Das novas medidas às ‘farpas’ ao PS, leia o discurso de Montenegro na íntegra

Luís Montenegro discursou como primeiro-ministro perante os deputados pela primeira vez esta quinta-feira, para apresentar o Programa do Governo.

Com medidas para vários setores, dos impostos à saúde, passando pela educação, para os primeiros 60 dias de governação, Montenegro aproveitou a intervenção para criticar o PS o Anterior Executivo liderado por António Costa.

Leia abaixo o discurso na íntegra:

Senhor Presidente da Assembleia da República,

Senhoras e Senhores Deputados,

É com muito enorme honra que volto, seis anos depois, a usar da palavra na Casa-Mãe da nossa
democracia, onde tive o privilégio de servir Portugal durante 16 anos.

É com profundo sentido de responsabilidade que o faço na qualidade de Primeiro Ministro, na
sequência da vitória eleitoral e da legitimidade democrática adquirida pelo voto dos portugueses.

Essa foi, de resto, uma condição que impus a mim próprio e que partilhei como compromisso perante
os eleitores.

Fi-lo com referência à minha mais profunda convicção de que, para governar e dirigir o país, é
imprescindível uma legitimação direta e não provinda de qualquer arranjo de bastidores.

Nesta ocasião, quero expressar o meu respeito democrático e os desejos de bom trabalho aos 230
deputados deste parlamento, sem exceções nem preferências partidárias.

Uma saudação ainda para si, Senhor Presidente da Assembleia da República, por estar certo de que
conduzirá os trabalhos parlamentares com espírito de tolerância e isenção, prestigiando a democracia
e assegurando uma cooperação impecável com os demais órgãos de soberania.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Estamos aqui hoje para cumprir Abril.

Cumprir a democracia, cumprir o direito de escolher, cumprir a aspiração da liberdade, da
solidariedade, da igualdade de oportunidades e da prosperidade.

Quando nos preparamos para celebrar um singular marco histórico, os 50 anos do 25 de Abril, somos
todos convocados a cumprir a vontade do povo português.

Por isso, aqui estamos para vos apresentar o programa do XXIV Governo Constitucional.

Um programa de mudança e esperança.

Um programa de responsabilidade e ambição.

Um programa que se inspira no Programa Eleitoral mais sufragado, mas que foi buscar ideias a todos
os programas eleitorais que obtiveram representação parlamentar.

Um Programa que, após a investidura parlamentar, que esperamos merecer, queremos executar com
foco total no interesse nacional e no bem-estar dos portugueses.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

O Programa do Governo expressa objetivos, metas e medidas de política para executar nos próximos
quatro anos e meio.

Em respeito pelo Parlamento, tentaremos apresentá-las ao país, sempre que possível, perante as
senhoras e os senhores.

E quero começar hoje e agora este procedimento, anunciando um conjunto de decisões programadas
no Conselho de Ministros para os próximos dias e semanas.

1. Em primeiro lugar, aprovaremos na próxima semana uma proposta de lei que altera o artigo 68º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, introduzindo uma descida das taxas de IRS sobre os rendimentos até ao oitavo escalão, que vai perfazer uma diminuição global de cerca de 1500 milhões de euros nos impostos do trabalho dos portugueses face ao ano passado, especialmente sentida na classe média;

2. Em segundo lugar, lançaremos em breve um programa para colocar o Estado a pagar a 30 dias, no âmbito do qual será criada numa primeira fase uma conta-corrente entre a AT e as empresas, que será depois alargada a toda a administração central.

3. Em terceiro lugar, no âmbito dos Fundos Europeus, onde temos taxas de execução baixíssimas, de 0,5% no PT 2030 (apesar de mais de um ano de funcionamento), e de 20% do PRR (em metade do tempo):

– Temos de acelerar fortemente esta excecional oportunidade de melhorar a vida dos Portugueses.

Nos 3.º e 4.º pedidos de pagamento do PRR apresentados em Bruxelas, as autoridades europeias retiveram 713 milhões de euros, por não estarem cumpridas as metas contratadas.

Vamos criar as condições para apresentar o pedido de libertação desse montante dentro dos próximos 60 dias.

Também o 5.º pedido de pagamento, deveria ter sido já apresentado. Mas não foi. Iremos apresentá-lo nos próximos 90 dias.

