Medida histórica: França torna-se o primeiro país do mundo a consagrar aborto na Constituição

A França tornou-se, esta segunda-feira, o primeiro país do mundo a incluir o aborto na Constituição. O Parlamento francês aprovou a medida com 780 votos a favor e 72 contra.

“Passo a passo a igualdade está cada vez mais próxima”, garantiu o primeiro-ministro Gabriel Attal, que saudou “um passo fundamental, que ficará na História e que deve tudo aos anteriores”. “Há momentos em que a unidade, o interesse coletivo e o interesse geral devem substituir as brigas quotidianas”, acrescentou.

“O homem que sou não pode conhecer a angústia destas mulheres, o sofrimento físico, o sofrimento moral mas o irmão, o filho, o amigo, o primeiro-ministro vão lembrar-se do orgulho de ter estado nesta plataforma”, apontou Gabriel Attal.

Nas redes sociais, o primeiro-ministro congratulou-se com a decisão histórica. “Hoje, a França enviou uma mensagem histórica ao mundo inteiro: os corpos das mulheres pertencem-lhes e ninguém tem o direito de dispor deles em seu lugar”, precisou.

Houve aplausos estrondosos na câmara quando o resultado foi anunciado e no centro de Paris, a Torre Eiffel foi iluminada para marcar a ocasião. A medida já tinha sido aprovada pelas câmaras alta e baixa, pelo Sénat e pela Assemblée Nationale, mas era necessária a aprovação final pelos parlamentares na sessão conjunta de Versalhes para efetuar a mudança constitucional.

“Celebremos juntos a entrada de uma nova liberdade garantida na Constituição”, referiu o presidente francês, Emmanuel Macron, na rede social ‘X’..

“O nosso direito de abortar – obrigada Simone Veil – é uma liberdade fundamental. O seu lugar está na Constituição, na Lei Básica, como um direito inalienável”, escreveu a ex-ministra da Justiça socialista, Christiane Taubira, na rede social ‘X’.

Com esta medida, a interrupção voluntária da gravidez vai passar a ser um direito constitucional em França.

A revisão constitucional irá alterar o artigo 34, que passará a incluir “a garantia da liberdade das mulheres de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”.

Para ser definitivamente aprovada, a alteração constitucional exigirá o ‘OK’ definitivo de uma maioria de três quintos de uma sessão conjunta do Parlamento, tradicionalmente realizada no Palácio de Versalhes.

Embora tenha reconhecido que atualmente o direito ao aborto não está ameaçado em França, o ministro da Justiça, Eric Dupond-Moretti, considerou necessário registar o aborto para que “no futuro nenhuma maioria possa questioná-lo”.

Moretti lembrou o caso dos Estados Unidos, mas também o da Hungria ou da Polónia, onde os partidos conservadores restringiram o direito ao aborto, e destacou que no futuro isso também poderia acontecer em França.

Em França, o direito à interrupção voluntária da gravidez está atualmente consagrado numa lei ordinária que data de 1975, e a sua consagração no direito constitucional dificultará qualquer tentativa futura do legislador de o abolir ou de limitar fortemente, segundo os seus defensores.

De acordo com uma sondagem de novembro de 2022, quase nove em cada dez franceses (86%) são favoráveis à consagração do direito ao aborto na Constituição.

Os últimos números oficiais, publicados em setembro, mostram que o número de abortos em França aumentou para 234 mil em 2022, após dois anos de declínio excecional devido à epidemia de Covid-19.

Com a consagração deste direito na Constituição será mais difícil modificá-la, sendo exigida uma maioria de três quintos para alterá-la novamente.

Extrema-direita vota a favor da reforma no Parlamento

A maioria dos deputados da extrema-direita votou a favor da reforma, mas os seus dirigentes deixaram uma nota discordante, considerando que se tratou de uma manobra do Presidente francês para esconder a sua fragilidade parlamentar.

“Vamos votar esta constitucionalização, porque não nos representa nenhum problema, mas a partir daí não podemos falar de um dia histórico. É um dia explorado por Emmanuel Macron para a sua própria glória”, disse a líder da extrema-direita, Marine Le Pen.

Outros parlamentares conservadores expressaram dúvidas se a reforma adotada poderia infringir a liberdade dos médicos de se oporem à realização de abortos com base na objeção de consciência.

Antecedendo a votação histórica, a Pontifícia Academia do Vaticano para a Vida defendeu hoje que “não pode ser um direito” acabar com uma vida humana.

“A Pontifícia Academia para a Vida reitera que precisamente na era dos direitos humanos universais não pode haver um ‘direito’ de suprimir a vida humana”, afirmou em comunicado.

A iniciativa já tinha sido aprovada no final de janeiro por uma maioria esmagadora na Assembleia Nacional e, na semana passada no Senado, apesar da relutância de alguns senadores de direita e do centro, que têm a maioria na câmara alta.

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