Na guerra da água na Europa, os super-ricos jogam pelas suas próprias regras: autoridades locais pedem ajuda à UE devido a consumos exorbitantes

Ludwig Helm, autarca de Königstein, na Alemanha, nem queria acreditar quando soube que uma casa na sua cidade consumia 80 mil litros de água… por dia, 625 vezes o consumo médio diário de uma residência germânica. Na rica cidade situada nas encostas arborizadas do Taunus, uma cordilheira perto de Frankfurt, há cerca de 98 pessoas com um rendimento anual superior a um milhão de euros entre os 16,7 mil habitantes. Estas famílias, de acordo com o jornal ‘POLITICO’, estão a colocar o consumo de água em novos máximos, em total desrespeito às restrições destinadas a proteger o abastecimento de água numa região que sofre os efeitos da seca.

“O consumo de água é, de facto, completamente irrestrito em alguns casos”, sublinhou Helm. “As pessoas esqueceram-se que na Alemanha não existem jardins ingleses. Temos condições climatéricas diferentes. Mas as pessoas querem que assim seja”, criticou.

Os níveis das águas subterrâneas têm caído de forma abrupta na região ao redor de Königstein, pelo que foi necessário impor restrições à rega dos jardins ou encher as piscinas, para garantir que a cidade não fica sem água potável. No entanto, as medidas não têm surtido efeito, segundo o responsável, porque os residentes ricos as ignoram e as autoridades locais não têm capacidade de fazer cumprir as regras.

Um número crescente de municípios em toda a Europa enfrenta lutas semelhantes: em Châteauneuf-Grasse, perto de Cannes, foi noticiado que os proprietários ricos – a maioria dos quais estrangeiros – consumiram mais água numa semana do que a maioria dos residentes num ano. Há 120 localidades em França que estão atualmente a lutar para ter acesso à água potável.

As autoridades locais e ONG têm redobrado os pedidos de ajuda aos Governos nacionais e à União Europeia para controlar a procura de água, com medidas que vão desde repensar os sistemas de preços da água até a revisão de como a água potável é distribuída entre residências, indústrias e agricultura.

O aumento drástico dos preços da água acima de uma certa quantidade, segundo Helm, “deixaria claro que esse tipo de consumo excessivo simplesmente não é normal”.

Quase um terço dos europeus são afetados pelo stress hídrico, segundo dados da Agência Europeia do Meio Ambiente, uma situação que deve piorar à medida que as secas se tornem mais frequentes.

De acordo com um estudo publicado na revista ‘Nature’, “o uso insustentável da água pela elite pode exacerbar as crises hídricas urbanas pelo menos tanto quanto as mudanças climáticas ou o crescimento populacional”, o que torna a mudança de hábitos de consumo uma prioridade para áreas afetadas pela seca. Mas, segundo os investigadores, é um problema estrutural, cujo conserto vai exigir repensar fundamentalmente o consumo de água e enfatizar muito mais a economia de água.

Bruxelas tem uma série de regras para proteger e gerir os recursos de água doce, incluindo a sua principal lei sobre a água potável. Mas “as ferramentas existentes permanecem fragmentadas” e “não estão bem integradas em todas as políticas da UE”, denunciou o Comité Económico e Social Europeu (CESE), órgão que representa organizações da sociedade civil, que alertou que a Comissão Europeia deve “começar a tratar a água como uma prioridade à escala europeia”.

Para Florian Marin, membro do CESE, o desenvolvimento de uma abordagem em toda a UE para os preços da água é crucial para combater a escassez – a água deve estar disponível até um certo limite, após o qual seriam aplicadas tarifas, sendo que as famílias deveriam beneficiar de preços mais baixos do que outro setores, como a indústria.

Na maioria dos países, incluindo Alemanha e França, as indústrias consumidoras de água tendem a pagar muito menos pela água potável do que as famílias particulares, apesar de consumirem uma parcela muito maior. No entanto, os apelos a Bruxelas são mais extensos, sublinhando que devem ser desenvolvidos padrões para cada sector – incluindo residências particulares – para regular o uso de água.

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