“O ecossistema Fintech Português tornou-se relevante a nível internacional”, diz António Ferrão

António Ferrão, board member da Portugal Fintech e director da Fintech Solutions, explica como é que um mercado de pequena dimensão se tornou num ecossistema relevante e plataforma de lançamento para o mercado europeu.  

Como surgiu a Portugal Fintech e quais as suas principais missões?
A Portugal Fintech foi criada em 2016 com o objectivo de mostrar internacionalmente que o ecossistema português de startups fintech tem tracção e maturidade. Na sua origem, a associação focava-se na ligação das startups a investidores, porque esse era o principal desafio, mas rapidamente evoluímos para outras dimensões de suporte às startups.
Hoje, somos uma associação sem fins lucrativos que tem como missão apoiar empreendedores e o ecossistema, como um todo, no acesso a capital, players maduros para parcerias, reguladores e talento.
Queremos ser o motor do ecossistema fintech em Portugal e a nível internacional, apostando sempre num mindset startup – “think big, start small, scale fast”.
Gerimos a Fintech House, o maior hub fintech em Portugal, publicamos o Portugal Fintech Report, a publicação mais compreensiva do ecossistema fintech português e lançámos a Fintech Solutions, uma consultora dedicada exclusivamente à criação de serviços financeiros digitais. 

Como caracteriza o ecossistema das fintech em Portugal?
Ao longo dos últimos quatro anos, o ecossistema fintech português consolidou- -se e tornou-se relevante a nível internacional. Ainda que continue a ser um mercado de pequena dimensão, tornou-se um ecossistema relevante, acima de tudo pelo talento e como plataforma de lançamento para o mercado europeu.
No que toca a investimento, Portugal começa a consolidar um conjunto relevante de VC locais, que trabalha em rede com VC globais. O desafio passa em parte por consolidar uma layer forte de business angels e early investors. A dimensão de early investors é crítica, visto que, em fases iniciais das startups, este investimento determina a sua sobrevivência até gerarem receita. Em fases mais maduras de investimento, o Portugal Fintech Report mostra que a maior parte dos investimentos tem origem estrangeira.
No que toca a startups, o ecossistema cresce, não só fruto de iniciativas nacionais, mas com uma elevada entrada de startups no país em fases iniciais, e com objectivo de estabelecer em Portugal a base para crescimento.  A este nível importa referir que cerca de 70% das startups fintech em Portugal estão no segmento B2B, ou seja, focadas em vender a outras instituições financeiras. Por fim, penso que importa destacar a evolução do ecossistema em termos de talento. A este nível, as dificuldades de recrutamento continuam a subir, acima de tudo a nível de engenharias, criando uma nova pressão nos recrutamentos e no trabalho remoto. 

Na sua opinião, como tem evoluído a relação das fintech com os bancos?
A cooperação entre instituições estabelecidas e startups é um bom indicador da maturidade do ecossistema como um todo. A este nível, os bancos em Portugal têm mostrado sinais de mudança e abertura, ainda que a ritmos distintos e, em parte, provocados pelos desafios da pandemia.
De forma genérica, os bancos iniciaram um processo de abertura ao ecossistema fintech em duas vertentes.
Por um lado, procuram novos fornecedores e parceiros que apresentam soluções disruptivas e seguras para complementar os seus sistemas e ofertas. Esta forma de colaboração tem vindo a mostrar-se muito interessante, encontrando apenas forte resistência em fases iniciais de definição do modelo de parceria.
Os bancos ainda têm dificuldade em gerir oportunidades e testar novas soluções em tempo útil. Por outro lado, começam a procurar formas de fornecer serviços bancários através de API a outras fintech. À medida que soluções de banking as a service proliferam no mercado, também os incumbentes procuram tirar proveito desta democratização.
A colaboração entre startups e incumbentes encontra tipicamente resistências a nível cultural ou de governance interno. Tal como referi, a maior resistência é encontrada em fases iniciais de prova do conceito, em que os bancos tipicamente não têm um processo organizado para estudar e testar a viabilidade de uma parceria.
Ao longo de 2022 e nos próximos anos é esperado que os bancos fortaleçam processos de experimentação com parceiros externos e que cargos como “head of finte-ch partnerships” ganhem nova relevância nas organizações.
Na Portugal Fintech, criámos em 2020 a Fintech Solu-tions, para ser um braço de consultoria interno que apoie estes temas de colaboração entre incumbentes e startups, especialmente nas fases de prova de conceito e MVP (minimum viable product). Desde a sua criação temos vindo a trabalhar com bancos e outro tipo de instituições com o objectivo de fortalecer a sua capacidade de inovar e adoptar tecnologias de startups fintechs. 

