Opinião: As mazelas do ensino a distância
por: Pedro Freitas, Doutorando de Economia na Nova SBE e membro do Nova SBE Economics of Educuation Knowledge Center
Quando as escolas e universidades encerraram em março último, todo o sistema educativo foi obrigado a migrar repentinamente para plataformas online. Os receios de que tal pudesse prejudicar as aprendizagens dos alunos encontrava suporte em casos passados de encerramento abrupto de escolas. Por exemplo, estima-se que a epidemia de H1N1 que em 2009 levou ao fecho de escolas entre duas e três semanas em diferentes municípios brasileiros tenha causado um dano no progresso dos alunos equivalente à perda de dois meses de tempo lectivo[1].
Outra incógnita era como as escolas se adaptariam a esta nova realidade, não sendo o ensino a distância um meio massificado no nosso sistema, em particular no ensino não superior. Mesmo a literatura em economia da educação é parca no estudo acerca dos efeitos deste tipo de ensino sobre o aproveitamento dos alunos. Os estudos existentes focam-se essencialmente em experiências no ensino superior, e chegam por norma à mesma conclusão: assistir às aulas online e não presencialmente, tem, em média, um pequeno efeito negativo. Contudo este efeito médio esconde uma enorme heterogeneidade, sendo estes impactos significativamente mais negativos para os alunos com um menor aproveitamento, e aproximando-se de um impacto nulo, ou até ligeiramente positivo, para os alunos com melhores resultados.
Para o ensino básico e secundário as incógnitas eram assim muitas, e sem muitos estudos prévios para nos ancorar, revelou-se essencial recolher novos dados, por forma a compreender como o ensino a distância foi sendo introduzido nas escolas, e como foram reagindo pais, professores e alunos a esta nova realidade. Com esse objectivo, o Nova SBE Economics of Edcuation Knowledge Center, encontra-se a aferir junto dos professores portugueses a sua perceção acerca da passagem repentina para o ensino a distância e quais os seus impactos nos resultados dos alunos. Esta recolha começou pouco depois do confinamento, ainda antes do fim do 2º período[2]. Nessa primeira ronda do inquérito, realizada entre março e abril e à qual responderam mais de 1500 professores, uma grande percentagem de professores reportaram que os seus alunos não tinham ainda acesso aos meios informáticos necessários para seguir as aulas a distância – cerca de 23% do total de alunos. Naquelas primeiras semanas os professores que se encontravam de facto a dar aulas por videoconferência eram ainda apenas 30% do total, sendo que a maioria das tarefas estava a ser realizada com recurso ao envio de materiais complementares ao estudo – uma estratégia adotada por cerca de 85% dos professores inquiridos- e através de trabalhos de casa, que estavam a ser enviados por cerca de 70% dos professores. Estas valores médios têm por detrás uma grande desigualdade nos métodos adotados entre escolas privadas e escolas públicas, e mesmo entre professores do ensino público. Contudo os professores mostravam-se confiantes na sua capacidade de adaptação a estes novos tempos, avaliando a sua confiança, em média, em 5,32, numa escala de 1-7.
Em maio, passadas várias semanas de aulas, aplicámos uma nova ronda do inquérito a que responderam 2500 professores. Os resultados ilustravam uma realidade que havia evoluído[3]. As aulas por videoconferência massificaram-se e eram usadas por 88% dos professores, contudo estes continuavam a reportar que cerca de 13% dos alunos continuavam sem acesso a computador com internet. No final do 3º período os professores reportavam também que mudaram o seu sistema de avaliação, agora menos baseado em testes sumativos, a que recorreram apenas um terço dos professores inquiridos, e mais baseado no envio de trabalhos de casa, método usado por 84%. Nesta ronda do inquérito, os professores deixavam-nos também um dado com implicações para o ano lectivo seguinte: cerca de um quarto afirmava que o seu trabalho nas últimas semanas de aulas tinha sido focado na revisão dos conteúdos lecionados antes do confinamento e não no avanço para novas matérias.
Este trabalho de compreender como se adaptou o ensino à realidade pandémica e quais os impactos que teve, e tem, sobre os alunos, acontece em vários sistemas de ensino. Nos Estados Unidos, por exemplo, dados relativos à plataforma Zearn, que fornece conteúdos de matemática para os alunos estudarem, notou uma forte queda tanto no acesso ao site como no aproveitamento dos alunos no período inicial da pandemia[4]. Ambos os indicadores foram recuperando, mas o que mais impressiona é como esta recuperação é desigual entre alunos. Para alunos que residem em bairros mais favorecidos não só a queda no acesso e no aproveitamento foi sempre menor como a recuperação tem sido muito mais rápida do que para aqueles alunos que residem em zonas com maiores privações económicas.
Igualmente, recentes dados para Alemanha indicam que o tempo médio de aprendizagem dos alunos caiu para metade durante o confinamento, redução esta particularmente significativa para alunos com maiores dificuldades, e tempo que foi substituído por um aumento nas horas passadas a ver televisão ou em jogos de computador, em particular nos alunos rapazes[5]. Na mesma linha, os resultados já existentes com dados holandeses mostram que o confinamento diminuiu os resultados dos alunos nos exames nacionais no final do ano em 3 pontos de percentil, sendo este impacto 55% maior para alunos com pais com menos qualificações[6].
O ensino a distância obrigou a uma transição inesperada e exigiu de todos uma resposta rápida e uma enorme capacidade de adaptação. Alguns dos indicadores recolhidos durante e após o confinamento em vários sistemas de ensino deixam claramente adivinhar uma mazela nas aprendizagens dos alunos. A recuperação destes alunos será sempre um trabalho para todo o ano lectivo, não bastando umas semanas iniciais para garantir que os alunos estejam onde estariam num cenário sem confinamento. E neste processo de recuperação, é importante lembrar um dos resultados mais robustos em economia da educação: o que acontece nos primeiros anos de aprendizagem, de bom e de mau, tem impactos fortes e duradouros. Foquemo-nos por isso, ainda mais, nos alunos mais novos, para quem a manutenção das escolas abertas e com aulas presenciais é ainda mais relevante, evitando assim que sobre eles os impactos do confinamento se prolonguem muito para lá da pandemia.
[1] https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/33997
[2] https://kc-economics-of-education.github.io/ensino-distancia-resultados/
[3] https://kc-economics-of-education.github.io/ensino-distancia-resultados-maio/
[4] https://tracktherecovery.org/
[5] https://www.cesifo.org/DocDL/cesifo1_wp8648.pdf
[6] https://osf.io/preprints/socarxiv/ve4z7