Os antigos CEO da Merck e da American Express explicam porque é que… os executivos se calaram relativamente às questões sociais
Por: Robert Safian, Fast Company
À medida que os protestos continuam a invadir os campus universitários nos EUA, o antigo CEO da Merck, , e o antigo CEO da American Express, Ken Chenault, vêem a agitação como um microcosmo da sociedade em geral e um momento crucial de aprendizagem para os líderes empresariais de todo o mundo. Ken Frazier e Ken Chenault partilham os seus conselhos sem filtros sobre os esforços empresariais de DEI e ESG, o que as pessoas não entendem sobre a acção afirmativa, e como liderar com coragem em 2024.
Esta é uma transcrição resumida de uma entrevista da Rapid Response, apresentada por Bob Safian, antigo editor-chefe da Fast Company. Da equipa que está por detrás do podcast “Masters of Scale”, a Rapid Response apresenta conversas francas com os principais líderes empresariais da actualidade que enfrentam desafios em tempo real.
Porque é que os CEO se calaram sobre questões sociais
Durante e após a pandemia, muitas empresas tomaram posições públicas sobre temas sociais. Mas, recentemente, parece que, de repente, os CEO não querem falar sobre nada. Têm alguma ideia do motivo dessa mudança?
Ken Frazier: Penso que os CEO já viram exemplos suficientes de empresas que foram punidas por se manifestarem. Penso que é importante que todos nós, enquanto líderes empresariais, compreendamos que somos pessoas muito divididas actualmente. Mas, ao mesmo tempo, as nossas empresas dependem de certos princípios fundamentais da nossa democracia e do nosso mercado livre, para continuarmos a ter êxito a longo prazo.
A razão pela qual há tanto investimento no mercado dos EUA em comparação com outros mercados deve-se a coisas que tomamos por garantidas, como por exemplo a democracia, o Estado de direito, a aplicação de contratos, a transferência pacífica de poder. Se não apoiarmos os princípios que apoiam não só as empresas, mas também as pessoas, é provável que nos coloquemos numa situação em que a democracia possa ser gradualmente corroída.
Ken Chenault: O meu conselho é que os CEO devem estar preparados. Em que circunstâncias pensam que seria necessário falar? Querem falar ou querem ficar à margem?
Presumo que os CEO não queiram pensar nisso, certo? Porque essas perguntas são difíceis de responder.
Ken Frazier: As pessoas têm de perguntar a si próprias quais os seus princípios fundamentais. Se não estiverem dispostos a defender algo que é um princípio fundamental para a vossa empresa, para os vossos colaboradores, para os vossos clientes, para a sociedade em geral, então esse princípio é realmente uma preferência, não um princípio.
O declínio de termos como DEI e ESG
É notável como certas expressões – DEI e ESG – se tornaram rapidamente uma espécie de palavrão. Ambos são grandes defensores da diversidade. Surpreende-vos de alguma forma como estas expressões se tornaram munições em certos aspectos?
Ken Chenault: Penso que é muito perigoso que as pessoas digam: “Temos de nos livrar do DEI.” Contudo, também não estão a dizer honestamente: “Mas deixem-me ser claro, este é o nosso compromisso com a diversidade.” E penso que há forças que são contra dar oportunidades às pessoas. Acredito que as empresas precisam de afirmar que estão empenhadas em dar oportunidades a todos os tipos de pessoas.
Ken Frazier: Penso que o desafio neste país é o facto de algumas pessoas argumentarem que expandir as oportunidades para as pessoas é inconsistente com o mérito. E acho que isso não é verdade. Portanto, a questão é: como podem empresas tirar partido dos melhores talentos disponíveis numa sociedade cada vez mais diversificada? E como expandimos as oportunidades para as pessoas que têm sido historicamente marginalizadas sem discriminarmos as pessoas que não têm sido marginalizadas? Não me parece que estas duas coisas sejam de todo incoerentes.
Ken Frazier, você tem formação jurídica, certo? As empresas também enfrentam riscos legais crescentes no que diz respeito à acção afirmativa relativamente a comunidades historicamente marginalizadas. Trata-se de uma mudança dramática? Os riscos legais são usados pelos empresários como desculpa para não fazerem o que querem fazer?
Ken Frazier: Trata-se de uma mudança de ambiente para as empresas. O parecer do Supremo Tribunal tornou-se um catalisador para alguns dos grupos que se opõem totalmente à diversidade, à equidade e à inclusão.
