Marcelo demite formalmente Governo esta quinta-feira. Como serão os próximos meses?

A demissão do Governo deverá ser formalizada esta quinta-feira à noite, segundo apontou o Presidente da República, no mesmo dia em que decorrerá o último Conselho de Ministros da atual legislatura.

“Prolonguei um bocadinho aquilo que poderia terminar depois deste fim de semana, já que terminou a votação final global do Orçamento do Estado”, mas ainda existiam “votações importantes do PRR que era preciso concluir”, explicou Marcelo Rebelo de Sousa no fim de semana passado. Cumpridas, avança a formalização da demissão do Governo, sendo que a dissolução da República deverá acontecer a 15 de janeiro, segundo apontou o Presidente.

O que se segue? Marcelo explicou: “Depois entra em Governo de gestão e em Governo de gestão a minha ideia é a seguinte: tudo o que for relacionado com o PRR é administração, e lançamentos, execuções, como está tudo contratualizado, tudo deve correr na normalidade. Se for preciso um diploma legal daqui até à data das eleições e depois até à nomeação do novo governo, aí eu examinarei diploma a diploma. Se for verdadeiramente fundamental para a economia do país para assegurar este período de estabilidade económica em Portugal, eu não deixarei de o promulgar”.

A Constituição, no nº5 do artigo 186º, estabelece que “antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, ou seja, Costa fica limitado a atos administrativos, enquanto eventuais atos políticos são da responsabilidade do Presidente da República, segundo explica à Executive Digest José Adelino Maltez, politólogo, professor universitário e investigador de ciência política.

“Depois da demissão do Governo formalizada? Segue-se o calendário”, brinca o especialista. “Como vivemos em regime de uma morte anunciada, os efeitos desses atos são no momento em que se anunciaram e não no momento em que efetivamente podemos lê-lo em folha oficial. Tudo se tornou mais complexo a partir do anúncio e não a partir do ato oficializado”, sustenta.

“Estamos em crise? Estamos e não estamos: é uma falsa crise porque, apesar de ‘decapitados’ no Governo, todos sentimos que tanto faz, tudo isto funciona independentemente destes processos. É a vantagem de haver autonomia da sociedade face ao Estado, neste caso o Governo é que perdeu cabeças… e a cabeça”, continua o politólogo em declarações à Executive Digest.

E até março como será? Segundo Adelino Maltez, tudo decorrerá dentro da ‘normalidade’ com um Governo de gestão, com os portugueses (e os políticos) mais preocupados com a campanha eleitoral.

“Andaremos em medição de como os novos lideres partidários são recebidos pelas pessoas, são muitos os novos rostos, no Bloco, PS, IL, PSD, PCP… É uma total novidade a relação destas lideranças com o voto, é uma experiência de novidade… se calhar para ficar tudo na mesma”, adianta.

Marcelo já explicou o que podemos esperar dos próximos meses, indica Adelino Maltez: “Terá que ler os diplomas que vêm de um lado para o outro e falar com Costa para ver se diploma x ou y pode passar e quais as consequências… Vai ser um período, ao contrário do que pode parecer, do mais profícuo diálogo de sempre entre os dois”.

“A Presidência da República tornou-se mais importante que o Presidente, passou a ser uma máquina de controlo formal de poder, com muitos assessores, pareceres, motoristas a levar papeis de um lado para o outro, e o Governo passou a ter um comando de quem nós sabemos que não vai ser ator político imediato. Portanto, são diálogos anónimos de instituição. Será que a democracia sobrevive? Acho que sim, as instituições são mais importantes do que as pessoas”, clarifica à Executive Digest o especialista.

Recorde-se que o primeiro-ministro, António Costa, apresentou a sua demissão ao Presidente da República em 07 de novembro, por causa de uma investigação judicial sobre a instalação de um centro de dados em Sines e negócios de lítio e hidrogénio que levou o Ministério Público a instaurar um inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça em que é visado.

O chefe de Estado aceitou de imediato a demissão do primeiro-ministro, embora sem a formalizar, e dois dias depois anunciou que iria dissolver o parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas para 10 de março, após ter ouvido os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado.

Caso das gémeas? autoridade de Marcelo não fica ‘beliscada’

Questionado sobre o caso das gémeas luso-brasileiras que receberam o medicamento mais caro do mundo, o zolgesma, no Hospital de Santa Maria, Adelino Maltez diz sentir “pena” por Marcelo se ver envolvido.

O caso, noticiado pela TVI, levantou suspeitas de uma alegada intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, que foi já negada pelo próprio, que assumiu ter recebido um e-mail do filho sobre o tema e ter dado o seguimento “normal” de qualquer outro pedido.

“Foi apanhado pelo imprevisto e ficou a parecer um trapalhão. Ele não é trapalhão, só que teve ali um problema … é a cabeça de uma pessoa humana, de hiperinformação, excesso de informação…E não o deixaram aperceber-se de um pormenor que podia ter resolvido, como resolveu outras tantas ameaças à sua carreira política”, considera o politólogo.

“É uma conta de 4 milhões de euros….interessa-me saber quem é que vai pagar. E aí falha totalmente o sistema. É tão minucioso e de repente aparece uma despesa pública deste género, que teve de ser justificada, e que daqui a pouco tempo vamos saber quem foi o responsável, com as consequentes marcas para a conta. Tem de haver uma coisa que na Língua Portuguesa não há que é ‘accountability’”, defende Adelino Maltez.

O professor universitário continua: “Não é um problema do Marcelo, de Costa ou de Marta Temido: é um problema da máquina. Neste caso, refletiu-se num impacto para o Presidente que não deve ter dormido estas noites”.

Adelino Maltez considera que a autoridade de Marcelo não fica ‘beliscada’ pelo episódio.

“Podia passar férias a partir de agora e manter a máquina a funcionar para fazer o veto, já que não se esperam decisões fundamentais dele… portanto isto já funciona mesmo sem Marcelo. Mas é triste para a história dele, de anos e anos de gestão de poder e tentativa de criação de uma imagem de afastamento do nepotismo e clientelismo. São coisa que acontecem. “Não somos divinais, somos máquinas humanas, e Marcelo, por vezes, acha que é Deus. E não é”, termina Adelino Maltez.

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