Nestlé e Starbucks acusadas de exploração e trabalho infantil nas plantações de café na China
Um relatório da organização China Labor Watch revelou alegadas violações de padrões laborais em explorações agrícolas que fazem parte das cadeias de fornecimento de Starbucks e Nestlé na China. Entre as irregularidades apontadas estão trabalho infantil, horas de trabalho excessivas e condições de segurança inadequadas, práticas que contrariam os padrões éticos declarados pelas multinacionais.
O estudo, conduzido pela organização de direitos humanos sediada em Nova Iorque, envolveu visitas disfarçadas a 26 explorações agrícolas na região montanhosa de Pu’er, na província de Yunnan. Conhecida tradicionalmente pela produção de chá, esta região tem-se destacado como o principal centro de cultivo de café da China, responsável por cerca de metade da produção nacional.
Embora a China represente menos de 1% da produção global de café, o consumo da bebida no país tem crescido rapidamente, com um mercado avaliado em 40 mil milhões de dólares e um crescimento anual de 17% em 2023. Empresas como Starbucks e Nestlé têm liderado esta transformação, mas as recentes alegações lançam dúvidas sobre o cumprimento dos seus compromissos éticos.
Acusações de irregularidades
De acordo com a China Labor Watch, grande parte das violações ocorreram em “explorações-fantasma”, pequenos terrenos familiares que fornecem informalmente grandes propriedades certificadas pelas multinacionais. Este esquema permite que as grandes propriedades cumpram os seus objetivos de produção, mas mantém práticas laborais inadequadas fora do alcance das auditorias regulares.
Os investigadores apontaram que os trabalhadores destas explorações são pagos com base no peso do café colhido, o que frequentemente os leva a trabalhar do amanhecer ao anoitecer, sete dias por semana, durante a época de colheita. Esta prática viola os padrões laborais da Starbucks e da Nestlé, que limitam a semana de trabalho a 48 horas e garantem condições de segurança e saúde aos trabalhadores.
Entre as violações relatadas, os trabalhadores afirmaram não receber licenças por doença ou férias pagas, e muitos não tinham contratos formais ou acesso a seguros de saúde. A falta de equipamento de proteção, como luvas, foi também apontada, resultando em lesões frequentes devido ao trabalho árduo em terrenos acidentados e sob intensa exposição ao sol.
Além disso, foram documentados dois casos de crianças menores de 16 anos a trabalhar nas explorações. Segundo testemunhas locais, é comum que crianças ajudem durante as férias escolares de inverno, com algumas abandonando a escola a partir dos 12 anos para trabalhar em tempo integral.
Empresas vão investigar suspeitas
Starbucks e Nestlé afirmaram adotar medidas rigorosas para prevenir irregularidades, mas comprometeram-se a investigar as alegações.
Marc Birtel, diretor de comunicações internacionais da Starbucks, afirmou ao Washington Post que os acordos com os fornecedores exigem o registo detalhado da produção e das compras, e que a empresa realiza auditorias regulares com verificadores externos. “Estamos empenhados em investigar completamente estas alegações assim que tivermos acesso a todos os detalhes”, disse Birtel num comunicado.
Por sua vez, Claudia Afonso, porta-voz da Nestlé, garantiu que a empresa impõe requisitos de conformidade com as leis locais e normas de abastecimento responsável, monitorizados através de visitas não anunciadas e auditorias de terceiros. “Levamos estas alegações muito a sério e já contactámos os nossos fornecedores para investigar cuidadosamente e, se necessário, tomar medidas corretivas”, declarou.
Esta não é a primeira vez que Starbucks e Nestlé enfrentam acusações de falhar em cumprir os seus próprios padrões éticos. A Starbucks já foi criticada por práticas em cadeias de fornecimento no Brasil e no Quénia, enquanto a Nestlé foi investigada por alegações semelhantes no Brasil e em plantações de cacau na Costa do Marfim.
Li Qiang, fundador e diretor executivo da China Labor Watch, explicou que a prática de empregar trabalhadores informais sem documentação rastreável é comum no mercado laboral chinês, dificultando a monitorização por consumidores e obscurecendo responsabilidades nas cadeias de fornecimento.
As denúncias surgem num momento em que a cultura do café na China continua a expandir-se. A Nestlé foi pioneira na introdução de práticas de cultivo profissional em Yunnan na década de 1980, em parceria com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Já a Starbucks chegou à China em 1999, contribuindo para popularizar o café entre a classe média emergente e investir em explorações agrícolas locais desde 2010.
As autoridades chinesas têm incentivado o cultivo de café como uma forma de atrair investimento internacional e criar prosperidade em aldeias rurais. Em Pu’er, o número de agricultores de café cresceu 250% na última década, com mais de um milhão de produtores em Yunnan a gerir 87 mil hectares de plantações em 2021.