O “Convidado”: conheça o mentor palestiniano por trás da incursão mortal em Israel
“À luz dos contínuos crimes contra o nosso povo, à luz da orgia de ocupação e da negação das leis e resoluções internacionais, e à luz do apoio americano e ocidental, decidimos pôr fim a isto tudo para que o inimigo entenda que não pode festejar mais sem ser responsabilizado.” Horas antes do ataque a Israel, Mohammed Deif, comandante da ala militar do grupo palestiniano Hamas e um dos mentores da incursão, deixou o aviso antes do ataque do passado sábado que já causou mais de mil mortos.
Em poucas horas, o Hamas desferiu um ataque sem precedentes contra Israel, ao mesmo tempo que levou dezenas de reféns – estimados em cerca de 100 – para o enclave. Para Deif, cujo nome de guerra quer dizer “Convidado”, este foi o seu ataque mais audacioso e mortal até agora. Perseguido por Israel durante décadas, e quase morto num ataque aéreo há 20 anos, a capacidade do líder palestiniano em enganar os militares de Israel e ao mesmo tempo matar soldados inimigos e civis fizeram merecer a reverência dos militantes palestinianos.
Com o ataque de surpresa, Deif catapultou-se para os mais altos escalões da liderança palestiniana, eclipsando os rivais da moderada Fatah e os homólogos no Hamas. “Mesmo antes disso, Deif era uma personalidade sagrada e muito respeitado tanto dentro do Hamas como pelos palestinianos”, referiu Mkhaimar Abusada, professor de política na Universidade Al-Azhar, em Gaza – a recente operação tê-lo-á transformado numa figura “como um deus para os jovens”.
No conflito, o principal destaque é o elevado número de reféns transportados para Gaza – recorde-se que Israel entregou mais de mil prisioneiros palestinianos para libertar um soldado, Gilad Shalit, após cinco anos de cativeiro pelo Hamas em 2011. “O Hamas compreende muito bem que, quando se trata de manter prisioneiros israelitas, tudo o que necessitam é paciência”, frisou um diplomata regional que ajudou a negociar a libertação de Shalit. “Com o tempo, os israelitas vão causar pressão. Tudo o que o Hamas precisa de fazer é esperar.”
Mohammed Deif é descrito como um homem calmo e intenso, desinteressado nas rivalidades nas fações palestinianas: está determinado a mudar a natureza do conflito e usar a violência como meio privilegiado. “Deveríamos lutar contra os israelitas dentro de Israel e demolir a sua fantasia de que podem estar seguros em terras ocupadas”, referiu um ex-combatente palestiniano que conheceu Deif no início do século, citado pelo ‘Financial Times’.
Tal como acontece com outros membros do Hamas, Deif viu os Acordos de Oslo, que no final da década de 1990 continham brevemente a promessa de um acordo de paz negociado, como uma traição à sua resistência e ao objetivo original de substituir Israel por um Estado palestiniano. “Deif tentou iniciar a segunda guerra de independência de Israel”, referiu Eyal Rosen, coronel reformado do exército de Israel. “O objetivo principal é – passo a passo – destruir Israel. Este é um dos primeiros passos – isto é apenas o começo.”
Deif, ex-fabricante de bombas e arquiteto de um programa de uma década para cavar uma rede de túneis sob Gaza, nasceu como Mohammed Diab Ibrahim al-Masri no campo de refugiados de Khan Younis durante a década de 1960. O próprio nome é um mistério: pessoas que o conheceram na década de 1980 dizem que já naquela época atendia pelo nome de Deif, enquanto outras disseram que o conheciam pelo nome de nascimento. No domínio público há apenas uma foto sua, granulada.
Dentro do Hamas, Deif mostrou-se contra da complicada ‘dança’ pela qual o Hamas concordaria em interromper os combates em troca de fundos adicionais para a Faixa de Gaza – embora este acordo tenha ajudado a gerir ciclos de violência, também levou a quatro guerras em 2009, 2011, 2014, 2021… até este sábado, o que mudou tudo. “Esta ação terrorista acabou com esta prática para sempre”, garantiu um responsável israelita sobre o ataque deste sábado. “Agora não haverá trégua, apenas retaliações.”