O lado negro das tecnologias de informação
Nos últimos anos, as tecnologias digitais têm transformado os locais de trabalho e aumentado a produtividade económica. Mas será que o excesso de tecnologias de informação está a prejudicar o bem-estar dos colaboradores e das organizações?
Há muito que as tecnologias de informação são vistas como o poder por detrás de uma nova revolução económica – um conjunto de ferramentas em desenvolvimento que tornaram os colaboradores mais produtivos que nunca, impulsionando uma mudança tão drástica como as causadas pela descoberta do vapor ou da electricidade. Segundo um relatório do Fórum Económico Mundial, «a digitalização estimulou a produção económica mundial em quase 190 mil milhões de euros e criou seis milhões de empregos em 2011».
Numa base empresa-a-empresa, vários estudos descobriram que as empresas que usam mais TI têm uma produtividade mais elevada do que as suas concorrentes. Todavia, podemos estar a entrar numa era em que as fragilidades humanas começam a abrandar o progresso das tecnologias digitais. Numa série de estudos, foram exploradas as implicações da ansiedade induzida pelas TI, do vício da tecnologia e da utilização imprópria das mesmas no local de trabalho. Uma implicação das nossas descobertas indica que as qualidades que tornam as TI úteis – fiabilidade, portabilidade, facilidade de utilização e processamento rápido – também podem estar a enfraquecer a produtividade, a inovação e o bem- -estar dos colaboradores.
Após observar diferentes organizações, descobriu-se que este “lado negro” das TI que está rapidamente a emergir prejudica os colaboradores e as suas organizações e retira alguns dos ganhos na produtividade que supostamente a empresa ganharia com os investimentos em TI. Neste artigo, descrevemos os principais efeitos negativos do uso das TI no local de trabalho, explicamos os riscos que colocam e sugerimos formas de mitigar o seu impacto.
“Tecno-ansiedade”
O uso universal e quase contínuo dos sistemas organizacionais de TI está agora a começar a ter os seus efeitos na saúde de alguns colaboradores, que sofrem de “ansiedade induzida pelo uso de TI” ou “tecno-ansiedade” por uma série de razões. Sentem-se forçados a fazer várias tarefas em meios de informação simultâneos e em diferentes aparelhos, simplesmente porque a informação chega até eles em tempo real; o trabalho à distância e os horários flexíveis prendem-nos constantemente aos seus aparelhos e aos locais de trabalho; e os ciclos tecnológicos curtos e a pressão dos profissionais da área significam alterações constantes à interface, passos e funcionalidades, muitas vezes sem questões respondidas de forma satisfatória e sem o apoio de um “help-desk”. Também descobrimos num inquérito a cerca de 600 profissionais que usam computadores que 73% temiam que o afastamento de uma conectividade constante e de uma resposta instantânea os colocasse em desvantagem em termos profissionais.
As interfaces de utilizador complexas que não encaixam naturalmente no fluxo de trabalho são uma fonte adicional de ansiedade, porque criam excesso de trabalho quando são usadas. Ironicamente, ao mesmo tempo que sonham em escapar às TI, muitos colaboradores também confessam que se sentem “viciados” nalgumas das tecnologias que causam ansiedade.Num estudo a utilizadores de email móveis, percebe-se que 46% exibiam sintomas de vício médios/altos. Por um lado, levam o trabalho para casa: os colaboradores gastam tempo a responder a emails profissionais trabalho quando estão em casa (23 minutos em média por dia), enquanto estão nos transportes (12 minutos), em todos os dias do fim-de-semana (42 minutos) e em todos os dias de férias (43 minutos). Por outro lado, as TI também permitem aos colaboradores levarem as suas actividades de lazer para o trabalho (por exemplo, usando o Facebook). Mesmo quando uma organização bloqueia certos sites, estes podem ser acedidos através de aparelhos móveis pessoais, principalmente agora, que a tendência traga-o-seu-aparelho-para- -o-trabalho continua a crescer.
Tal como acontece com muitos vícios, o desejo de estímulo torna- -se progressivamente mais difícil de satisfazer e com o passar do tempo os indivíduos muitas vezes procuram mais formas de “aumentar a dose”. Um extraordinário exemplo dos efeitos das TI não profissionais no local de trabalho é a popularidade do jogo online Candy Crush Saga. Um inquérito descobriu que 30% dos seus colaboradores se consideravam “viciados” no jogo e 28% admitiram jogar no trabalho.
