Nitazenos: Novos opioides sintéticos mais potentes do que o fentanil ameaçam criar crise global de drogas

Uma nova classe de opioides sintéticos, potencialmente mais mortais do que o fentanil, está a surgir rapidamente em várias partes do mundo, incluindo nos EUA, e cientistas estão a correr contra o tempo para descobrir como detetá-los no fornecimento de drogas. Estes opioides, conhecidos como nitazenos, representam uma nova e grave ameaça à saúde pública, alertando para uma potencial crise de drogas a nível global.

Nas últimas semanas, os nitazenos estiveram implicados em quatro mortes por overdose em Manchester, Inglaterra, foram encontrados em mais de 2.500 comprimidos falsificados de oxicodona em Hamilton, Canadá, e foram detetados pela primeira vez nos Países Baixos. Nos Estados Unidos, a Agência de Combate às Drogas (DEA) já emitiu avisos sobre a sua presença em Washington D.C.

Os nitazenos são uma classe de opioides sintéticos desenvolvidos inicialmente nos anos 1950, mas que nunca chegaram ao mercado. Segundo Claire Zagorski, estudante de doutoramento na Universidade do Texas, Austin, especializada em análise de drogas, estas substâncias foram abandonadas pelas empresas farmacêuticas após o seu desenvolvimento. “As empresas arquivaram a patente e o processo de síntese, que acabou por ser redescoberto por pessoas no mercado ilícito”, explica.

Crescimento rápido e impacto global

Apesar de terem sido detetados pela primeira vez nos EUA em 2019, os nitazenos parecem ter-se disseminado rapidamente nos últimos meses. Christophe Stove, professor no laboratório de toxicologia da Universidade de Ghent, na Bélgica, alerta ao The Guardian para a possibilidade de uma nova crise de drogas, uma vez que os “ingredientes estão reunidos”. O recente banimento da produção de papoila pelo Talibã no Afeganistão gerou uma escassez de heroína no mercado ilícito, especialmente na Europa, onde este opioide ainda é mais popular do que o fentanil. Os nitazenos poderiam, assim, surgir como uma alternativa mais barata e facilmente acessível para preencher esta lacuna.

Zagorski, que estudou a síntese da isotonitazeno, uma das variantes mais comuns desta classe de opioides, confirmou que a sua produção é barata e pode ser realizada com ingredientes legalmente disponíveis.

Potência e perigos acrescidos

Uma das características mais preocupantes dos nitazenos é a sua elevada potência. Alguns dos nitazenos são significativamente mais potentes do que o fentanil, que, por sua vez, já é cerca de 100 vezes mais forte do que a morfina. Christophe Stove referiu que, segundo estudos em animais, o nitazeno mais potente conhecido, o etonitazeno, é “cerca de 40 vezes mais ativo do que o fentanil”. Outras variantes de nitazenos têm diferentes níveis de potência, dependendo da sua estrutura química, variando de menos potentes a substancialmente mais fortes do que o fentanil.

Essa elevada potência coloca um desafio adicional aos esforços de detecção e monitorização. Richard Bade, investigador sénior na Universidade de Queensland, Austrália, liderou um estudo para tentar detetar nitazenos nas águas residuais, um método também utilizado para monitorizar os níveis de Covid-19 nas comunidades. Contudo, Bade destacou que a potência dos nitazenos torna a sua deteção bastante difícil, uma vez que as concentrações no esgoto podem ser muito baixas, mesmo que estas substâncias estejam presentes numa determinada comunidade.

A maior potência dos nitazenos também aumenta o risco de sobredosagem, especialmente quando os utilizadores não sabem que estão a consumi-los. Stove sublinhou que, quando os fabricantes ilícitos não misturam adequadamente os comprimidos, estes podem conter quantidades perigosamente elevadas de nitazeno. “Se tiver o azar de apanhar um comprimido com mais nitazeno, pode sofrer uma sobredosagem”, alertou.

Nos últimos tempos, os nitazenos têm vindo a aparecer em drogas de rua disfarçadas de outros medicamentos, como Xanax ou oxicodona. Isto representa um perigo significativo para os utilizadores que não desenvolvem tolerância aos opioides, uma vez que a exposição a opioides de alta potência, como os nitazenos, aumenta drasticamente a probabilidade de sobredosagem.

Desafios na deteção e prevenção de overdoses

Testes simples, como as tiras de teste de fentanil, são uma ferramenta frequentemente utilizada pelas organizações de redução de danos para ajudar a prevenir overdoses. No entanto, essas tiras de teste não detetam os nitazenos, devido às diferenças químicas entre estes opioides e o fentanil. Embora uma empresa já tenha começado a fabricar tiras de teste específicas para nitazenos, estas ainda não estão amplamente distribuídas.

Stove e os seus colegas publicaram recentemente um estudo sobre a eficácia destas tiras de teste, concluindo que, embora sejam geralmente funcionais, podem não detetar todas as variantes de nitazeno. “Se não obtiver um resultado positivo, isso não significa que a droga seja segura”, explicou Stove, sublinhando que as tiras de teste podem apenas verificar uma substância de cada vez.

Zagorski também destacou que, apesar de métodos mais avançados de deteção, como a cromatografia gasosa ou a espectrometria de massa, serem o “padrão-ouro” para a verificação de drogas, estes sistemas são caros e difíceis de operar. Nos EUA, onde o laboratório de Zagorski está sediado, o uso de ferramentas de verificação de drogas, incluindo máquinas GC/MS e tiras de teste, é ilegal em alguns estados, complicando ainda mais os esforços de prevenção.

Europa na vanguarda da investigação

Embora os desafios sejam muitos, Zagorski expressou alívio ao ver que investigadores europeus, como Christophe Stove, estão a fazer progressos na investigação e deteção de nitazenos. “A Europa tem leis muito mais progressistas neste tipo de questão e conseguem realizar testes muito mais rapidamente”, afirmou. Nos EUA, por outro lado, a investigação do fornecimento de drogas ainda enfrenta barreiras culturais e legais significativas, com muitos a questionarem as motivações por trás desse tipo de estudo.

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