” da Nélia Vicente e Paulo Cópio, “Liderança para onde vamos a partir de agora” da Anabela Chastre e do Pedro Ramos, “Gestão de pessoas com pessoas a bordo” do Pedro Ramos e Vasco Ribeiro, “Portugal Pandémico” do Manuel Lopes da Costa, “Dar ao pedal” do Jorge Sequeira e, muito recentemente, um livro sobre liderança mas acima de tudo sobre “como conseguirmos ser melhores, todos os dias”, do Rui Bairrada: “De estafeta a CEO”. Livros impressionantes que nos orientam para ser melhores pessoas, cidadãos e profissionais.

Com a respectiva declaração de interesses, gostaria também de incluir o meu livro, lançado há 18 meses: “P.O.L.C.I. – o abecedário da liderança”. Que me deu um enorme prazer em escrever pois consolida 30 anos de experiência com pessoas. Acima de tudo, tenta estruturar como ser melhor líder, numa sociedade que se tornou “B.A.N.I.”. Se ninguém nasce líder, até à pandemia de COVID, estes tinham de ser bastante eficientes a “Planear, Organizar, Liderar e Controlar”. O que este novo e admirável mundo trouxe foi o “I” final, ou seja a necessidade de “Integrar”. Integrar novos modelos de trabalho, várias gerações dentro de uma organização, a integração dos princípios ESG, a integração de novos modelos de supply chain “blocais” e não globais… Entre muitas outras mudanças que apenas exigem competências de liderança mais apuradas. E é sobre isto que o livro fala, exemplos do dia-a-dia.

Outro que li, apenas numa semana, foi uma história verídica de um romance de amor em tempo de guerra: “O tatuador de Auschwitz” de Heather Morris. Foi um livro que me prendeu de uma forma única, que me fez chorar pela crueldade humana, mas também pela capacidade que o ser humano tem de “amar” em tempos sombrios. A tatuagem com uma sequência de número dos prisioneiros judeus com que eram marcados quando chegavam aos campos de concentração, permitia-lhes sobreviver. O tatuador, um judeu como os outros, marcava com tinta indelével aquele veio a tornar-se um dos maiores símbolos do Holocausto. No meio de toda a trama e drama (Lale Sokolov existiu mesmo), o “tatuador” apaixona-se e fica determinado a lutar pela sua sobrevivência, mas também desta jovem. Este livro escrito como se de um filme se tratasse, faz-nos lembrar “a lista de Schindler”, é comovente e avassalador.  A violência e o amor convivem diariamente e permitem-nos almejar que o ser humano se pode transcender mesmo na pior das situações em que se encontre. E que o amor e o altruísmo são muito mais fortes que o ódio. A esperança e perseverança são os ingredientes necessários para num filme a “preto e branco”, existir “cor”.

Outro livro único que está sempre na minha biblioteca, é o “Guerra e Paz” de Tolstói. Talvez dos melhores livros do Mundo. Um romance histórico onde Tolstói consegue cruzar cinco núcleos familiares da aristocracia russa durante as guerras napoleónicas. Os seus comentários sobre os eventos históricos permitem construir uma quase enciclopédia de história e de psicologia. Pela riqueza intelectual dos personagens e pelas suas considerações acerca do determinismo, algo que anularia qualquer forma de livre arbítrio. Um livro sensacional que contraria tudo em que acredito, nomeadamente na capacidade de cada ser humano construir o seu destino, independentemente da sua origem mas, essencialmente, pelas suas opções.

Um livro distópico que recomendo, mas um clássico, “1984” de George Orwell. A criação do “Big Brother” que ninguém anteciparia em 1949 quando foi escrito, foi um momento único de visionismo. Orwell consegue imaginar, num Mundo em guerra, a vigilância constante de um regime autoritário sobre a população. Um misterioso líder que governa de forma tirana a sua população. Esta crítica ao totalitarismo fazia sentido num Mundo apocalíptico pós-guerra. No entanto, continua a fazer sentido hoje, em que a democracia se confronta com a teocracia e a oligarquia de poderes tiranos que se confrontam e controlam o Mundo de forma elitista. Talvez um dos livros mais inspiradores que podemos encontrar.

Dom Quixote de Miguel Cervantes é inultrapassável. Talvez a maior obra de língua espanhola. A paixão de Quixote, o protagonista, pelos romances de cavalaria; a vontade férrea de perseguir o seu sonho e tornar-se cavaleiro, confundindo a fantasia com a realidade. Os inimigos que vai inventando e o companheiro de “Sancho Pança” mostram-nos que a nossa imaginação não tem limites. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” E este sonho tornou a visão de Dom Quixote de La Mancha numa lente transformadora, amplificadora ou redutora da realidade e do Mundo. Este é um livro dos sonhadores e dos idealistas.

A literatura ocidental foi influenciada de forma substancial por um livro: Odisseia de Homero. Um clássico grego, escrito oito séculos antes de Cristo. Este livro, como muitos outros de menor qualidade, narra as aventuras de um herói, depois da guerra de Tróia acabar, que apenas quer e tenta regressar a casa. Só que monstros e criaturas fantásticas se atravessam no seu caminho, tendo mesmo de fugir da ira do deus do mar que o tenta permanentemente derrotar. Talvez este livro descreva uma das competências mais necessárias nos dias de hoje: a resiliência. Ulisses, o protagonista, que com uma inteligência fora do vulgar e pela capacidade retórica, consegue vencer todos os desafios e a ira de um deus. Mesmo perante as maiores adversidades consegue superar-se. Um livro difícil de ler, pelo seu enquadramento histórico, mas fabuloso de se apreciar como se de um vinho do Porto vintage se tratasse.

Há muito mais autores fabulosos a quem peço desculpa por não ter incluído aqui. Autores intemporais como Proust, Shakespeare, Gabriel García Marquez, Fernando Pessoa, Kafka, Oscar Wilde… Mas também Sun Tzu, Dale Carnegie, Peter Drucker, Ken Blanchard, Stephen Covey… O segredo de um livro é conseguir transportar-nos para o seu interior, para a mente do autor, para o nosso crescimento como pessoas melhores e para longe da solidão!  

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