Uso impróprio das TI
Outro aspecto do lado negro das TI é a ameaça de os colaboradores utilizarem os recursos das TI desadequadamente e de criarem “ataques” de tipos diferentes. As firewall e outras defesas das redes podem possivelmente impedir ataques do exterior. Contudo, nenhuma tecnologia de segurança pode impedir um colaborador com acesso autorizado ao sistema de computador de, por exemplo, obter informações confidenciais sobre a empresa e vendê- -las à concorrência. Vários estudos revelaram que os ataques de fontes internas são maiores em alcance e gravidade e podem resultar 10 vezes mais em registos em risco do que os ataques externos. Mais perturbador ainda, boa parte desses ataques são deliberados. Outros tipos de utilização interna imprópria de TI vão de comportamentos realmente maliciosos (como o roubo de dados empresariais importantes), a comportamentos não autorizados (como o acesso a partes não autorizadas da rede da empresa ou a utilização deliberada de software sem licença) a acções mais ingénuas como a abertura de um anexo de umemail desconhecido. Os comportamentos não autorizados e ingénuos perfazem a maioria dos casos de utilização imprópria das TI.
Talvez a motivação mais comum para a utilização imprópria das TI por parte de um colaborador, ironicamente, seja o desejo de ser mais eficaz.
Uma motivação ligeiramente mais fraca, mas mesmo assim importante, para uma má utilização da tecnologia é o desejo de ajudar os outros. O nosso estudo sugere que, mesmo quando os colaboradores entendem que esses comportamentos violam as regras vêem-nos como inócuos.
Infelizmente, esse tipo de utilização é difícil de combater: as exigências das TI aos utilizadores, como passwords difíceis de adivinhar e o bloqueio do acesso a certos websites e serviços, são vistas como um obstáculo e são por si uma forma de ansiedade que encoraja a utilização imprópria das TI. No mesmo estudo, descobrimos que os inquiridos que sentiam que as políticas de segurança na sua organização eram complexas e opressivas tinham muito mais probabilidade de justificarem a utilização imprópria.
Preocupação dos líderes
Porque deveriam os líderes seniores preocupar-se com estas questões? Primeiro, são um risco grave à produtividade e inovação. Quando mais tempo e esforço os colaboradores gastam a tentar manter-se atentos a todas as aplicações que aparecem, a lidar com o excesso de informação, a compreender como usar e aproveitar melhor as TI e a cometer erros, menos tempo têm para o trabalho que supostamente deveria ser apoiado pelas TI. Mais importante ainda, a corrida para responder às informações que chegam faz com que os colaboradores processem, rápida e ineficazmente, apenas as informações de que realmente precisam para fazerem o seu trabalho. Essa abordagem pode boicotar a inovação, a qual muitas vezes exige o processamento pausado e profundo de informações relevantes, variadas e, se possível, razoavelmente completas.
A distracção da utilização das TI e o seu fluxo inerente de informações também parecem interferir no desenvolvimento de relações – outra consequência potencialmente perigosa, já que muitos empregos na área dos serviços incluem fluxos possibilitados pela tecnologia e virada para as relações. Por outras palavras, quanto mais os colaboradores usam TI, menos eficazes são. Segundo, o uso excessivo de TI pode prejudicar o bem-estar dos colaboradores. Descobrimos exemplos em que os colaboradores se despediram porque concluíram que era demasiado complicado lidar e aprender a usar fluxos de trabalho/ aplicações em constante mudança.
Em dois estudos diferentes, um sobre a ansiedade de aplicações normais, como os sistemas empresariais e os emails, e outro sobre o vício dos aparelhos móveis/email, descobrimos que cada um deles estava relacionado com um desejo maior de deixar o emprego e com uma satisfação geral mais baixa em termos profissionais. Terceiro, existem riscos monetários e de reputação. A utilização imprópria das TI tem ramificações financeiras nas organizações. Em certos casos, pode dar origem a processos legais. A revelação pública de problemas causados pelo uso de TI por parte de colaboradores ou consultores também pode dar origem a publicidade negativa e a desvantagens competitivas para uma empresa. Um quarto risco é a integridade técnica e a viabilidade operacional do sistema empresarial de TI. Certas formas de vício, como os websites de jogos ou pornografia, são ímanes para infecções de malware.
Os comportamentos inconvenientes que não são sancionados e que são aparentemente moderados, como o uso de software sem licença, o download de anexos de email ou a partilha de passwords com colegas e de informações importantes com pessoas externas à empresa, podem colocar em risco os dados e os sistemas da organização. A utilização imprópria das TI também tem custos nas operações. O uso de software sem licença pode levar a períodos de inactividade significativos e ao envio ou recepção de vírus por email/phishing pode causar problemas no sistema. As práticas de partilha de passwords quebram a eficácia das medidas de controlo ao acesso técnico, comprometendo ao mesmo tempo as auditorias e a responsabilização. Os colaboradores viciados em redes sociais podem revelar informações sensíveis que não se podem compartilhar com pessoas de fora. E mesmo quando os segredos não são revelados, perde- -se muito tempo: na nossa pesquisa, descobrimos que os colaboradores que têm dificuldade em controlar o uso de redes sociais como o Facebook podem gastar muito tempo nestes sites à custa da tarefa que têm em mãos.
