Misteriosa empresa na Índia transforma-se num gigante mundial de transporte de petróleo russo em pouco mais de um ano
Há uma empresa na Índia que se transformou, nos últimos 18 meses, num gigante internacional do transporte de petróleo. No misterioso Neptune Magnet Mall, em Mumbai, ‘nasceu’ uma empresa que do nada começou a comprar milhões de barris de petróleo. Não só: foi a empresa que comprou mais petroleiros do que qualquer outra, o que fez passar de uma obscura empresa de transporte marítimo indiana para uma das maiores armadoras do mundo.
Petróleo russo bruto barato, fruto das sanções ocidentais, e financiamento resultaram num gigante que surgiu do nada. A Gatik Ship Management possuía apenas dois navios-tanque químicos em 2021. Em abril, havia adquirido uma frota de 58 embarcações com um valor combinado estimado de 1,6 mil milhões de dólares, de acordo com especialistas em navegação ‘VesselsValue’, citados pelo jornal espanhol ‘El Economista’.
Segundo o ‘Financial Times’, a empresa registou-se como exportadora em março de 2023, embora não surja no registo corporativo oficial da Índia. Uma pista importante é que a Gatik partilha a sua sede no triste centro comercial com outra empresa registrada em Mumbai (que também mostra um crescimento inexplicável), chamada Buena Vista Shipping, que há dois anos tinha ativos de apenas 100 mil dólares.
Muitos dos navios desta chamada ‘frota paralela’ que transportam petróleo bruto russo têm mais de 15 anos, portanto, “estão no ponto em que a maioria dos armadores respeitáveis os reformaria”, explica Francesco Tassello , analista sénior da Energy Intelligence (EI).
O mistério e a pergunta sem resposta são: quem realmente é o dono da Buena Vista Shipping e quem financiou a rápida expansão da frota da Gatik? Ninguém sabe. Mas a expansão sem precedentes deixou o mercado de petróleo perplexo. Mas a gigante petrolífera russa Rosneft é suspeita.
A frota recém-adquirida da Gatik tem sido usada principalmente para transportar petróleo da Rússia, principalmente para portos na Índia, segundo apontam os dados de rastreamento de petroleiros – o grupo indiano embarcou pelo menos 83 milhões de barris de petróleo e derivados russos, o suficiente para atender à procura total do Reino Unido por mais de dois meses. Mais da metade desses produtos vem da Rosneft.
“Após as sanções ocidentais, era inevitável que as companhias petrolíferas russas quisessem envolver-se no transporte marítimo e acho que Gatik é o melhor exemplo disso”, apontou Viktor Katona, chefe de análise de petróleo da Kpler. “Uma empresa de um país considerado amigo do Estado russo surge do nada, compra um grande número de navios-tanque em menos de um ano e atende quase exclusivamente fluxos russos”, disse.
A UE impôs uma série de restrições ao petróleo russo, incluindo um limite para o seu preço para evitar que qualquer empresa ocidental interviesse nas operações, a menos que o petróleo seja negociado abaixo do preço estabelecido pelos países ocidentais. Após as sanções, Nova Deli optou por aumentar as suas importações de petróleo russo, em vez de impor sanções ou um teto de preço alternativo como o imposto pelo G7.
Esse é o contexto em que Gatik surgiu. A VesselsValue, que rastreia as vendas de petroleiros, estimou que Gatik comprou pelo menos 56 embarcações desde março de 2022, incluindo 13 somente em dezembro, quando começou o embargo da UE ao petróleo russo.
As compras colocam a Gatik entre os maiores proprietários de petroleiros do mundo, segundo Rebecca Galanopoulos, da VesselsValue. “Para colocar isso em perspetiva, de quase 14 mil navios-tanque ativos, a maioria dessas empresas (1.361) possui menos de 10 navios-tanque ativos; apenas 20 empresas, incluindo Gatik, possuem 50 ou mais.”
Por outro lado, os barcos desta empresa fizeram importantes alterações para passarem despercebidos. De acordo com dados do ‘Financial Times’, até ao final de março, pelo menos 35 dos navios da Gatik tinham seguro ocidental, o que obrigava esses navios a cumprir os limites máximos de preço do G7 nas vendas de petróleo russo impostos desde dezembro passado. No entanto, no início de abril, nenhum dos navios de Gatik tinha seguro com os grandes fornecedores reconhecidos no Ocidente.
Ao fazer isso, Gatik ajudou a facilitar uma das trocas mais significativas de fluxos de petróleo em décadas. Antes da guerra na Ucrânia, a Rússia fornecia menos de 1% do petróleo bruto da Índia. Agora representa cerca de 30%, de acordo com estatísticas comerciais oficiais.