«O fluxo cada vez maior de dados e análises irá beneficiar as seguradoras»

Quais as grandes tendências do sector segurador em termos de inovação?

Num momento de desafio mundial, em que lutamos contra uma pandemia e navegamos quase à bolina, sem conhecermos ainda o seu real impacto em termos económicos e sociais, enfrentamos também uma profunda disrupção tecnológica. Nos últimos anos, o sector tem estado focado em responder a projectos regulatórios, estruturais para a actividade seguradora. Para além disso, têm-se verificado também projectos orientados para a melhoria da experiência de clientes, quer na contratação, quer na utilização do seguro, tornando os processos mais ágeis e intuitivos. Acredito que estes vão manter-se prioritários no curto/médio prazo, a par de um trabalho que permita tornar em inteligência os dados detidos pelas seguradoras, colocando-a ao serviço do negócio e da prestação de serviços ao cliente.

O pós-pandemia obrigará a um reposicionamento dos investimentos, bem como da sua dimensão. O desafio de fazer mais com menos já está lançado. Por outro lado, os avanços tecnológicos exponenciaram- se com o lockdown provocado pela pandemia e a necessidade de manter os serviços funcionais. Possivelmente, em três meses conseguiu-se acelerar e concretizar uma ambição que, no contexto “normal”, demoraria cerca de três anos. Em termos de grandes blocos de desenvolvimento, antevemos fortes movimentos na consecução de metodologias com capacidade de definição em tempo real, de preço, decisão de underwriting ou elegibilidade para sinistros. Saúde, mobilidade e agricultura são as linhas onde antecipo fortes e consistentes crescimentos.

Quais os grandes investimentos em inovação que estão a fazer neste momento?

Por um lado, a robotização de processos e procedimentos com vista à sua agilização e com o objectivo de elevar ao nível seguinte a nossa capacidade de resposta ao cliente, cumprindo e excedendo as suas expectativas em torno do serviço. Por outro, o igualar a excelência e exigência do Banco Santander no serviço aos seus clientes, os quais partilhamos, é também uma das áreas que implica um contínuo investimento. Por fim, estamos também a preparar os nossos repositórios de dados, optimizando a nossa capacidade de reter e trabalhar, extraindo informação de qualidade que nos permita, num curto prazo, melhorar a qualidade e rapidez dos nossos processos de subscrição e pricing de riscos, bem como de indemnização rápida de sinistros aos nossos clientes.

Como se caracteriza o consumidor actual?

O surgimento da economia de gig e o partilhar de experiências criam uma expectativa sobre a indústria seguradora, para entregar produtos alinhados com as necessidades e conseguir surpreender pela positiva os clientes. Cada vez mais, o consumidor tem uma expectativa e exigência que é transversal aos vários sectores de actividade, dos quais espera serviços inovadores, adequados ao seu caso. Adicionalmente também está atento à actuação em termos de propósito e valores das empresas/marcas. Hoje já se sente o surgimento de coberturas de nicho, o “quando eu preciso” e somente “pelo tempo que eu realmente espero estar em risco”, o que implica remodelar toda a experiência do cliente na utilização do seguro. Acredito que teremos, cada vez mais, apólices flexíveis, associadas a tecnologia móvel e análise de risco on demand, e estes são factores que abrem um novo paradigma. Por outro lado, temos a própria adequação dos serviços a prestar, em função de riscos que as pessoas e as empresas sentem nas suas vidas e que se alteram com o tempo. Por tudo isto, o momento é particularmente estimulante para o sector de seguros.

De que forma a Inteligência Artificial (IA) e o Machine Learning (ML) estão a contribuir para o desenvolvimento de novos serviços para este consumidor?