Podem fazer pausas mais longas, ser incapazes de cumprir um prazo, não ter atenção à informação confidencial e negligenciar as políticas de utilização de TI da empresa. Por fim, há riscos legais. Se certas condições legais forem cumpridas – como a clara quebra de dever pela organização em, por exemplo, não definir adequadamente o potencial para o vício em TI e a presença de possíveis danos para os colaboradores – os colaboradores podem argumentar que os empregadores são responsáveis, deixando a organização vulnerável a processos legais. De facto, tem sido notório algum esforço para estabelecer o vício na Internet como uma incapacidade, independentemente da sua origem ou causa. As organizações também podem ter de lidar com o problema de possíveis litígios relacionados com a violação de privacidade e assédio sexual através do uso imprudente e compulsivo de aplicações como as redes sociais no trabalho, mas não para trabalhar, por colaboradores viciados em tecnologia.
O que pode ser feito
A nossa pesquisa sobre falhas de segurança por parte dos colaboradores mostra que as atitudes da gestão de topo são um elemento crítico na promoção de comportamentos seguros aos colaboradores. “A gestão de topo deve comprometer-se a tornar a segurança um dos processos empresariais” foi um tema recorrente nas nossas entrevistas. Segundo, os líderes da empresa devem deixar os colaboradores serem circunspectos e atentos à forma como usam as TI e aos seus possíveis impactos positivos e negativos. Isto talvez se afaste e seja certamente um complemento à habitual mentalidade da liderança que se foca apenas nos benefícios da utilização das TI.
A liderança sénior deve encorajar os colaboradores a reflectirem não só na forma como usam as TI para ou no trabalho, mas no local de trabalho e em qualquer lugar. Mais de 65% dos colaboradores que inquirimos relevaram que se sentiam ansiosos com a diminuição da fronteira entre a vida pessoal e profissional. Todavia, a ideia bastante comum de que os colaboradores mais velhos se sentem ansiosos por terem “inseguranças tecnológicas” de não conseguirem manter o passo das novas tecnologias digitais parece ser apenas um mito. De facto, descobrimos que os colaboradores mais velhos são 15 a 20% menos ansiosos do que os mais jovens, possivelmente porque conseguem aproveitar a experiência e os conhecimentos do trabalho e do contexto organizacional para terem um uso mais apropriado das TI – como, por exemplo, não deixando ser interrompidos pelos telemóveis a não ser que a mensagem sejam efectivamente prioritária.
Os líderes devem promover eventos e práticas para um “uso sensato da tecnologia”, como tardes “livres de emails”. Se não o fizerem, é possível que o lóbi laboral comece a exigir práticas semelhantes. Terceiro, os líderes devem criar um clima que encoraje os colaboradores a compreenderem realmente as TI que usam profissionalmente. Perante aplicações de TI com mais funcionalidades do que o necessário, muitos inquiridos confessaram que “desligam” ou “usam o mínimo de informação para fazer boa figura”, o que, para eles, diminuía a eficácia do seu uso de TI. Descobrimos que a capacidade de dominar as TI muitas vezes é melhor atingida quando as empresas dão aos colaboradores os recursos para “brincar” e experimentar os aparelhos e aplicações.
Os utilizadores precisam de aprender em ambientes menos formais e mais enriquecedores, fora do paradigma de formação, estruturado e muitas vezes limitado. Assim que “falam” a língua da aplicação, os colaboradores tendem a sentir-se menos assoberbados pelo excesso de características ou distraídos pelas mais opulentas.
Líderes de TI
Tendo em conta o seu domínio e experiência, os líderes de TI têm a responsabilidade especial de instruir a organização sobre aspectos pertinentes dos sistemas de TI e aplicações que podem exacerbar ou mitigar o seu lado mais sombrio. Um dos nossos estudos revelou que um simples vídeo educacional sobre os riscos da utilização imprópria da Internet aumentou significativamente a motivação dos utilizadores para controlarem e reduzirem o uso da Internet. Os líderes de TI devem fornecer fóruns, como reuniões informais, para os colaboradores debaterem e partilharem com colegas as experiências, desafios e soluções relacionadas com as TI. Partilhar histórias com outras pessoas que conseguiram fazê-lo reduz alguma da ansiedade: os colaboradores cujas empresas os encorajam a partilhar experiências e a aprender com novas aplicações reportaram uma redução de 20% nos níveis de ansiedade, em comparação com os colaboradores de empresas que não o fizeram.
