O plano de Von der Leyen. Estados-membros da UE têm de cumprir reformas económicas para poderem ir ao ‘pote’ de 1,2 biliões de euros em fundos

A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, delineou um novo plano ambicioso para pressionar os Estados-membros a implementarem reformas económicas essenciais, caso queiram aceder ao próximo orçamento plurianual da União Europeia (UE), no valor de €1,2 biliões. O objetivo é tornar mais rigorosas as condições para a atribuição de fundos, estabelecendo novas prioridades no período orçamental de 2028 a 2034.

Um documento interno, visto pelo jornal POLITICO, revela os planos da Comissão para integrar os cerca de 530 programas atualmente em vigor num único fundo nacional por país, que abarcará desde subsídios agrícolas até ao financiamento de habitação social. A estratégia implica que os Estados-membros terão de cumprir novos critérios rigorosos para obterem os fundos, como promover a igualdade de género para aceder a verbas para habitação social, ou incentivar a agricultura biológica para garantir subsídios agrícolas.

Estas mudanças estão a ser vistas com apreensão, principalmente entre os agricultores, que têm tradicionalmente beneficiado de apoios da Política Agrícola Comum (PAC) sem grandes condições. Muitos temem que o redirecionamento de fundos para novas prioridades, como a defesa e o desenvolvimento de indústrias pan-europeias, possa diminuir os apoios ao setor agrícola.

Prioridades económicas e desafios externos
Com a economia da UE a enfrentar dificuldades e a guerra na Ucrânia a decorrer nas suas fronteiras, a Comissão está sob pressão para reorientar o investimento. O objetivo é afastar-se de subsídios considerados improdutivos e direcionar os fundos para áreas como a defesa e o fortalecimento da indústria europeia. O documento interno sugere que a adesão da Ucrânia à UE e o reembolso dos mais de €300 mil milhões de dívida pós-Covid poderão pressionar o orçamento para além dos limites atuais.

A Comissão procura também reduzir as chamadas “dependências estratégicas” de países terceiros, promovendo um renascimento industrial europeu. Este enfoque foi inspirado pelo relatório sobre competitividade de Mario Draghi, ex-primeiro-ministro italiano, que destacou a necessidade de a UE investir em setores chave para reduzir a sua vulnerabilidade a crises externas.

Uma das principais preocupações com esta reforma orçamental é que sirva como pretexto para cortes nos programas existentes. Entre as propostas da Comissão está a criação de um “Fundo de Competitividade Europeia”, que agregaria financiamentos destinados à investigação, defesa e inovação, atualmente dispersos por vários programas. Esta mudança marca um afastamento do modelo atual, que permite que fundos sejam distribuídos diretamente a regiões locais ou governos nacionais com menos condicionantes.

A proposta também sugere uma centralização do processo de gestão orçamental, com um grupo restrito a supervisionar a alocação de fundos, composto por von der Leyen, o departamento orçamental da Comissão e o Secretariado-Geral. Outras direções da Comissão, como a de agricultura ou regiões, terão apenas um papel consultivo.

Este plano de centralização tem gerado críticas, com alguns responsáveis europeus a afirmarem que se trata de uma tentativa de “controlo excessivo” por parte de von der Leyen. “Este tipo de documento poder-se-ia esperar de um think tank, não da Comissão Europeia”, comentou um funcionário da UE sob anonimato. Mais de 130 regiões europeias já expressaram a sua preocupação numa carta aberta, alertando que a centralização pode prejudicar as economias locais.

O orçamento da UE é tradicionalmente um tema altamente politizado e, com as novas exigências da Comissão, prevê-se que as negociações entre os Estados-membros sejam ainda mais difíceis. Para que o orçamento seja aprovado, é necessário o acordo unânime de todos os países da UE antes do final de 2027.

Von der Leyen já atribuiu ao novo comissário do orçamento, Piotr Serafin, a missão de desenvolver “um plano para cada país, ligando reformas chave a investimentos”, conforme indicado na sua carta de missão. Estes planos nacionais incluirão subsídios agrícolas e verbas para as regiões mais pobres, conhecidas em Bruxelas como fundos de coesão, que atualmente representam quase dois terços do orçamento total da UE.

No entanto, a grande mudança que se avizinha é que os fundos serão atribuídos apenas se os países implementarem reformas alinhadas com as prioridades de Bruxelas. Este modelo representa uma viragem significativa em relação às práticas atuais, onde o financiamento é concedido com menos condições.

Com este novo plano, a Comissão Europeia procura enfrentar os desafios económicos e geopolíticos da atualidade, ao mesmo tempo que promove uma maior competitividade interna. No entanto, a implementação destas reformas será complexa e requer um equilíbrio delicado entre as necessidades locais e as prioridades estratégicas da União Europeia.

O debate sobre o futuro orçamento da UE já começou e, à medida que se aproximam as negociações formais, as tensões entre os Estados-membros e a Comissão deverão intensificar-se, especialmente à medida que os países se confrontam com a necessidade de ceder poder a favor de uma maior centralização em Bruxelas.

Ler Mais