Como é que players maduros e fintechs podem andar de mãos dadas?
A capacidade de extrair valor do ecossistema fintech passa, em grande parte, pela capacidade do banco em compreender a realidade de uma startup. Esta aproximação cultural passa muitas vezes por recrutar ex-founders de startups para cargos de liderança da transformação ou inovação, ou por estabelecer parcerias com entidades próximas do ecossistema, como universidades ou hubs de inovação.
Em termos de futuro, os bancos irão tornar-se plataformas agregadoras de serviços de fintechs. Os bancos terão como principal asset uma grande base de clientes onde podem alavancar os serviços em formato Marketplace.
As fintechs vão tornar-se cada vez mais críticas para garantir a proximidade a esses clientes e também uma maior capacidade de os conhecer e aconselhar. À medida que os serviços bancários se tornam commodities, a relação com o cliente será a chave do crescimento. 

Que balanço é que faz do Programa Fintech 365?
O Fintech 365 foi uma experiência interessante, que representou um formato concentrado do trabalho que temos vindo a fazer de ligação entre players maduros e startups. Na prática criámos um programa de aceleração de provas de conceito com base em desafios concretos de seis instituições financeiras.
No que toca a balanço desta primeira edição, temos vindo a acompanhar as parcerias que foram estabelecidas; tanto as que seguiram para uma dimensão comercial como as que ficaram pela prova de conceito. No Fintech 365 tivemos oportunidade de trabalhar com top players do mercado, tanto do lado das instituições maduras como do lado das startups.
Em relação ao futuro, o ecossistema fintech precisa deste tipo de plataformas agregadoras e que geram pretexto para leads comerciais. No entanto, as startups são muito exigentes em relação ao formato e ao valor extraído destas iniciativas e, em 2022, queremos apostar em formatos inovadores, mantendo o foco na vertente digital e na interacção directa sobre use cases pré-seleccionados. 

De que forma é que o “venture capital” tem sido fundamental no desenvolvimento das fintechs no País?
O investimento é determinante no crescimento de startups em todos os ecossistemas a nível mundial, e Portugal não é excepção. Em Portugal, em 2021, o Top 30 de fintech do Portugal Fintech Report tinha levantado 437 milhões de euros, versus 275 milhões de euros em 2020. Este crescimento mostra como as startups em Portugal continuam a precisar de levantar investimento para continuar a crescer.
Com a pandemia, os próprios VC tornaram-se mais permeáveis a investir à distância, o que permitiu colocar as startups portuguesas em melhor posição.
Em 2022 vemos um elevado interesse de investidores estrangeiros no nosso ecossistema fintech. Este movimento é fundamental, não só porque os investidores nacionais actuam muitas vezes em parceria com outros investidores, mas também porque aumenta a concorrência de investidores, tornando as condições mais vantajosas para as startups.
O desafio passa, em alguns casos, por fases de investimento muito iniciais em que o ecossistema de early investors ou business angels não é capaz de dar a margem pretendida às startups nesse stage.
Da nossa parte continuaremos a apoiar o matchmaking de investidores com as nossas startups, pelo que poderão entrar em contacto caso tenham interesse nestas áreas. Da mesma forma, iremos organizar o Lisbon Welcomes Fintech, o nosso evento anual paralelo ao Web Summit, que junta startups e investidores. 

Qual o papel da regulação no crescimento do ecossistema fintech?
O ecossistema fintech é altamente regulado e a tendência é que seja cada vez mais, mas permitindo maior coexistência de soluções inovadoras. Temas como open banking ou blockchain desenvolvem-se ao ritmo da regulação e de case studies que vão sendo identificados como possíveis.
Neste aspecto, o Portugal Finlab é uma iniciativa única na medida em que os três reguladores mais relevantes para o ecossistema fintech, ASF, Banco de Portugal e CMVM, se juntaram para disponibilizar uma plataforma de interacção com as startups. O objectivo é permitir a uma startup compreender qual o enquadramento legal que se aplica ao seu negócio, permitindo criar proposta de valor compliant by design.
Porém, existem ainda oportunidades por explorar e a publicação do decreto que estabelece as Zonas Livres Tecnológicas vem abrir novas portas de colaboração entre reguladores, aceleradores do ecossistema e startups. 

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