Se lermos a opinião do Presidente do Supremo Tribunal Roberts no caso das admissões, nem sequer podemos argumentar contra ela. O que ele diz é que ser totalmente imparcial é o melhor princípio de governo para uma sociedade pluralista e multirracial. Se olharmos para isso como um princípio abstracto, é quase irrefutável. O desafio é que, durante 400 anos, temos sido tudo menos uma sociedade imparcial. Por isso, quando pensamos qual é a forma mais justa de criar acesso e oportunidades na nossa sociedade, podemos argumentar que é preciso ter a mesma linha de chegada na corrida. Mas muitas pessoas, principalmente na fase de contratação, tiveram de ultrapassar muitas dificuldades só para chegar à linha de partida.
Tanto eu como o Ken Chenault nascemos na era pós Brown v. Board of Education. A minha irmã mais nova e eu fomos transportados de autocarro para escolas melhores. Quando olhamos para as crianças de sete anos, as que vão para escolas medíocres, vemos que elas não vão para essas escolas porque não merecem uma educação melhor. Vão para essas escolas devido às circunstâncias da nossa sociedade e ao facto de muitas destas coisas, incluindo a raça, continuarem a ter um impacto nas gerações após o fim da segregação legal. Portanto, se concordamos que todas as crianças devem ter essa oportunidade, penso que é evidente que as empresas e a nossa sociedade têm a obrigação de garantir que esta conversa sobre igualdade é mais do que um mito.
Temos de reconhecer o impacto das redes. Na minha carreira, tive a sorte de ser contratado por um anterior CEO da Merck para um cargo de chefia. E foram as ligações que tive com essa pessoa e com os CEO seguintes que me permitiram chegar a CEO. Enquanto afro-americano, o meu acesso a esses quadros superiores era bastante invulgar em comparação com muitos dos meus colegas. Não digo que as pessoas discriminam conscientemente, mas têm de pensar na forma como as redes sociais funcionam e se certas pessoas têm mais acesso do que outras às pessoas que podem fazer ou destruir carreiras. É o que acontece frequentemente com as mulheres e com as minorias nas empresas norte-americanas.
Lições empresariais dos recentes protestos no campus
São ambos membros da Harvard Corporation. Há uma boa ou má forma de lidar com os protestos pró-Palestina? Como podemos compreender este momento?
Ken Chenault: As pessoas não se ouvem umas às outras. Precisamos de um discurso mais civilizado. Mas penso que o que vemos nos campus universitários é um microcosmo do que acontece na sociedade em geral.
Ken Frazier: Ouvi alguém dizer: “Se leu 10 livros sobre a origem da situação actual na Palestina, tudo o que lhe permite é ler mais 20 livros.” Portanto, muitas das pessoas que tomam posições fortes, incluindo, penso eu, alguns dos nossos jovens, não leram o primeiro livro, quanto mais os primeiros 10 livros.
E penso que este capítulo dá às universidades a oportunidade de repensarem o seu contrato social com a sociedade. Em todas as fases, as universidades têm de perguntar: “Formamos jovens para serem líderes construtivos na sociedade?” Penso que, se olharmos para os campus actuais, os dirigentes universitários questionam provavelmente se o fazem. Nunca se chegará a um terreno comum se não formos para um terreno mais elevado e não falarmos dos princípios que nos unem.
Ken Chenault: Eu tinha um termo que utilizava na American Express: queria que as pessoas se envolvessem num “confronto construtivo”. Façam-no com respeito. Precisamos de debater e discutir, certamente nos nossos campus universitários. Isso faz parte do que temos de aprender. Mas é preciso compreender a perspectiva da outra pessoa.
Ken Frazier: Vivemos tempos turbulentos. Uma das chaves passa por os líderes conseguirem ter algum tempo para reflectir, não reagirem instantaneamente ao que se passa à sua volta, ouvirem os outros, incentivarem os outros a darem-lhe feedback que os possa vir a ajudar a decidirem o caminho certo. Implícito nisto está o facto de terem de ser o tipo de líder em cujas pessoas confiam o suficiente para dizerem o que realmente pensam e para ajudarem a ver o panorama geral. Por isso, penso que há uma lição a tirar, não só para os estudantes universitários, não apenas para os líderes universitários, mas para todos os líderes: sempre que enfrentarem estes tempos turbulentos e difíceis, é importante reflectirem antes de decidirem o que vão dizer ou fazer.
E, por vezes, também é necessário alguma coragem para agir de acordo com essas convicções.
Ken Chenault: Um dos atributos mais importantes de um líder duradouro é a coragem.