Mundo enfrenta “cenário mais perigoso em termos bélicos dos últimos 50 anos”

O mundo ‘divide-se’ neste momento em duas crise de guerra, uma na Ucrânia e outra do Médio Oriente, com grande forca gravitacional geopolítica. Ao mesmo tempo, nuvens cinzentas pairam soba península coreana, e também sob a China e Taiwan.

O nível de confrontos entre grandes e médias potências está em máximos das últimas décadas, e pela primeira vez desde 1945, em mais de meio século, a Europa vive uma guerra em que um grande poderio mundial invade um país para o subjugar e também para anexar território. Ao mesmo tempo que dezenas de países ocidentais se juntam para fornecer ajuda à Ucrânia e repelir a invasão da Rússia (assistida pelo Irão, Coreia do Norte e Bielorrússia), o apoio dos EUA a Kiev começa a dar sinais de fraquejar.

Cada vez mais líderes políticos europeus, como alemães, polacos, dinamarqueses ou suecos têm avisado nos últimos meses para a possibilidade de Putin poder atacar um país da Nato.

Perante este cenário, o possível regresso de Donald Trump à Casa Branca, que deixou bem claro o desprezo que tem para com o compromisso de Washington com a Nato, promete agitar as águas (e não augura nada de bom).

Já quanto ao conflito Israel-Hamas, Antony Blinken, Secretário de Estado dos Estados Unidos, indica que o Médio Oriente vive “a situação mais perigosa desde 1973, e talvez até antes”. O conflito alastrou-se e já vários países estão diretamente envolvidos em várias hostilidades decorrentes.

Alvos bombardeados pelos EUA, no Iémen, Iraque ou Síria levantaram as tensões com o Irão, colocando os dois países em rota de colisão.

E ao mesmo tempo, na Ásia Oriental, a Coreia do Norte tomou medidas drásticas e retirou da Constituição o compromisso de procurar a “reunificação pacífica” com o Sul, desenvolvendo novas armas e reforçando ligações a Putin. Mais: a sul, Taiwan continua a ser ponto de tensão entre China e EUA, num momento de mudança de equilíbrio nas forças do poder, na sequência das eleições.

O El País destaca um um estudo do Instituto de Pesquisa para a Paz de Oslo (IIPO), que apurou que 2022 foi o ano com o maior número de mortes em guerras estatais – nas quais pelo menos um ator é um Estado – desde o início da década de 1970, com exceção de 1984: pouco mais de 200.000, sendo os conflitos na Ucrânia e na Etiópia as principais causas. O balanço de 2023, ainda a ser publicado, e que já incluirá os mortos em Gaza, promete um quadro ainda mais negro. Também se contam mais de 100 milhões de refugiados e pessoas deslocadas devido às guerras: o número mais elevado de sempre.

“Estamos numa era de competição direta entre países importantes. Isso é preocupante. E o mesmo acontece com o nível de cooperação que vemos, por exemplo, entre a China, a Rússia, o Irão e a Coreia do Norte, que é, em certo sentido, novo. E como contexto, o colapso da comunicação de confiança, dos mecanismos que teriam garantido a estabilidade no passado, é muito perturbador”, destaca o jornal espanhol Meia Nouwens, especialista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.

Sergey Radchenko, historiador especializado na Guerra Fria e professor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, indica que os líderes europeus estão cada vez mais conscientes da ameaça que a invasão russa representa, e que os princípios aplicados para justificá-la podem ser usados para ‘desculpar’ a invasão de outros territórios.

Putin parece ter contido a situação de crise e estabilizado as perdas económicas do país, transformando a economia russa numa economia de guerra, com aparente sucesso.

Por outro lado, indica Radchenko, a Europa não tem capacidade defensiva dissuasora se não tiver o apoio dos EUA. 2Se os americanos desistirem da sua liderança, o que pode muito bem acontecer se Trump vencer, podemos realmente esperar que os europeus avancem como uma força unida? Não podemos”, alerta.

Na questão do Médio Oriente, Hugh Lovatt, especialista em Médio Oriente no Conselho Europeu de Relações Externas, aponta que o “esforço de mediação” desempenhado por países como os EUA, Qatar, Arábia Saudita ou Egito, enfrentam “sérios problemas, especialmente porque Netanyahu tem interesse na continuação dos combates”,

“Há um sentimento generalizado em Israel de que assim que as hostilidades terminarem, o mesmo acontecerá com o mandato de Netanyahu”, clarifica o especialista.

“Nem Israel, nem o Irão, nem o Hezbollah querem uma guerra regional, e as suas ações foram medidas para evitá-la”, continua Lovatt, mas se a crise em Gaza continuar, os riscos de o conflito de espalhar aumentam exponencialmente.

“Na minha opinião, já estamos numa guerra regional, mas é uma guerra largamente contida e de baixa intensidade, com ataques medidos. Mas enquanto a guerra em Gaza continuar, o risco de uma escalada total e descontrolada aumentará, mesmo que poucos tenham interesse nela”, sublinha o especialista ao El País.

As tensões no Leste Asiático completam o quadro de tensões geopolíticas. Os analistas apontam que a ‘curva’ de Kim Jong Un na reunificação pacífica com o Sul, ao mesmo tempo que desenvolve arsenais com armas nucleares, podem ser fundações para uma ação e guerra.

“Acho as declarações de Kim Jong-un especialmente perturbadoras. Estamos testemunhando a consciência de que o líder norte-coreano poderá, em algum momento, tomar decisões muito arriscadas. Acho que este ano ele desenvolverá novas capacidades de defesa. Isto é uma preparação para um ataque militar? Ou um posicionamento estratégico para ter mais alavancagem para 2025 e um possível regresso de Trump? Acho que a segunda hipótese é mais provável”, explica Meia Nouwens.

Outro ponto de tensão é Taiwan, que recentemente viu a terceira vitória do Partido Progressista Democrático de Taiwan (DPP), mas sem maioria parlamentar.

“O que isto significa, penso eu, em termos militares, é que não haverá grandes mudanças nos próximos quatro anos. Continuaremos a ver o foco de Pequim na zona cinzenta, nos ataques marítimos e aéreos e na desinformação”, continua o especialista.

O quadro global é pintando em tons de guerra, ânimos exaltados, tensões exacerbadas e crises. A grande incógnita são os impactos que uma eventual vitória de Trump teria no tabuleiro geopolítico mundial, adivinhando-se que não viria ‘pôr água’ em nenhuma das ‘fervuras’.

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