Negar relações sexuais, recusar engravidar (e não só): O que é o movimento feminista 4B que está a ganhar força após vitória de Trump?

Após a reeleição de Donald Trump em 2024, o movimento feminista 4B, originado na Coreia do Sul, começou a atrair significativa atenção nas redes sociais americanas. Nas eleições, as questões de direitos reprodutivos, tema central da campanha de Kamala Harris, galvanizaram grande parte do voto feminino, com foco em estados onde os direitos ao aborto estavam em jogo. No entanto, Harris não obteve votos suficientes para derrotar Trump, cuja administração e retórica conservadora sobre o aborto têm gerado inquietação. Como resposta, algumas mulheres americanas estão a olhar para o 4B como uma forma de protesto, um movimento que visa boicotar estruturas tradicionais que, segundo elas, perpetuam a opressão e desigualdade de género.

O que é o movimento 4B?

O 4B é uma sigla para quatro palavras coreanas, todas começando com o prefixo “bi”, que significa “não” em coreano. As palavras representam quatro compromissos:

  • Bihon (recusa do casamento heterossexual)
  • Bichulsan (recusa de ter filhos)
  • Biyeonae (abstinência de encontros com homens)
  • Bisekseu (rejeição de relações sexuais heterossexuais)

Esses princípios formam a base do movimento, que começou na Coreia do Sul em 2019, sob uma onda de crescente frustração com a desigualdade de género e violência contra mulheres. Para os adeptos do 4B, a recusa de casamento e relações com homens é uma forma de resistência contra um sistema que consideram desfavorável às mulheres4B e a sua relação com as eleições dos EUA

Nos dias que se seguiram à vitória de Trump, houve uma explosão de referências ao movimento 4B nas redes sociais americanas. Segundo dados da plataforma X (antiga Twitter), o movimento foi mencionado mais de 50 mil vezes no dia 6 de novembro, com interações que alcançaram milhões de utilizadores. Algumas mulheres sugeriram a adoção do 4B como uma resposta direta ao que consideram ser um retrocesso dos direitos das mulheres, intensificado pela postura de Trump e pela revogação de Roe v. Wade em 2022, que retirou o direito ao aborto nos Estados Unidos.

Kamala Harris, por outro lado, concentrou grande parte da sua campanha na proteção e expansão dos direitos ao aborto. Embora tenha obtido a maioria dos votos das mulheres (53%), esta percentagem ficou abaixo do que era necessário para garantir a vitória. Entre as mulheres brancas, que representaram 37% dos eleitores, Trump liderou com 53% dos votos, enquanto Harris obteve uma maioria entre as mulheres afro-americanas (91% do voto negro feminino) .

As origens sul-coreanas do movimento

O movimento 4B surgiu na Coreia do Sul durante o mandato do presidente conservador Yoon Suk Yeol e rapidamente se espalhou por toda a Ásia e, mais recentemente, para o Ocidente. Mulheres que se identificam com o movimento frequentemente recusam os padrões de beleza tradicionais, como maquilhagem e cabelos longos, em protesto contra a sexualização feminina. Para algumas, o movimento representa uma estratégia de sobrevivência num contexto em que as mulheres enfrentam riscos constantes de violência. De acordo com um estudo de 2021, um terço das mulheres sul-coreanas relatou ter sido vítima de violência doméstica, sendo que 46% desses casos foram causados por parceiros íntimos.

No entanto, a rápida ascensão do movimento nas redes sociais americanas sugere um ponto de convergência entre as frustrações de género na Coreia e nos Estados Unidos. Muitas mulheres americanas veem a atual situação política e social como um incentivo para romper com os papéis tradicionais de género. Esse sentimento foi bem resumido num tweet popular do dia 6 de novembro: “Está na altura de considerarmos o movimento 4B como as mulheres da Coreia do Sul e provocar um declínio acentuado na taxa de natalidade dos EUA. Não podemos deixar que eles riam por último… precisamos de dar o troco” .

Na Coreia, o movimento ganhou fôlego também por causa de um aumento nas taxas de educação superior entre mulheres, superando as taxas masculinas desde 2013. Devido a esse aumento, muitas mulheres sentem que o casamento e relacionamentos tradicionais representam uma ameaça ao seu progresso e autonomia. Além disso, a desigualdade salarial entre géneros permanece elevada, sendo que as mulheres coreanas ganham, em média, 31% menos do que os homens – uma das maiores discrepâncias entre países democráticos.

Especialistas observam que as condições socioeconómicas nos Estados Unidos têm promovido uma tensão semelhante entre os géneros, com homens a sentir uma pressão crescente devido à redução de empregos no setor industrial e à crescente competição no meio educacional. Esta sensação de “masculinidade em crise” tem, segundo o antropólogo Treena Orchard, motivado alguns homens a apoiar candidatos conservadores, como Trump, que promovem um regresso aos valores tradicionais. Orchard observou que, para muitos homens, Trump representa uma oportunidade de preservar o que consideram ser os direitos e privilégios masculinos num mundo em mudança .

Um movimento para o futuro?

A adesão americana ao movimento é vista por algumas ativistas como um reflexo de uma sociedade em que os direitos das mulheres estão novamente em risco. A expansão do movimento pode representar tanto uma forma de protesto quanto uma busca por alternativas de vida longe das normas convencionais. Para muitas mulheres, o 4B é mais do que um símbolo: é uma reivindicação de controle sobre os próprios corpos e futuros, num mundo onde as decisões políticas parecem cada vez mais interferir na autonomia feminina.

À medida que o movimento 4B continua a crescer, resta saber se as mulheres americanas adotarão este modelo de resistência ou se criarão uma versão própria em resposta ao novo contexto político e social.

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