Missão de “pacificação” de Viktor Orbán: o líder húngaro conseguiu alguma coisa?

Quando o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, entrou em choque com a União Europeia para visitar o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscovo, no passado dia 5, apresentou-se como um pacificador. “O número de países que podem conversar com ambos os lados em guerra está a diminuir”, frisou o responsável húngaro, que tinha terminado uma visita a Kiev três dias antes.

“A Hungria está lentamente a tornar-se o único país na Europa que pode falar com todos”, sustentou, em referência ao isolamento diplomático e económico da Rússia com a União Europeia desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

De acordo com a publicação ‘Al Jazeera’, quando assumiu a presidência rotativa de seis meses do Conselho Europeu de líderes, Orbán procurou o prestígio de um mediador, revelaram diversos analistas. “As perspetivas de paz são tão tentadoras que todos querem reivindicar a vitória e dizer ‘eu trouxe a paz para a Europa'”, referiu Victoria Vdovychenko, diretora do programa de estudos de segurança do Centro de Estratégias de Defesa da Ucrânia. “Falar com Putin e Putin realmente ouvir – todos querem isso também, porque Putin só ouve a si mesmo”, indicou.

Orbán partiu depois para Pequim para falar com o líder chinês Xi Jinping a 8 de julho, uma etapa não anunciada da viagem, antes de participar da 75ª cimeira da NATO em Washington, DC, na semana passada. Encontrou-se também com o candidato presidencial republicano Donald Trump, na Flórida.

“Falar com Trump é um novo movimento e Orbán está a pensar como um empresário muito pragmático”, disse Vdovychenko. “O que é do interesse dele? Uma manobra fantástica, juntar todos os regimes autocráticos e trazê-los para Trump.”

Orban conseguiu alguma coisa? Ele parece pensar que sim.

Numa carta ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, Orbán garantiu que Putin estava “pronto para considerar qualquer proposta de cessar-fogo que não servisse a realocação e reorganização ocultas das forças ucranianas”.

As reações europeias à iniciativa de paz de Orbán foram inequivocamente críticas. “Isto é sobre apaziguamento. Não é sobre paz”, destacou o porta-voz da Comissão Europeia Eric Mamer. Já Josep Borrell, alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros, enfatizou que Orbán “não estava a representar a UE de nenhuma forma”.

Não são novas estas atitudes de Orbán: ele é o único líder da UE a não permitir que as armas destinadas à Ucrânia transitem pelo seu território – foi também, a par do chanceler austríaco Karl Nehammer, os únicos líderes europeus a visitar Moscovo desde a invasão.

No ano passado, foi também o único líder europeu a comparecer à celebração da Iniciativa do Cinturão e Rota, um programa global de construção de infraestrutura, em Pequim.

É por isso normal que agora enfrente as consequências: os Estados-membros da UE já garantiram que não pretendem participar na cimeira de paz que Orbán planeia realizar a 28 e 29 de agosto, realizando a sua própria reunião separada. De acordo com o ‘Financial Times’, houve mesmo propostas privadas para boicotar todas as reuniões ministeriais durante a presidência da Hungria, ou mesmo para a retirar completamente da presidência – uma medida sem precedentes para um país que detém a presidência rotativa da UE, que nunca foi desprezado desta forma no passado.

No entanto, Orbán parece prosperar no confronto: em dezembro passado, foi o único líder da UE a opor-se à emissão de um convite à Ucrânia para abrir negociações de adesão. Os outros 26 líderes da UE superaram o seu veto em parte ao oferecer descongelar 10 mil milhões de euros em subsídios da UE.

Em fevereiro último, Orbán também se opôs à promessa de 50 mil milhões de euros em ajuda financeira à Ucrânia durante quatro anos: cedeu num acordo cujos contornos não foram revelados.

Em março, a Suécia tornou-se o 32º membro da NATO depois de superar outro veto húngaro. “Houve uma pressão considerável dentro da aliança, que deixou claro que a sua opinião não seria levada a sério se fosse apenas uma opinião obstrutiva”, revelou Benjamin Tallis, especialista em relações internacionais do Centro para a Modernidade Liberal, um think tank de Berlim.

A UE governa por consenso, e o excecionalismo da Hungria tem deixado muitas pessoas irritadas. Como muitos que apoiam a Ucrânia na Europa, Tallis acredita que Orbán está a usar a presidência da UE para perturbar os valores europeus. “Orbán deixou claro que não apoia a vitória da Ucrânia. Se a Ucrânia não vencer, isso ajudará a minar a democracia liberal europeia também, porque cria uma zona cinzenta bem no coração da geopolítica europeia, que será usada continuamente contra nós”, reforça o analista.

Tallis acredita que é hora de adotar uma abordagem mais firme: a UE precisa pensar em congelar novamente a ajuda de Bruxelas que foi libertada em dezembro passado e forçar a Hungria a escolher um lado. “Ainda não fizemos o povo húngaro pressionar Orbán, porque não os fizemos escolher entre os benefícios que obtêm por viver sob um regime corrupto que está a canalizar dinheiro da UE para eles e pagar qualquer uma das taxas da democracia.”

“O povo húngaro escolheu Orbán quatro vezes. Eles foram claros. Se houver uma chance de ser expulso da UE, obter uma filiação limitada à NATO, então acho que isso começa a mudar a equação”, conclui.

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