“O que está a acontecer em Gaza alimenta claramente a raiva do mundo árabe contra o Ocidente e contra Israel”: alerta especialista

Apenas 26 quilómetros separam as costas de África das da Ásia no Estreito de Bab el Mandeb: a “porta das lágrimas” é um ‘funil’ do comércio mundial, onde se pode entrar no Mar Vermelho e chegar ao Canal do Suez – já na Antiguidade existiam referências à pirataria na região, desta feita, em pleno século XXI, são os Houthis, o movimento islâmico do Iémen apoiado pelo Irão, quem semeia o caos nesta via.

Adlene Mohammedi, diretora do Aesma, centro de estudos estratégicos com sede em Paris, abordou as tensões que abalam o Médio Oriente numa conferência na Casa Árabe de Madrid. De acordo com o professor da Universidade Nova de Sorbonne, em declarações ao jornal espanhol ‘ABC’, “a origem do movimento Houthi encontra-se na revolta iemenita da década de 1960”. Em 1962, o golpe de Estado contra o reino Mutawakkilite – uma teocracia governada por um imã, cujo território se estendia pela região noroeste do atual Iémen e que nasceu no calor da dissolução do Império Otomano após a I Guerra Mundial – desencadeou uma guerra civil.

Desta forma, o reino Mutawakkilite desapareceu e a República Árabe do Iémen foi formada, em 1962. Ao sul, no antigo protetorado, nasceu a República Popular Democrática do Iémen, país comunista localizado no canto da Península Arábica – foram ambos unificados na década de 1990 para formar o Iémen que conhecemos atualmente.

“Muitos líderes Zaidi [da década de 1960] sentiram-se frustrados e traídos. Eles acreditavam que o seu Estado tinha sido roubado pelos republicanos. Os Houthis são os herdeiros dessa frustração de Zaydi”, salientou Mohammedi. Com a sua consolidação como partido político e depois como grupo armado durante os anos 90 e a primeira década dos anos 2000, os Houthis começaram a ocupar as manchetes da imprensa internacional devido à guerra civil iniciada em 2014. No entanto, a animosidade dos Houthis – que fica explícita no lema da sua bandeira: “Deus é o maior, morte para a América, morte para Israel, maldição para os judeus, vitória para o Islão” – concentra-se em dois inimigos: Washington e Telavive.

“Os Houthis odeiam muito mais os Estados Unidos e Israel do que os sauditas”, garantiu o especialista. “Na verdade, consideram que os sauditas fizeram a guerra em nome dos americanos, o que não é verdade, porque, em algumas ocasiões, até os americanos tiveram vergonha do que os sauditas fizeram. Mas, para os Houthis, o problema não é o vizinho saudita, mas sim os americanos que estão por trás deles e que, segundo a sua versão, manipulam os sauditas para se envolverem numa guerra perigosa por muitas razões diferentes. Esta obsessão explica por que o movimento armado escolheu como alvo preferido todos os navios que cruzam o Estreito de Bab el Mandeb sob a bandeira dos seus inimigos.”

“O principal país que apoia os Houthis é o Irão, por razões políticas e religiosas. “Os Houthis são membros do ‘eixo da resistência’ e assemelham-se ao Hezbollah no Líbano.” Para alguns observadores, os Houthis são o Hezbollah iemenita.

“No mundo árabe há muitas razões para haver uma revolução, mas a questão palestiniana pode ser usada como argumento. Houve grandes manifestações em Marrocos e o Governo não tentou impedi-las. Se a situação em Gaza se tornar ainda mais traumática, muitas pessoas poderão querer que os seus estados virem as costas aos países ocidentais. Muitos, especialmente França e o Reino Unido, são vistos de forma negativa no mundo árabe. “O que está a acontecer em Gaza alimenta claramente a raiva do mundo árabe contra o Ocidente e contra Israel.”

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