Neta do fundador da Comunidade Judaica do Porto apresenta queixa contra Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Deu entrada, pela mão de Isabel Barros Lopes, neta do Capitão de Infantaria Arthur Barros Basto, uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), visando a reintegração póstuma do seu avô no exército português. A separação do serviço de Barros Basto, em 1937, devido à sua participação em circuncisões de alunos do Instituto Teológico do Porto, motivou a ação judicial. O caso, já noticiado em meios de comunicação europeus, israelitas e norte-americanos, ganhou relevância devido às semelhanças com o famoso caso do Capitão Alfred Dreyfus, em França.

Arthur Barros Basto, muitas vezes comparado ao Capitão Dreyfus, ambos judeus e vítimas de processos discriminatórios, foi um dos fundadores da Comunidade Judaica do Porto em 1923. Juntamente com judeus oriundos do Leste da Europa, Barros Basto liderou esforços para trazer de volta ao judaísmo centenas de Marranos portugueses, mas acabou por ser alvo de uma campanha de difamação com base em denúncias anónimas. Estas acusações culminaram na sua expulsão do exército, privando-o de salário, pensão, benefícios sociais, títulos e insígnias militares, segundo assinala a queixa, apresentada em setembro, e que agora ganha nova força com a publicação de um livro sobre o tema.

A neta de Barros Lopes, Isabel Barros Lopes, que viveu com o avô até aos sete anos de idade, testemunhou os esforços infrutíferos da sua mãe, Miriam Azancot, e da sua avó, Lea Azancot, para obterem a reintegração de Barros Basto. O capitão faleceu em 1961, sempre com a esperança de que um dia lhe seria feita justiça, como afirmou no seu leito de morte: “Ainda um dia me farão justiça!”

Desde 2011, Isabel Barros Lopes tem encetado vários esforços para corrigir a injustiça feita ao seu avô. Em 2012, o parlamento recomendou ao governo a reintegração de Barros Basto, e em 2013 o exército propôs a sua reintegração póstuma com o posto de coronel. Ambas as decisões reconheceram que Barros Basto foi vítima de segregação político-religiosa. No entanto, nenhuma decisão final foi tomada até hoje.

A situação tornou-se ainda mais complexa com a aprovação da Lei n.º 28/2018, uma iniciativa do Bloco de Esquerda destinada a reintegrar militares injustamente despedidos. Embora os proponentes da lei tenham informado Isabel Barros Lopes de que o caso do seu avô poderia finalmente ser resolvido, a lei não foi aplicada, uma vez que o governo argumentou que apenas o próprio militar poderia solicitar a sua reintegração. Barros Lopes respondeu lembrando que o seu avô faleceu em 1961, tornando tal exigência impossível.

Frustrada com a falta de progresso, Isabel Barros Lopes recorreu ao TEDH, e argumenta no processo que o Estado português violou o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante a todos o direito a um processo justo e a uma decisão num prazo razoável. A queixosa alega que foi vítima direta da violação destes direitos e que esgotou todos os recursos possíveis ao longo das últimas décadas, sem que o Estado português tenha demonstrado vontade ou capacidade para resolver o caso.

Na sua petição, Barros Lopes solicita ao TEDH que inste o Estado português a reintegrar postumamente o seu avô com o posto de coronel e a oferecer uma desculpa formal à sua família. Refere ainda que o processo contra o seu avô, que se arrasta há quase um século, é “miserável” e pede uma “reparação razoável” pelos danos causados.

Atualmente, Isabel Barros Lopes é Vice-Presidente da Comunidade Judaica do Porto, que foi fundada pelo seu avô. Em 2019, a Comunidade produziu o filme “Sefarad”, que relata o julgamento e a injustiça sofrida por Barros Basto na década de 1930. Mais recentemente, foi publicado um livro em inglês na Amazon intitulado “The Portuguese Dreyfus Case: A scandal from 1937 heard in the European Court of Human Rights in 2024” (‘O Caso Dreyfus Português: Um escândalo de 1937 chega ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2024′), que explora os detalhes deste processo e o impacto que teve na família e na comunidade judaica portuguesa.

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