“Normalização do racismo”? Preocupação cresce com possível vitória da extrema-direita nas eleições na Áustria

À medida que a Áustria se prepara para as eleições parlamentares no próximo domingo, o cenário político do país está dominado pela ascensão da extrema-direita. O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), conhecido por sua agenda anti-imigração e anti-Islão, pode emergir como o partido mais votado pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Esta potencial vitória levanta preocupações tanto a nível nacional como internacional, com muitos a temerem que as políticas do FPÖ venham a intensificar o racismo e a discriminação no país.

Em junho, após a vitória nas eleições europeias, o FPÖ propôs a criação de um comissário da União Europeia para a “remigração”, encarregado de facilitar o retorno forçado de migrantes e de cidadãos com antecedentes migratórios aos seus países de origem. Embora esta sugestão tenha passado relativamente despercebida na Áustria, a reação contrastou fortemente com a Alemanha, onde alegações de que membros do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) discutiram um plano semelhante provocaram manifestações em massa.

Farid Hafez, investigador sénior na Universidade de Georgetown, destaca, em entrevista ao The Guardian a gravidade do momento: “Na Áustria, eles sugeriram abertamente que a União Europeia deveria ter um comissário para a remigração, e não houve protesto. Esta é a normalização do racismo que a extrema-direita conseguiu atingir, e que agora faz parte da política diária austríaca”, afirmou Hafez.

Uma mudança significativa na política austríaca
O FPÖ foi fundado nos anos 1950 por ex-nazis e, durante décadas, manteve-se à margem da política. Contudo, o partido começou a ganhar força no início dos anos 2000 ao adotar uma retórica fortemente anti-Islão, capitalizando o medo e a desconfiança da população para angariar votos. A estratégia funcionou, e o FPÖ começou a conquistar uma posição central na política austríaca. Em 2000, uma das suas maiores vitórias resultou numa entrada no governo, levando à condenação internacional e ao isolamento da Áustria no seio da União Europeia.

O partido continua a usar a imigração e o Islão como os seus principais temas de campanha, tendo o seu manifesto de 90 páginas apelado à promoção da homogeneidade, à redução dos pedidos de asilo e à limitação das reunificações familiares para pessoas já presentes na Áustria.

Hafez, que também é austríaco e trabalha no projeto The Bridge Initiative da Universidade de Georgetown, considera que “não se deve subestimar o facto de que estas pessoas provêm de uma ideologia profundamente racista”, referindo-se às raízes históricas do FPÖ. O especialista sublinha ainda que a islamofobia se tornou parte do discurso dominante, ultrapassando as fronteiras da extrema-direita e sendo adotada por partidos mais tradicionais, como o Partido Popular Austríaco (ÖVP).

A retórica anti-imigrante e anti-islâmica do FPÖ afeta diretamente cerca de 700 mil pessoas na Áustria, desde muçulmanos praticantes até aqueles com ascendência muçulmana. Hafez afirma que “os muçulmanos não estão em segurança” no país, não só por causa do discurso político, mas também devido às políticas restritivas de cidadania, que tornam muito difícil para muitos imigrantes obterem o direito de voto. “Essas pessoas são um alvo fácil, e ninguém vai retaliar”, acrescenta.

A ONG austríaca Zara, que trabalha em prol da coragem civil e contra o racismo, sublinha que o discurso político atual tem consequências claras e profundamente sentidas. A organização cita ao mesmo jornal inglês exemplos como ataques incendiários a centros de asilo e violência policial, indicando que “este discurso político legitima o discurso de ódio, a discriminação e a violência, frequentemente direcionada a mulheres que usam hijabs, requerentes de asilo e pessoas de cor”.

Se o FPÖ conseguir formar um governo, a Zara teme que as organizações que prestam apoio crucial a estas comunidades possam ser enfraquecidas, comprometendo ainda mais a já frágil rede de segurança social para os grupos mais vulneráveis.

O FPÖ tem há muito tempo utilizado a imigração como um ponto central no seu discurso, relacionando-a com praticamente todos os problemas políticos e sociais. Bernhard Weidinger, investigador sénior no Centro de Documentação da Resistência Austríaca, sublinha que “o partido mostrou uma forte tendência para ‘etnicizar’ qualquer debate político”. Sejam discussões sobre criminalidade, habitação, o estado social ou o mercado de trabalho, o FPÖ tende a enquadrar tudo como um “problema de estrangeiros” ou “problema de imigração”, afirma.

Esta estratégia tem deixado uma marca indelével na perceção pública. Weidinger aponta para o facto curioso de que o partido tende a ter bons resultados eleitorais em áreas onde há poucos imigrantes. “Essas pessoas não experienciam a imigração em primeira mão. Mas leem sobre isso, ouvem falar disso”, diz o investigador.

A incerteza das eleições
Com 70 anos de existência e dois períodos como parceiro júnior em governos de coligação, o FPÖ teve uma influência singular sobre a política austríaca. De acordo com Laurenz Ennser-Jedenastik, professor de política na Universidade de Viena, o partido moldou o discurso sobre imigração de forma mais profunda do que a maioria dos outros partidos.

Valerie Mussa, da Comunidade Islâmica na Áustria, considera que este impacto se reflete no quotidiano dos muçulmanos no país. “O racismo anti-muçulmano tornou-se uma experiência diária para muitos muçulmanos na Áustria, seja na rua, nos transportes públicos, nas escolas, no mercado de trabalho ou no mercado imobiliário”, afirma. “Não são apenas ataques físicos e verbais ou graffiti nas mesquitas, mas também discriminação institucional e o aumento do ódio online.”

Enquanto se aproximam as eleições de domingo, muitos eleitores encaram o futuro com apreensão. “As eleições oferecem-nos a oportunidade de moldar o futuro do país”, diz Mussa. “Mas há muitas preocupações sobre o que os próximos anos trarão, quais as políticas que vão decidir, e que direitos poderão tentar cortar. Não sabemos o que o futuro reserva.”

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