No COMPETE 2030, há candidaturas apresentadas desde julho de 2023 que ainda não foram sequer apreciadas. Já passaram 9 meses. Dos mais de 3.600 milhões de euros de valor de investimento candidatados, apenas estão aprovados 72 milhões. É inaceitável.

Vamos adotar medidas para garantir que até ao final deste ano as candidaturas sejam apreciadas, no prazo máximo de 60 dias como manda a lei e como é razoável.

– Por outro lado, vamos reforçar a transparência na aplicação dos fundos. Publicitar os fundos nos sites dos serviços públicos, é positivo, mas não suficiente. Decidimos, por isso, tornar obrigatória a publicação na imprensa, nacional e local.

Quem ler O Mensageiro de Bragança ou o Jornal do Fundão ficará a saber que fundos foram atribuídos para investimento naqueles concelhos. Nada melhor que a informação e o esclarecimento para combater a opacidade, que muitas vezes favorece a corrupção. Não falo de propósitos vagos. Estou a falar de uma alteração à lei que já está agendada para o próximo Conselho de Ministros.

– Finalmente, vamos reforçar os meios de combate à fraude e à corrupção na aplicação dos fundos europeus. Na primeira semana deste Governo, já está assinado o despacho conjunto que determina a abertura de concurso para reforçar em 60% o número de inspetores especializados neste combate. É preciso executar depressa, mas bem.

4. Em quarto lugar, iniciar-se-ão nos próximos 10 dias as conversações com os representantes dos professores e das forças de segurança, com vista a tratar de assuntos relacionados com as carreiras e estatuto remuneratório;

5. Em quinto lugar, vamos também promover de imediato o agendamento de uma reunião da Concertação Social, com vista a discutir com os parceiros sociais as bases de Um Novo Acordo que consagre o reforço dos rendimentos e da produtividade dos trabalhadores portugueses e a competitividade e crescimento da nossa economia.

6. Em sexto lugar, o Governo entrará em contacto com os Grupos Parlamentares na AR, amanhã mesmo, para calendarizar os encontros que lançarão o diálogo em matéria de combate à corrupção;

7. Em sétimo lugar, tendo sido identificadas graves falhas na disponibilização de equipamentos informáticos, na sua manutenção e na conectividade das escolas para garantir que os alunos pudessem realizar as avaliações em igualdade de oportunidades neste ano letivo (13.639 alunos do 9º ano não receberam o Kit digital-portátil, pen de dados e acessórios), o Governo decidiu pela sua realização em papel, de forma excecional, neste ano letivo, mantendo as provas de aferição em formato digital, como previsto, de modo a sinalizar o empenho na transição digital;

8. Em oitavo lugar, nas próximas semanas e como princípio de correção de erros e definição de uma nova política de habitação vamos, entre outras coisas:

– Revogar o arrendamento forçado

– Promover o acesso à compra da 1.ª casa pelos jovens, com a isenção de IMT e Imposto de Selo e o mecanismo de garantia publica para que consigam financiamento bancário da totalidade do preço da casa.

9. Em nono lugar, porque precisamos de dar confiança e estabilidade a quem investe em Portugal também no setor imobiliário e turístico, vamos revogar as graves penalizações que o Governo anterior impôs aos portugueses que investiram em alojamento local, incluindo a eliminação da contribuição adicional, a suspensão de licenças e a proibição de transmissão.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Os portugueses exigem-nos Mudança, que é o mesmo que dizer: querem virar a página do
Empobrecimento.

O Empobrecimento que é a impressão digital dos últimos 8 anos.

Desde 2015, fomos ultrapassados (no rendimento por habitante) por diversos parceiros europeus: a
Polónia, a Hungria, a Estónia, a Lituânia e, prestes a fazê-lo, a Roménia.

Em 8 anos o nosso desempenho ficou aquém da média dos países da coesão no que diz respeito à
aproximação com os países mais desenvolvidos da Europa.

Isto é empobrecer.

Ao mesmo tempo, aumentou para quase 2 milhões o número de pessoas em risco de pobreza – com
rendimento mensal abaixo dos 591€ mensais, mesmo depois das prestações sociais.