A propensão dos colaboradores para utilizarem desadequadamente os recursos de TI era aproximadamente 40% mais baixa nas organizações onde os líderes de TI faziam um esforço para fornecer continuamente formação em segurança. Os esforços para informar e educar utilizadores sobre o potencial risco das TI podem igualmente reduzir os incidentes por comportamentos ingénuos. Os tradicionais programas de formação em TI, que normalmente são exercícios isolados (a não ser que os colaboradores desejem especificamente outra coisa) feitos frente a frente ou electronicamente e que se concentram nas aplicações habitualmente usadas, conseguem abordar apenas uma parte das necessidades de formação dos colaboradores. Para a maioria das aplicações, os colaboradores precisam de compreender como combinar e usar características de forma diferente a fim de satisfazerem as suas necessidades e cumprirem as actividades específicas de cada um. Aprender a usar o sistema para usos pouco habituais normalmente envolve um processo de tentativa e erro para encontrar características, soluções e atalhos que funcionam, os quais podem ser diferentes de pessoa para pessoa.
Em vez de continuarem a instalar sistemas e a “atirá-los” aos utilizadores, os líderes de TI precisam de manter o contacto com os utilizadores por períodos de tempo significativamente mais longos após a implementação de um sistema. Precisam especialmente de informar os colaboradores em relação a características, como o arquivamento de emails, que podem potencialmente equilibrar o impacto negativo de, por exemplo, um excesso de informações. Descobrimos que os colaboradores que se sentiam informados e envolvidos reportaram menos 10% a 15% de ansiedade ao usarem as TI. É claro que continua a ser necessário o uso de “grades de protecção” na utilização imprópria das TI.
Os líderes de TI podem criar um ambiente que mantém a organização atenta e, até certo ponto, segura dos efeitos negativos numa base diária. Descobrimos que quanto mais os colaboradores conhecem contramedidas específicas relacionadas com a segurança, mais se sentem inclinados a seguir as políticas e os procedimentos de segurança. Envolver os colaboradores no design e implementação dessas contramedidas pode ajudar a aumentar a anuência e reduzir a utilização imprópria. A produtividade também pode ser melhorada pela dinamização de sistemas de forma a espelhar os fluxos de trabalho de importantes grupos de utilizadores de TI. Os líderes de TI também podem desenvolver aquilo a que se chama de sistemas “persuasivos” que “empurram” os utilizadores para um uso mais eficaz das TI. Dar aos utilizadores diferentes opções previamente criadas sobre como processar interrupções de, por exemplo, emails do trabalho ou informações das redes sociais pode ajudá-los a abordarem adequadamente as interrupções.
Descobrimos noutros estudos que a concepção de métodos simples para definir prioridades nas aplicações de TI com base na importância e na fonte das mensagens de interrupção levou a uma redução de 39% no tempo gasto pelos médicos a lidar com informações simultâneas de múltiplas fontes. Descobrimos que essas opiniões em tempo real também ajudam os colaboradores a reduzirem erros relacionados com o excesso de trabalho criado pelas TI, já que a persuasão pode ser direccionada para sugestões correctivas no momento da utilização – desde que, obviamente, as próprias opiniões não sejam intrusivas e não causem excesso de informações.
Os líderes de TI também podem encarregar o design e desenvolvimento de aplicações simples que analisam o tempo, extensão e tipo de utilizações de TI durante e após as horas de expediente. Os colaboradores podem usar este tipo de informação para ajudar a compreender quando o uso das TI se está a tornar um problema. Por fim, os líderes de TI podem desenvolver e implementar políticas que definam claramente o uso adequado e que proíbam a utilização imprópria dos recursos de TI da empresa. É importante, contudo, que estas políticas sejam compreensíveis e não sejam um obstáculo às tarefas habituais das pessoas, ou arriscam-se a que se tornem uma fonte adicional de ansiedade. Por exemplo, essas políticas devem explicar claramente as exigências técnicas das TI para colaboradores não técnicos.
A maioria das políticas relacionadas com o uso das tecnologias limita-se especificamente à forma como os utilizadores podem usar certos recursos de TI, como a partilha da impressora e de scanners. Estas políticas de utilização também devem alertar os colaboradores para – e ajudá-los a evitar – os riscos do vício em tecnologia. Essas políticas também criam uma protecção legal para as organizações, porque ao desenvolvê-las e implementá-las as empresas podem demonstrar que não quebraram o seu dever para com os seus colaboradores.