O que é a “guerra híbrida” que se teme que a Rússia leve a cabo (ou que já esteja em curso) após os ataques da Ucrânia com mísseis dos EUA
A recente escalada de tensões entre a Rússia e os aliados ocidentais trouxe novamente à tona os receios sobre o uso de “guerra híbrida”, uma estratégia de conflito que mistura ataques convencionais, cibernéticos, desinformação e sabotagem, ampliando as fronteiras de um confronto. Estes receios intensificaram-se após o uso de mísseis americanos por parte da Ucrânia em ataques dentro do território russo, o que pode levar Moscovo a retaliar com medidas que não se limitam ao campo de batalha.
O que é a guerra híbrida?
A guerra híbrida caracteriza-se pela combinação de táticas convencionais e não convencionais, como ataques cibernéticos, sabotagens, campanhas de desinformação e operações encobertas. O objetivo não é apenas infligir danos diretos, mas também desestabilizar sociedades e minar a confiança entre aliados.
Exemplos recentes ilustram a diversidade destas táticas: em 2022, a Estónia enfrentou uma campanha de ataques informáticos e ‘hacking’ que foi atribuída à Rússia pelas autoridades do País; nesse mesmo ano, um grupo de cidadãos russos, equipados com drones, foram detidos na Noruega perto de infraestruturas de gás e petróleo. Contam-se ainda inúmeras operações de desinformação (umas mais organizadas do que outras), como as que foram realizadas durante as eleições norte-americanas de 2016, o referendo do ‘Brexit’, que são provas de como estas ações multifacetadas podem ter grande impacto e influenciar sociedades inteiras.
A NATO reconhece a gravidade destas ameaças, destacando que a velocidade e a escala dos ataques têm aumentado graças às rápidas mudanças tecnológicas e à interconectividade global. Em junho, a organização afirmou que, apesar do apoio das equipas de contra-ataque híbrido, a responsabilidade de defesa recai sobretudo sobre os países individuais.
Receios concretos: Já estará a Rússia a levar a cabo (nova) sabotagem a infraestruturas?
A preocupação com a guerra híbrida ganhou um novo impulso após dois cabos submarinos terem sido danificados no Mar Báltico no arranque desta semana. Num primeiro caso, um cabo de 1.170 km que ligava a Alemanha à Finlândia foi cortado, enquanto outro, entre a Lituânia e a ilha sueca de Gotland, sofreu danos. Estas ocorrências, classificadas como possíveis atos de sabotagem, levaram países como a Lituânia a reforçar a monitorização das suas águas territoriais.
Boris Pistorius, ministro da Defesa da Alemanha, teve ‘dedo rápido no gatilho’, e afirmou logo que que “ninguém acredita que estes cabos tenham sido cortados acidentalmente”, ao mesmo tempo que classificou os eventos como “ações híbridas”. As autoridades suecas abriram uma investigação preliminar por suspeita de sabotagem. Embora nenhuma entidade tenha sido formalmente responsabilizada, os olhares voltam-se para a Rússia, que tem sido acusada de intensificar ataques híbridos contra aliados da NATO e da União Europeia.
Outros aliados ocidentais têm registado uma série de episódios perturbadores nos últimos meses. Em janeiro deste ano, um grupo de hackers russos conseguiu infiltrar-se numa torre de água no Texas, libertando milhares de litros de água antes de o ataque ser travado pelas autoridades estaduais. No Canadá, um ataque a uma estação de tratamento de águas residuais revelou vulnerabilidades significativas na infraestrutura do país.
No verão passado, os serviços secretos dos EUA e da Alemanha desmantelaram um plano russo para assassinar executivos da indústria de defesa europeia, incluindo o CEO da fabricante alemã Rheinmetall. No Reino Unido, um enredo envolvendo dispositivos incendiários colocados num avião revelou a amplitude das operações russas, que podem incluir ataques experimentais ou “ensaios” para ações de maior escala.
Nem todos os planos, porém, são sofisticados. Em França, um grupo de cidadãos moldavos foi recrutado para realizar uma campanha de graffiti antissemita em Paris, aproveitando as tensões provocadas pelo conflito entre Israel e Gaza.
Os impactos na segurança europeia
Os receios em torno da guerra híbrida refletem uma preocupação crescente com a segurança europeia. “A segurança da Europa está ameaçada não apenas pela agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, mas também pelas suas atividades híbridas contra atores ocidentais”, declararam os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e da Finlândia numa nota conjunta.
Mark Rutte, secretário-geral da NATO, alertou que a Rússia está a transferir a linha da frente da guerra para além da Ucrânia, afetando a região do Báltico, a Europa Ocidental e até o Ártico. “As atividades híbridas de Moscovo contra países da NATO e da UE são sem precedentes na sua escala e diversidade”, afirmaram os ministros dos Negócios Estrangeiros de países como Alemanha, França e Reino Unido.
Enquanto os aliados trabalham para mitigar estas ameaças, a guerra híbrida permanece uma ferramenta eficaz para Moscovo, permitindo-lhe minar a segurança ocidental sem recorrer a um confronto direto. A necessidade de uma resposta coordenada entre os países da NATO e da UE nunca foi tão urgente.