Pobreza que afeta especialmente os mais idosos e as crianças e jovens, mais as mulheres do que os
homens, e que seria o dobro se não fossem as prestações sociais. Ou seja, dois quintos da população
portuguesa esteve e está a definhar na pobreza e tornou-se dependente das prestações sociais.

Isto é empobrecer.

Impostos em máximos e serviços públicos em mínimos. Da saúde à educação, da habitação aos
transportes. Ao mesmo tempo que o Estado tirou mais rendimento às pessoas, apresentou maior
fragilidade em dar resposta às necessidades sociais mais básicas.

Isto é empobrecer.

Um em cada três dos nossos jovens qualificados é forçado a emigrar para ganhar a vida; e dos que cá
ficam a trabalhar, dois em cada três ganham menos de mil euros por mês. A taxa de desemprego jovem
mantém-se persistentemente alta, acima dos 20% [20,3% em fevereiro], a quarta mais elevada da
União Europeia.

Isto é empobrecer.

Estes são alguns exemplos e constrangimentos que afetam a vida das famílias portuguesas.
Precisamos mesmo de virar a página do empobrecimento.

Senhoras e Senhores Deputados,

Para sairmos da estagnação, para pôr fim a esta trajetória de empobrecimento, apontamos neste
Programa 3 caminhos prioritários:

i. Salvar o Estado Social;

ii. Concretizar apostas estratégicas;

iii. Dinamizar a nossa economia com responsabilidade financeira.

Para salvar o Estado social, vamos avançar com medidas em setores essenciais para a vida dos
portugueses, sejam medidas de caráter urgente sejam de natureza mais estrutural. Como afirmei há
nove dias na tomada de posse deste Governo, vamos mesmo salvar os serviços públicos e dar resposta
aos cidadãos, em tempo e em qualidade. Na saúde, na educação, na habitação, nos transportes, na
justiça e na segurança.

No imediato, vamos:

Na Saúde, propor um Plano de Emergência do Serviço Nacional de Saúde e o seu modelo de
implementação, o que será feito até ao próximo dia 2 de junho.

Na Habitação, como já disse, vamos isentar de IMT e de Imposto de Selo a compra da primeira casa
pelos jovens. Vamos, ainda, lançar a Garantia Pública para que os jovens possam aceder a
financiamento bancário a 100% na compra da sua primeira habitação.

Vamos, igualmente, apostar na Cultura e no Desporto enquanto elementos centrais do desenvolvimento
pessoal, cívico e social.

Alargaremos aos primeiros anos a oferta do ensino artístico em áreas como a dança, teatro, música,
cinema e artes visuais, e executaremos um Plano Estratégico para a atividade física, para dar alguns exemplos.

O Governo vai, igualmente, atuar numa dimensão estratégica e estrutural, levando a cabo apostas em
áreas que consideramos cruciais para o futuro.

Falo de temas e áreas de grande transversalidade e com impacto direto nas nossas vidas: da demografia
à natalidade, das alterações climáticas à transição energética, do combate à burocracia à modernização
e digitalização, da economia azul à gestão da água, da aposta na reindustrialização à agricultura.

Mas

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores deputados,

Salvar o Estado Social e transformar estratégica e estruturalmente o país só é possível com uma
economia mais dinâmica e pujante.

O projeto de alívio fiscal sobre os rendimentos do trabalho e das empresas não é suficiente para vencer
a estagnação económica.

Mas é necessário! É absolutamente necessário!

Não por fixação ideológica ou para agradar às pessoas, mas porque a elevada carga e complexidade
fiscal é uma barreira económica que comprime a geração de riqueza, o aumento da produtividade e a
criação de emprego.

É um bloqueio às empresas, travando a atração de investimento e o seu crescimento.

E é também um bloqueio aos trabalhadores, no sentido em que ficam impossibilitados de aceder a
melhores salários e a verem o seu esforço, mérito e competência devidamente valorizados.
É uma limitação à ambição das pessoas e das empresas.

E é uma questão de justiça social.

Queremos estimular a ambição dos portugueses porque confiamos nas suas capacidades.

Queremos libertar os portugueses do excessivo fardo fiscal porque acreditamos no seu
empreendedorismo.

Estamos do lado da esperança, da confiança e da ambição.

