“Não deixem um só castelhano vivo”: Assim foi a ‘guerra das especiarias’ entre Portugal e Espanha

Portugal e Espanha protagonizaram uma intensa disputa pelas especiarias asiáticas no século XVI, desencadeando uma feroz guerra que ficou marcada na história.

No cenário exótico das ilhas Molucas, atual Indonésia, desenrolou-se um episódio histórico marcante, evidenciando a voraz competição entre Portugal e Espanha pelo controle do lucrativo comércio de especiarias vindas do Oriente.

No ano de 1528, uma robusta galera de combate portuguesa, acompanhada por catorze paraus nativos de Ternate, perfilou-se ameaçadora nas águas turquesas da região. O comandante espanhol Alonso de los Ríos, após um árduo ano de conflitos contra os lusos na selva, reuniu os seus homens, cientes da necessidade de conflito. A presença dos nativos de Tidore, aliados dos espanhóis, impulsionava-os à ação, pois qualquer recuo poderia ser interpretado como covardia.

Nesse contexto, a violenta escaramuça eclodiu, com a fortuna sorrindo aos homens de Carlos V. Após a batalha, entre os documentos encontrados estava a ordem enviada ao capitão português, morto em combate: “Não deixem nem um só castelhano vivo, pois vêm para tomar e erguer as terras do rei, nosso senhor de Portugal. Enrolem-nos num pano da galera e atirem-nos ao mar, para que nenhum deles fique vivo ou haja quem vá contar a Castela o que acontece nesta terra”, terá afirmado.

Esses eventos são detalhadamente explorados na obra “A Conquista do Oceano”, de David Ramírez Muriana, um historiador especializado em estudos avançados pelo Departamento de História Moderna da UCM, que antecipa as revelações feitas na obra em entrevista ao El Confidencial.

O autor dedica mais de uma década de pesquisa em arquivos portugueses e espanhóis para narrar de maneira minuciosa e acessível o embate entre as coroas ibéricas pela supremacia nas rotas comerciais das cobiçadas ilhas das especiarias.

A história remonta aos últimos anos da chamada Reconquista, quando Portugal e Espanha, após consolidarem suas fronteiras terrestres, voltaram suas ambições marítimas para o oceano. As ilhas Molucas, com seu valioso comércio de cravo, pimenta, canela e noz-moscada, despertaram o interesse desenfreado das potências ibéricas. Através de casamentos reais, alianças com reis islâmicos locais e expedicionários destemidos, ambos os países competiram pela supremacia nas rotas comerciais e pelo controle das ilhas remotas.

O livro de Ramírez Muriana também destaca o contexto geopolítico da época, com os eventos internacionais como a invasão da Ucrânia e a crise no Médio Oriente a influenciar os processos de radicalização e propensão para a violência. As tensões entre Portugal e Espanha, refletidas em embates distantes, são um testemunho do fervor imperialista e das complexas relações de poder do século XVI.

Além disso, o autor aborda os desafios logísticos enfrentados pelas expedições, desde o sigilo dos mapas e rotas até as dificuldades de abastecimento e comunicação em terras distantes. Os episódios de espionagem e intriga, como a execução de informantes e o jogo duplo dos pilotos, revelam a astúcia e a determinação dos exploradores em alcançar os seus objetivos, independentemente do que custasse.

No desenrolar dos eventos, a trágica saga da nau Trinidad, última sobrevivente da expedição de Magalhães, é mencionada como um exemplo da tenacidade e do sofrimento dos primeiros navegadores. Incapaz de encontrar a saída do Pacífico, a nau foi capturada pelos portugueses, resultando em um duro cativeiro para seus tripulantes. As dificuldades enfrentadas por esses homens, combinadas com as tensões crescentes entre as duas potências, refletem o clima de guerra sem quartel que caracterizou a disputa pelas especiarias.

O relato culmina com o Tratado de Saragoça de 1529, que encerrou formalmente o conflito entre Portugal e Espanha, estabelecendo as fronteiras e as esferas de influência de cada país. Apesar das tensões e dos conflitos, a colaboração entre as duas nações foi essencial para a exploração e colonização das terras distantes, moldando o curso da história e deixando um legado duradouro nas regiões outrora inexploradas.

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