O modelo da indústria de seguros permaneceu constante durante anos, desenvolvendo coberturas para pessoas e empresas com base em factores de risco. No entanto, na próxima década, podemos ver a indústria mudar drasticamente de um foco de produto para um serviço de gestão de risco de valor agregado. Por exemplo, em vez de usar informações de risco apenas para definir uma política de preços, as seguradoras podem usar esses dados para ajudar as empresas a reduzir o risco/custo e aumentar a receita. Recorrendo a IA, as seguradoras começarão a entender melhor os riscos exclusivos dos seus clientes particulares ou empresas. Utilizando novos métodos de recolha de dados disponíveis, wearables, sensores – fontes de informação não disponíveis no passado –, as seguradoras serão capazes de aplicar métodos de subscrição e pricing, baseadas na utilização imediata, em vez dos modelos tradicionais, decorrentes de análise e algoritmos desenvolvidos a posteriori. Acredito que o desenvolvimento do Big Data irá manter-se, tornando-se disponível a uma escala sem precedentes, e o desafio para o sector será como agregar, decifrar e utilizar a informação. O fluxo cada vez maior de dados e análises irá beneficiar as seguradoras que melhor consigam separar o ruído da informação, gerando oportunidades. No entanto, temos de ter presente que métodos baseados em tecnologia conduzem a decisões boas e más, portanto, manter uma abordagem de subscrição de riscos criteriosa e sólida será a chave para o sucesso e solidez do sector segurador.

Apesar da inovação e tendo em conta as marcas de seguros que já existem apenas online, faria sentido que a venda de seguros ocorresse exclusivamente pela via digital?

Acredito que uma parte significativa do negócio continue a ser feito através da comercialização face to face. Este modelo continua a permitir que mais facilmente se identifiquem junto do cliente os riscos a que o mesmo está sujeito, bem como os seguros que melhor respondem a essas necessidades. Apesar do enorme esforço que o mercado segurador tem feito nos últimos anos, em tornar a sua comunicação mais transparente, clara, eliminando o “segurês”, bem como a qualidade dos programas de literacia financeira de seguros que têm sido implementados pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e pela Associação Portuguesa de Seguradores, há ainda um caminho a percorrer. O crescimento da venda digital estará correlacionado positivamente com um mercado mais maduro e conhecedor dos produtos e das próprias necessidades, situação que fará com que os clientes ganhem mais confiança numa compra online. No entanto, não tenho dúvidas que, num plano mais imediato, o digital ganhará um espaço essencial na prestação de serviço pós-venda ao cliente, onde a imposição será mais rápida e dominante.

Quais as principais preocupações em termos de segurança e como estão a ser endereçadas?

Os temas de segurança merecem toda a atenção para um sector que vive essencialmente da confiança que os clientes nele depositam. E naturalmente a avaliação contínua dos riscos associados a cada tomada de decisão e a melhor forma de os mitigar são hoje um dado essencial na gestão do negócio.

A segurança da informação é actualmente uma área crítica, atendendo aos riscos e impactos associados que podem ser de diversas naturezas; não é apenas um tema de índole tecnológica, pois requer uma devida estruturação na componente organizacional.

Num contexto em constante mutação, temos procurado adoptar meios que possibilitem gerir a segurança da informação de forma mais eficaz e eficiente, num processo gradual e continuado, atendendo às vulnerabilidades associadas à dinâmica organizacional, ao contexto regulatório e à realidade tecnológica.

Que alterações todas estas mudanças provocam a nível interno das seguradoras?

Claramente, na adopção de uma nova cultura de trabalho. Volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade caracterizam o ambiente em que actualmente vivemos, o chamado VUCA, que exige uma diferente resposta de todos: equipas e líderes. Novas formas de trabalhar, de pensar, implementar e comunicar, onde se privilegie o fluir da informação de forma transversal, a partilha do conhecimento e a complementaridade das equipas. O ritmo acelerado a que a mudança ocorre irá exigir uma maior capacidade de adaptação de todos.

Acredito que as pessoas continuarão a ser o futuro da nossa actividade e, consequentemente, devem ser a prioridade de hoje. Atraindo, desenvolvendo e motivando os melhores talentos, estaremos habilitados para inovar de forma contínua, proporcionando experiências de cliente positivamente inesquecíveis.

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