E os portugueses nas últimas eleições tomaram esta opção.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores deputados

O contexto internacional é também complexo. Na frente externa, enfrentamos a conjuntura mais
desafiante em várias décadas, com guerras em diferentes latitudes, com destaque para a Ucrânia e o
Médio-Oriente, com consequente instabilidade e incerteza. Sentimos os seus efeitos desde há, pelo
menos, dois anos, mas o potencial de descontrolo ou agravamento no futuro próximo é difícil de
antecipar.

Não só a nível político e social, mas também, como é inevitável, a nível económico.

Além disso, teremos de lidar com cenários de estagnação ou contração de alguns dos nossos parceiros
comerciais e económicos, como por exemplo a Alemanha, o que avoluma dificuldades.

Estas circunstâncias são particularmente exigentes para Portugal, porque temos de recuperar mais – e
mais rápido – do que os outros.

Mas quero daqui dizer ao país que não nos intimidamos com a realidade.
Estamos conscientes, mas resilientes.

Somos realistas, mas otimistas.

Vamos guiar-nos pela esperança, pela confiança e pelo sentido de responsabilidade.

Este programa é o nosso compromisso.

Vamos executá-lo desde o primeiro minuto.

Já estamos a tomar decisões e já estamos a lutar por resultados.

Impusemos internamente vários objetivos para os primeiros sessenta dias mas, já agora, que estranho
soa ouvir aqueles que não resolveram em 3050 dias, reclamar agora decisões para ontem… Aqueles que não resolveram tantas coisas em 3050 dias reclamam agora decisões em 60 dias.

Apenas se pode concluir que têm em grande conta a capacidade de realização deste Governo…

Da nossa parte, nunca viraremos a cara à responsabilidade que nos foi confiada pelo povo português
de liderar o Governo.

Vamos ouvir, dialogar e negociar com todas as forças políticas legitimadas pelo voto popular e
democrático.

E decidiremos, sem preconceitos ideológicos nem arrogância, com sentido de compromisso e espírito
agregador.

Não seremos nós a pôr em causa a estabilidade política e governativa.

Quando chegar o momento, no final da legislatura, o povo português julgará o nosso trabalho e as
alternativas apresentadas pelas oposições, bem como, o sentido de responsabilidade de cada um.

Deixo apenas uma nota de lealdade e verdade políticas.

Não rejeitar o Programa do Governo significa permitir o início da ação governativa.

Mas significa mais: significa permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à
aprovação de uma moção de censura.

Não se trata de aderir ao programa, trata-se de não bloquear a sua execução.

Os portugueses percebem que a oposição não queira dar um cheque em branco ao Governo.

Mas os portugueses não perdoarão se a Oposição der um cheque sem cobertura ao país.

Quero dizer a todos, mas em particular ao Partido Socialista, que governou 22 dos últimos 28 anos.

Não fazemos chantagem nem somos arrogantes.

Somos intrinsecamente leais e honestos.

Se o Partido Socialista tem alguma reserva mental sobre a legitimidade deste Governo para executar o
seu Programa, então deve assumi-lo, aqui e agora.

Se, como é minha convicção e esperança democrática, não tem essa reserva mental, então nestes dois
dias e nos anos seguintes, com certeza que fará a sua oposição e com certeza que constituirá a sua
alternativa, mas assumirá em consequência que não será um bloqueio ao normal funcionamento do
Governo.

Devemos lealdade à Constituição da República e ao povo português, e é mesmo com o espírito de
Abril que repito: a apreciação deste Programa do Governo, sem aprovação de uma moção de rejeição,
significa que o parlamento permitirá a sua execução até ao final do mandato ou, naturalmente, até à
apresentação e aprovação de uma moção de censura.

Da nossa parte, contarão com diálogo, com frontalidade e com responsabilidade.

Todos queremos um Portugal melhor e o bem-estar dos portugueses, não obstante as diferentes
perspetivas políticas.

Todos os partidos aqui representados têm legitimidade democrática e merecem esse respeito e essa
consideração.

Para nós, não há os portugueses do bem e os portugueses do mal.

Rejeitaremos sempre o discurso de ódio e a radicalização política.

Apresentamos este Programa do Governo com o foco no bem-estar dos portugueses, com plena
disponibilidade para trabalhar durante esta legislatura com todos vós.

Como escreveu Saramago: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.”

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