OE2022: Englobamento obrigatório de mais-valias pode ser trampolim para “fugas offshore”, alertam investidores e analistas

O Ministro das Finanças disse hoje esperar que o englobamento de rendimentos do capital especulativo no IRS para o último escalão, previsto no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), tenha um impacto de cerca de 10 milhões de euros.

“Estimamos que possa ter um impacto adicional próximo dos 10 milhões de euros”, disse hoje João Leão no Salão Nobre do Ministério das Finanças, em Lisboa, na conferência de imprensa de apresentação da proposta do Governo para o OE2022.

O ministro relevou que “não é fácil precisar a estimativa de rendimento adicional associado a essa medida”, principalmente devido a uma alguma “alteração comportamental dos agentes” em causa.

As mais-valias mobiliárias obtidas com a venda de títulos detidos há menos de um ano vão passar a ser de englobamento obrigatório para quem tenha um rendimento coletável anual acima de 75.009 euros.

A medida consta da proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), entregue esta segunda-feira no parlamento, fazendo com que os contribuintes que se enquadrem neste perfil deixem de poder optar por sujeitar estas mais-valias à taxa liberatória de 28%.

“O saldo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º [alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários], incluindo os rendimentos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 18, são obrigatoriamente englobados quando resultem de ativos detidos por um período inferior a 365 dias e o sujeito passivo tenha um rendimento coletável, incluindo este saldo, igual ou superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º”, refere a proposta orçamental.

Com o englobamento obrigatório, os contribuintes abrangidos passarão a ter de somar aos restantes rendimentos (de trabalho e pensões) estas mais-valias que, desta forma, são sujeitas às taxas progressivas do IRS, que começam nos 14,5% para o primeiro escalão, e avançam até aos 48% para rendimentos do último escalão, às quais se poderão ainda somar o adicional de solidariedade.

O apuramento é feito pelos bancos, sendo criada a obrigação de “comunicação dos rendimentos de forma padronizada ao contribuinte pelas instituições financeiras depositárias dos títulos, como mecanismo facilitador do preenchimento da declaração de IRS”.

O valor de receita arrecadado por esta via será consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, conhecida por ‘almofada’ do sistema previdencial, à semelhança do que já sucede com a receita do Adicional ao IMI e de uma parcela da receita do IRC.

Medida é “perigosa”, alerta Deloitte

Contactada pela Executive Digest, a Deloitte sublinha que “as alterações no regime fiscal que afetam os investidores em ativos mobiliários (participações sociais) são sempre perigosas pois tratam-se de ativos com elevada mobilidade e, se a carga fiscal incidente sobre os mesmos for muito elevada, rapidamente migrarão para outras jurisdições ou para outro tipo de investimentos menos penalizados”.

“É preciso não esquecer que não se pode equiparar este tipo de rendimentos, normalmente denominados de especulativos, a outros de menor risco, como os rendimentos do trabalho, pois a remuneração auferida pelos investidores (na qual a componente fiscal é muito importante) é muito variável e inconstante”, acrescenta a investidora.

Um trampolim para offshore?

A opinião é partilhada pela Associação de Investidores e Analistas (ATM), para quem esta medida “não será eficaz”, já que os investidores com ativos superiores a 75 mil mil euros “conhecem bem as alternativas ao mercado”, pelo que o Governo corre o sério risco, de assistir a uma verdadeira “mobilidade para offshores”.

Para além disso, Octávio Viana, presidente da ATM condena esta proposta do Executivo de António Costa por “segregar os investidores a curto prazo, face aos investidores a longo prazo”.

Como recorda o líder associativo, “em 2001/2002, o então ministro da Economia e das Finanças, Joaquim Pina e Moura uniformizou a tributação das mais-valias acima e abaixo dos doze meses”, agora o Governo vai distinguir entre ambos os investimentos, sendo o a curto prazo “tão importante para o mercado de capitais”.

“São os investidores a curto prazo que garantem a liquidez do mercado, e um mercado mais líquido é mais eficaz, os custos de transação são menores”, explica Octávio Viana.

Para o dirigente associativo é preciso distinguir dentro do mercado, entre as mais-valias, obtidas através de aquisições de empresas cotadas – onde têm de ser protegidos os investidores a curto prazo de forma a evitar o que se poderia chamar em português de ‘erro de preço’ e portanto uma manipulação de mercado – e a aplicação de dinheiro em empresas não cotadas”.

“Porque é que o Governo não faz como pediu a ATM, num requerimento enviado à Provedoria de Justiça em 2001/2002  e cria o Correção coeficiente desvalorização?”, interroga o líder associativo.

Nesse ano, a pedido da ATM, a Provedoria de Justiça manifestou-se favorável à distinção entre mais-valias mobiliárias e imobiliárias, já que quando se vende uma casa,  a mais-valia é corrigida por um coeficiente (taxa legal anua de desvalorização que pretende reproduzir à inflação), um mecanismo que não existe nas transações mobiliárias.

“Esta seria uma medida muito mais eficaz para garantir a sustentabilidade do investimento e fomentar mecanismos justos, como é desejado pelo Governo”, remata o líder associativo.

 

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