Nova lei da droga tem garantido a absolvição de traficantes condenados: “protege o tráfico”, aponta especialista
A nova lei da droga, que entrou em vigor há cerca de um ano, tem garantido que alguns condenados por tráfico sejam absolvidos, mesmo que tenham sido detidos com mais estupefaciente do que o necessário para consumo durante 10 dias. De acordo com o ‘Jornal de Notícias’, há quem defenda as vantagens da lei, mas também quem critique o que parece ser a proteção do traficante.
No novo texto da lei ficou estabelecida a diferença entre o que é tráfico e consumo – ou seja, crime ou contraordenação. Até há um ano, a posse de droga para mais de 10 dias de consumo, medida pela tabela, era sempre considerado crime. Agora, é indício de tráfico. Ou seja, quando não há outras provas da prática de tráfico, o arguido pode alegar que esta se destina a consumo, mesmo em quantidades superiores às tabeladas.
Os casos sucedem-se: em 2022, recordou o jornal diário, a GNR de Setúbal apanhou um jovem com 44 gramas de haxixe: foi punido por tráfico, uma vez que, por tabela, só podia ter 5 gramas. O arguido recorreu e foi absolvido pelo Tribunal da Relação de Évora uma vez que, sob a nova lei, “não se vislumbrou nenhuma outra conduta relacionada com as substâncias apreendidas, distinta do consumo”. Já em 2020, em Viana do Castelo, dois homens detidos pela GNR com 4 gramas de heroína e 3 de cocaína, que viriam a ser absolvidos pela Relação de Guimarães.
No entanto, a nova lei não é um ‘livre-trânsito’: quando a quantidade apreendida é muito superior à prevista na tabela, os tribunais estão a condenar. Na Maia, em 2019, um homem foi detido com 470 gramas de haxixe no carro: a Relação do Porto manteve a condenação de primeira instância devido “ao transporte de quantidade significativamente elevada”.
Pedro Miguel Carvalho, advogado especialista em direito penal, salientou que os tribunais de primeira instância têm absolvido os arguidos “quando não se apure e prove atividade de venda e as quantidades de estupefaciente sejam relativamente reduzidas”, mas tendem a condenar “quando as quantidades já são mais elevadas”. De acordo com o especialista, a alteração legal impunha-se “há muito” uma vez que continuava a criminalizar o consumo. João Goulão, presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências, salientou que a nova lei “trouxe alguma discricionariedade” na distinção entre consumo e tráfico, mas “não causou grandes entropias ou dificuldades” sociais.
No entanto, Nélson Carvalho, diretor da Unidade de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira, a nova lei foi “uma forma encapotada de legitimar o tráfico”, o que “protege o traficante”. “Como é que se pode distinguir o tráfico do consumo se não há uma métrica?”, apontou, salientando que “vai haver mais droga na rua com as zonas cinzentas criadas pela nova lei”.