Viver sozinho nestes locais é quase impossível. Para arrendar um T1 é preciso desembolsar mais de metade de um salário

A realidade de arrendar uma casa sozinho tornou-se inacessível para muitos portugueses, especialmente nas zonas costeiras. Em municípios como Cascais, Lisboa e Amadora, viver num T1 de 55 m² exige que se gaste mais de metade do salário mensal, uma situação que se tem vindo a agravar nos últimos anos. Um estudo conduzido por Miguel Salema, investigador da Católica Lisbon, revela que, em 35 dos 50 municípios mais populosos de Portugal, um português com rendimento mediano necessita de gastar mais de 30% dos seus rendimentos para arrendar um T1.

Em algumas zonas, como Odivelas, Almada e Porto, a percentagem necessária para cobrir a renda de um T1 ultrapassa os 40%. No entanto, é em Cascais, Lisboa e Amadora que o problema é mais acentuado, obrigando os residentes a destinarem mais de 50% dos seus rendimentos para cobrir as rendas mensais. O estudo de Salema, partilhado com o Expresso, destaca que esta situação se agravou nos últimos quatro anos, entre 2019 e 2023, afetando com maior intensidade os concelhos do litoral.

O estudo mostra que, em 2019, um português comum destinava cerca de 29,7% do seu rendimento para arrendar um T1, enquanto em 2023 essa percentagem subiu para 35,3%. Este aumento de 5,6 pontos percentuais num curto período de quatro anos reflete a crescente dificuldade de acesso à habitação. Na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a situação é ainda mais grave, com um aumento médio de oito pontos percentuais. Em nenhum dos 18 concelhos da AML é possível viver sozinho sem que a taxa de esforço ultrapasse os 30%, um valor que os bancos consideram excessivo para conceder créditos.

Miguel Salema utilizou dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e da Autoridade Tributária para calcular o rácio entre as rendas medianas e os rendimentos medianos em cada concelho. Segundo o investigador, o facto de este rácio ser tão elevado em tantos municípios explica, em parte, o motivo pelo qual os jovens portugueses saem de casa dos pais mais tarde. A idade média de emancipação em Portugal é de 29,1 anos, três anos acima da média da União Europeia. Em países como Finlândia, Dinamarca e Suécia, os jovens saem de casa aos 21 anos.

Histórias de quem vive na pele esta realidade

Tiago Valente, de 32 anos, é um exemplo desta dificuldade em viver sozinho. Residente no Porto há 14 anos, Tiago nunca conseguiu viver por conta própria devido ao valor das rendas e aos baixos salários. “Nunca pude viver sozinho essencial e determinantemente devido ao valor das rendas e aos salários”, afirma ao semanário. Com um curso de Estudos Literários, trabalha agora na área de certificação de cursos de veterinária. Partilha casa com quatro pessoas num prédio antigo no centro do Porto, pagando 300 euros por um quarto, sem despesas incluídas. “Aos 32 anos, não consigo ter autonomia nem por via de arrendamento, nem de crédito para comprar casa”, lamenta.

A situação de Gisela, uma escritora e artista de 39 anos, é igualmente crítica. Após três anos a dividir uma casa com um amigo na Penha de França, em Lisboa, com cada um a pagar 400 euros, viu o contrato terminar e desde então tem enfrentado dificuldades para encontrar uma nova solução habitacional. “Cheguei a ver anúncios de 800 euros por um quarto com duas camas ou um T0 a 690 euros que era um buraco”, conta. Desde que chegou a Lisboa em 2015, Gisela tem partilhado sempre casa, vivendo no máximo três anos no mesmo local. A pressão da habitação levou-a a questionar o seu futuro: “Há uma altura em que pensamos: sou eu que não estou a trabalhar o suficiente? Será que o problema é meu? Será que a solução é emigrar?”

O movimento Porta a Porta, que defende o direito à habitação, alertou para o agravamento da situação. “As pessoas perdem a casa e têm muita dificuldade em encontrar outra solução”, afirma André Escoval, porta-voz do movimento. A crise não se limita aos grandes centros urbanos, com casos registados até no Alentejo e Açores. Em Ponta Delgada, as rendas têm subido a um ritmo sem precedentes, exemplificando a gravidade da situação em todo o país.

Sandra Marques Pereira, investigadora do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território do ISCTE, aponta que a crise habitacional está a ter um impacto profundo nas várias dimensões da vida das pessoas, desde o trabalho à saúde mental. “Uma das dimensões da atual crise é a insegurança de muitas pessoas que, tendo casa, não têm garantia de que a consigam manter, e a grande vulnerabilidade concentra-se no arrendamento”, afirma. A crise afeta ainda a formação, a parentalidade e a independência dos indivíduos.

Miguel Salema, por sua vez, sublinha que o aumento das rendas tem sido muito mais acentuado do que o aumento dos salários nos 50 concelhos mais populosos do país. “A percentagem de rendimento necessário para suportar uma renda de um T1 cresceu 6 pontos percentuais nos concelhos do litoral e 3,5 pontos percentuais no interior”, explica. Nazaré é o exemplo mais drástico, onde o rácio entre renda e rendimento subiu de 26% para 42% em quatro anos.

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